10 julho, 2011

Mesoeconomia: quantas?

querido diário:
no outro dia, na verdade, na sexta-feira de noite, vim a descobrir o artigo:

PESSALI, Huáscar & DALTO, Fabiano (2010) A mesoeconomia do desenvolvimento econômico: o papel das instituições. Nova Economia. v. 20 jan-abr. p.11-37. baixar aqui.

fiquei impressionado. agora mesmo, no Google, apenas com "mesoeconomia", vejo a listagem de 7.650 entradas. talvez depois que eu publicar esta, passemos a 7.651... vejamos, contemos. vejamos agora "mesoeconomics". tem 16.300 e até verbete na Wikipedia. andei lendo-o há tempos. cheguei a comprar o livro de Kwang Ng. se a pronúncia é ene-gê, digo: nada a ver. é um livro de algum tipo de macro até mais para ortodoxo do que para menos. mas é alidado. aliado de quem? de quem está tentando abrir um espaço entre a micro e a macro para acomodar algum tipo de conhecimento que foge um pouco aos tradicionais manuais de micro e macro, especialmente os de níve avançado. Kreps, por exemplo, fala que seu livro é de "micro neoclássica", o que discordo. e Blanchard fala em "ciência da macroeconomia", o que me parece exagero. é que alguns têm visto estas bifurcações didáticas e metodológicas como ditames celestes. nunca esquecerei que Robert Crouch, num livro agora fora de moda no estudo da macro, falava algo do tipo: "a ciência econômica não é um ente esquisofrênico: quando falamos em macro, não podemos esquecer que há um mundo micro e quando falamos no mundo micro, não podemos esquecer que ele existe como tal precisamente porque é amparado por um mundo macro. e vice-versa e o contrário do vice-versa. e o avesso do avesso. e o avesso do avesso do avesso do avesso. parece média harmônica... (tu já achou esta piadinha no livro de mesoeconomia da Bookman?).

pois a primeira pergunta que fiz ao começar a fazer perguntas sobre o artigo de Pessali & Dalto foi: "mesoeconomia do desenvolvimento econômico, é?" e quais são as demais mesoeconomias? a da economia internacional? a do crescimento econômico? a dos números índices? já postei o que dizem as p.67-72 do livro:

A mesoeconomia representa uma dimensão intermediária entre as tradicionais micro e macroeconomia, buscando cobrir o espaço que as separa, ou seja, tentando dar respostas tanto à questão da agregação das variáveis quanto à das suposições utilizadas para a construção de suas proposições explicativas. Ao fazê‑lo, a mesoeconomia pode buscar explicações a uma enorme gama de fenômenos que não são abrigados pelos corpos teóricos da micro e da macroeconomia.

ainda faltaram as definições de micro e macro lá do livro. mas, mesmo sem lermos o que por lá é dito, aqui podemos inferir. primeiro, a micro é a das variáveis desagregadas, preço do livro, grau de monopólio na indústria do CD, ao passo que a macro é a das variáveis agregadas: preço de todos os bens forma o nível geral de preços, etc. segundo, esse negócio das suposições. na micro, pressupomos que não há inflação ou deflação, por exemplo, quando queremos explicar como se formam os preços relativos. na macro, supomos que estes preços relativos estão fixos, quando queremos explicar o crescimento econômico.

quais seria a enorme gama de fenômenos que não estão abrigados pelos corpos teóricos da micro ou da macro? Pessali & Dalto deram um: o desenvolvimento econômico. quer mais um? a economia da tecnologia. e outro? a influência da estrutura dos instrumentos financeiros sobre a oferta monetária. outro? diga lá, leia o artigo, leia o livro! as palavras chave do artigo são: instituições, desenvolvimento; desenvolvimento econômico, mudança institucional, falhas de mercado. para o JEL, ele é: D02 e O12. o livro tem na ficha catalográfica: 1. Economia. 2. Mesoeconomia. 3. Desenvolvimento econômico. esta é a primeira e notável coincidência, principalmente se aceitarmos que eu não lera o artigo nesses anos todos (na verdade, agora seria no máximo um ano e meio, desde a publicação, ainda que -como sabemos- conheço os autores e poderia ter-me beneficiado de uma leitura de seu eventual texto para discussão; esta especulação é interessante: se tivesse lido, como isto iria afetar meu papel no próprio livro da Bookman?).

ainda com relação ao título, tentando delimitar os contornos da mesoeconomia, eu diria que podemos começar a cercá-lo por meio das três organizações (instituições) econômicas fundamentais: produtores, locatários dos fatores e instituições. ou seja, instituição se torna um termo inserido no que quer-se definir. na verdade, a confusão é menos séria. Pessali & Dalto dão maravilhosas definições de instituições, no sentido que o livro dá para organizações. o livro inspirou-se em Simon (citado por Pessali & Dalto), que fala mais em "organizações" e menos em "instituições". então como é que os "produtores" não são micro nem macro? ora, aqui estamos falando das variáveis agregadas (macro) mas setoriais (micro) ou seja, em média, meso... e os locatários dos fatores? dá-se o mesmo: há locatários de fatores locando os serviços que os fatores prestam a produtores da agropecuária, da indústria extrativa mineral, da indústria de transformação de minerais não metálicos, e assim por diante. isto não é bem micro e menos ainda é macro. e as instituições? as famílias não são "macro", que estuda o consumo agregado. nem são "micro", que estuda os agentes individuais. quais as demais instituições? o governo, as empresas que exportam o produto doméstico e as empresas domésticas (não se nega que haja empresas estrangeiras enrustidas no ambiente doméstico) que compram bens de capital e os investem na expansão de sua capacidade produtiva.

mas não é apenas isto: a mesoeconomia busca cercar as interações entre estas três organizações por meio do exame de três mercados:

.a. quando produtores interagem com locatários dos fatores, estamos falando em mercado de fatores (famílias oferecem e produtores -sabedores que há demanda- contratam),
.b. quando produtores interagem com as instituições, estamos falando no mercado do produto (produtores oferecem e instituições compram)
.c. quando instituições interagem com os locatários dos fatores, estamos falando no mercado de arranjos institucionais (inclusive os monetários), (instituições oferecem os serviços dos fatores a seus integrantes que os alocam das próprias famílias que os alugam aos produtores.

ou seja, tudo explicadinho em termos de oferta e demanda: de bens e serviços, de serviços dos fatores e de arranjos institucionais. tudo explicadinho em torno do conceito de equilíbrio, pois -como bem sabemos- ontem as compras foram identicamente iguais às vendas. tudo explicadinho em termos de não termos tudo explicadinho: não incluímos precipuamente em nosso pensamento (mas incluímos nota no livro...) os bens públicos, os serviços dos fatores usados domesticamente e os arranjos institucionais não vislumbrados apenas no fluxo circular da renda, por exemplo, os ritos comunitários.

em outras palavras, uma das palavras chave de Pessali & Dalto é "falhas de mercado". pois elas estão bem aí: não fossem elas, não precisaria de produção de bens públicos, por exemplo. e eu não precisaria ter feito metade do parágrafo acima.

essa pilha de identidades contábeis de que falei tem abrigo numa pilha de matrizes tratadas no livro e que devem ser -pensamos nós- precisamente instrumentos de análise mesoeconômica:

.a. matriz de contabilidade social (onde vemos o redesenho do fluxo circular da renda, para dar abrigo ao mercado de arranjos institucionais)
.b. a matriz de insumo-produto, para dar conta das ligações setoriais da economia e que relaciona os setores produtores e os produtos que eles produzem
.c. a matriz de contabilidade social ambiental, para dar conta da dimensão demográfica da avaliação do bem-estar social e do desempenho do sistema econômico em da do período.
.d. a matriz de fontes e usos de fundos, que relaciona setores financeiros e os instrumentos que estes utilizam.
.e. a matriz de insumo-produto da empresa (o que já seria mais microeconômico, não fosse a possibilidade de, a partir dela, fazermos as análises da absorção de tecnologia por parte da empresa não usando nada mais refinado do que a função de produção de Leontief).

ok, ok: cheguei no pulo das identidades contábeis (compras === vendas) a relações comportamentais, o que faz com que demos significado empírico aos coeficientes da função de produção de Leontief). mas a mesoeconomia não é apenas isto, pois ela também se preocupa em mensurar o bem-estar social, por exemplo, com o estudo da distribuição primária da renda (para os clássicos, salários e lucros) e o mecanismo de transferência dos locatários dos fatores e do governo para as famílias e demais instituições (agora chamando pelo nome keynesiano: governo, investimento e exportações líquidas de importações).

mensurando não apenas o produto agregado, mas também o produto setorial, a mesoeconomia diferencia-se da macro, pois permite avaliarmos as "fontes do crescimento econômico" inseridas no marco da função de produção de Leontief e da chamada matriz expandida trabalhada por Richard Stone a partir da matriz de contabilidade social.

não digo que tenhamos atendido a um pedido que Pessali & Dalto teriam feito em, digamos, janeiro/2010, quando eles disseram à p.13 que

"Ao contrário das tradicionais áreas de macro e microeconomia, essa mesoeconomia não conseguiu ainda ser colocada num livro-texto."

è vero! mas não tenho dúvida de que o livro da Bookman tirou pena! ele se declara um manual de contabilidade social, mas deixou tão para trás a simples noção do equilíbrio ex post entre compras e vendas, recheou-se tanto de relações comportamentais, que pode bem conter conteúdos para retirarmos umas 200 páginas com o suco daquilo que podemos chamar de mesoeconomia. na verdade, os três capítulos iniciais bem que poderiam ser chamados de "introdução à mesoeconomia", o que atenderia, talvez, boa parte dos anseios de Pessali & Dalto. mas devo admitir (sem qualquer pesar) que faltariam mais umas boas 100 páginas na segunda parte, para dar conta de muitos detalhes assinalados pelos autores da UFPR.
DdAB
p.s.: ainda falarei mais, muito mais, sobre o livro, é óbvio. e sobre a relação dele com o artigo de Pessali & Dalto.

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