Querido diário:
Fico abismado ao perceber que tem muita gente que acha que a Copa do Mundo deve levar o Brasil à derrota. Que acha que o governo errou ao promover a copa do mundo no Brasil, que o governo é ladrão. Ou melhor, o governo é ladrão e incompetente, mas tem muito mais gente que acha que devemos ganhar a taça. O que mais me deixa abismado é que muita gente que é contra o governo não se dá conta de que estamos falando do governo, o mesmo, o mesmíssimo desde, desde que comecei a contar, ou seja, 1947, Dutra, Getúlio, Café Filho, e por aí vai. Sem ilusões, eu já denunciava há quase quatro anos a chapa Serra-Dilma, prevendo que nenhum deles, ao chegar ao poder, iria promover as verdadeiras reformas necessárias pela brasilidade.
Em 1970, era assim, era pior, havia ditadura. Em meu livro de poesias completas de Carlos Drummond de Andrade, nas páginas 673 a 675, tem um poema chamado "Copa do Mundo de 70" e a primeira parte (I/Meu coração no México) tem a data de 9 de junho de 1970. E originalmente foi publicada no livro Versiprosa. Como também o foi o que segue-lhe o verso final.
COPA DO MUNDO DE 70
I / MEU CORAÇÃO NO MÉXICO
Meu coração não joga nem conhece
as artes de jogar. Bate distante
da bola nos estádios, que alucina
o torcedor, escravo de seu clube.
Vive comigo, e em mim, os meus cuidados.
Hoje, porém, acordo, e eis que me estranho:
Que é de meu coração? Está no México,
voou certeiro, sem me consultar,
instalou-se, discreto, num cantinho
qualquer, entre bandeiras tremulantes,
microfones, charangas, ovações,
e de repente, sem que eu mesmo saiba
como ficou assim, ele se exalta
e vira coração de torcedor,
torce, retorce e se distorce todo,
grita: Brasil! Com fúria e com amor.
II / MOMENTO FELIZ
Com o arremesso das feras
e o cálculo das formigas
a Seleção avança
negaceia
recua
envolve.
É longe e em mim.
Sou o estádio de Jalisco, triturado
de chuteiras, a grama sofredora
a bola mosqueada e caprichosa.
Assistir? Não assisto. Estou jogando.
No baralho de gestos, na maranha
na contusão da coxa
na dor do gol perdido
na volta do relógio e na linha de sombra
que vai crescendo e esse tento não vem
ou vem mas é contrário... e se renova
em lesta lesma de replay.
Eu não merecia ser varado
por esse tiro frouxo sem destino.
Meus onze atletas
são onze meninos fustigados
por um deus fútil que comanda a sorte.
É preciso lutar contra o deus fútil,
fazer tudo de novo: formiguinha
rasgando seu caminho na espessura
do cimento do muro.
Então crescem os homens. Cada um
é toda a luta, sério. E é todo arte.
Uma geometria astuciosa
aérea, musical, de corpos sábios
a se entenderem, membros polifônicos
de um corpo só, belo e suado. Rio,
rio de dor feliz, recompensada
com Tostão a criar e Jair terminando
a fecunda jogada.
E gooooooooool na garganta florida
rouca exausta, gol no peito meu aberto
gol na minha rua nos terraços
nos bares nas bandeiras nos morteiros
gol
na girandolarrugem das girândolas gol
na chuva de papeizinhos celebrando
por conta própria no ar: cada papel,
riso de dança distribuído
pelo país inteiro em festa de abraçar
e beijar e cantar
é gol legal é gol natal é gol de mel e sol.
Ninguém me prende mais, jogo por mil
jogo em Pele o sempre rei republicano
o povo feito atleta na poesia
do jogo mágico.
Sou Rivelino, a lâmina do nome
cobrando, fina, a falta.
Sou Clodoaldo rima de Everaldo.
Sou Brito e sua viva cabeçada,
com Gérson e Piazza me acrescento
de forças novas. Com orgulho certo
me faço capitão Carlos Alberto.
Félix, defendo e abarco
em meu abraço a bola e salvo o arco.
Como foi que esquentou assim o jogo?
Que energias dobradas afloraram
do banco de reservas interiores?
Um rio passa em mim ou sou o mar atlântico
Passando pela cancha e se espraiando
por toda a minha gente reunida
num só vídeo, infinito, num ser único?
De repente o Brasil ficou unido
contente de existir, trocando a morte
o ódio, a pobreza, a doença, o atraso triste
por um momento puro de grandeza
e afirmação no esporte.
Vencer com honra e graça
com beleza e humildade
é ser maduro e merecer a vida,
ato de criação, ato de amor.
A Zagalo, zagal prudente,
e a seus homens de campo e bastidor
fica devendo a minha gente
este minuto de felicidade.
Pois bem: acabou-se o poema da Copa do Mundo de 1970. Por nostalgia, publico mais dois. Então o segundo é "A Seleção", do mesmo livro Versiprosa, de minha veríssima Poesia Completa, localizando-se às 606-607. E aqui consta a data de 3 de abril de 1966.
Vai Rildo, não vai Amarildo?
Vão Pelé e, que bom, Mané,
O menino gaúcho Alcino,
perdão: Alcindo e mais Dino,
Altair, rima de Oldair,
ecoando na ponta: Ivair,
e na quadra do gol: Valdir.
Fábio, o que não poder faltar,
e também não pode Gilmar.
como, entre os santos dos santos,
o patriarca Djalma Santos,
sem esquecer o Djalma Dias
e, entre mil e uma noites, Dias.
Mas se a Comissão não se zanga,
quero ver, em Britânia, Manga.
É canhoto, e daí? Fefeu
quando chuta, nunca perdeu.
A chance que lhe foi roubada,
desta vez a tenha Parada.
Paraná, invicto guerreiro
para guerrear, como aqui, lá.
Olhando pro chão, Jairzinho
e como joga legalzinho.
Não abro mão de Nado e Zito,
nem fique o Brito por não-dito.
Ditão, é claro, por que não?
e o mineiríssimo Tostão,
o grande Silva, corintiana
glória e mais o áspero Fontana,
Dudu, Edu... e vou juntando
bons nomes ao nome de Orlando,
para chegar até Bellini
em cujas mãos ataca tine.
Célio, Servílio: suaves eles
já completados por Fidelis.
Edson, Deníson, Murilo,
cada um com seu próprio estilo.
Um lugar para Paulo Henrique
enquanto digo a Flávio: fique!
Com Paulo Borges bem na ponta
eu conto, e sei que você conta.
Na lateral, Carlos Alberto
estou certo que vai dar certo.
Acham tampinha Ubirajara?
Valor na se mede por vara.
Até parece de encomenda:
Leônidas, nome que é legenda.
E se Gérson do Botafogo
entra em campo, ganha o jogo.
Não podia esquecer o Lima
e o seu chute de muita estima.
Com tudo isso e mais Rinaldo
e o canarinho de Ziraldo,
quarenta e seis, se conto bem
- um time igual eu nunca vi
em Europa, França e Belém -
que barbada seria o Tri,
hein?
ecoando na ponta: Ivair,
e na quadra do gol: Valdir.
Fábio, o que não poder faltar,
e também não pode Gilmar.
como, entre os santos dos santos,
o patriarca Djalma Santos,
sem esquecer o Djalma Dias
e, entre mil e uma noites, Dias.
Mas se a Comissão não se zanga,
quero ver, em Britânia, Manga.
É canhoto, e daí? Fefeu
quando chuta, nunca perdeu.
A chance que lhe foi roubada,
desta vez a tenha Parada.
Paraná, invicto guerreiro
para guerrear, como aqui, lá.
Olhando pro chão, Jairzinho
e como joga legalzinho.
Não abro mão de Nado e Zito,
nem fique o Brito por não-dito.
Ditão, é claro, por que não?
e o mineiríssimo Tostão,
o grande Silva, corintiana
glória e mais o áspero Fontana,
Dudu, Edu... e vou juntando
bons nomes ao nome de Orlando,
para chegar até Bellini
em cujas mãos ataca tine.
Célio, Servílio: suaves eles
já completados por Fidelis.
Edson, Deníson, Murilo,
cada um com seu próprio estilo.
Um lugar para Paulo Henrique
enquanto digo a Flávio: fique!
Com Paulo Borges bem na ponta
eu conto, e sei que você conta.
Na lateral, Carlos Alberto
estou certo que vai dar certo.
Acham tampinha Ubirajara?
Valor na se mede por vara.
Até parece de encomenda:
Leônidas, nome que é legenda.
E se Gérson do Botafogo
entra em campo, ganha o jogo.
Não podia esquecer o Lima
e o seu chute de muita estima.
Com tudo isso e mais Rinaldo
e o canarinho de Ziraldo,
quarenta e seis, se conto bem
- um time igual eu nunca vi
em Europa, França e Belém -
que barbada seria o Tri,
hein?
DdAB
P.S. Aqui acabam os três poemas, antes de meu nome, colocado por estas alturas apenas para deixar claro -dialeticamente- que os textos são de Carlos Drummond de Andrade.
P.S.S. A imagem veio daqui.
P.S.S.S. Os textos dos poemas retirei-os daqui, mas inseri pequenas edições, para deixar totalmente de acordo com o livro da Editora Nova Aguilar de 2003. Conferi compulsivamente aquele "gooooooooool" que tem mesmo dez vezes a letra "o". Quem olhar este site verá que praticamente todos os brasileiros já fizeram poemas ou canções falando em futebol, especificamente há milhões também fizeram odes à seleção brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário