querido blog:
não sei se por incúria de Noreena Hertz ou meu desleixo, não lembrava de seu nome. não posso dizer o mesmo de Naomi Klein, de quem andei ouvindo/lendo há poucos dias e que, na Wikipedia tem uma daquelas carinhas de desalento que caracterizou a personagem Sara no esfuzilante filme "De Volta ao Futuro", ou outro daqueles negócios do Schwartzeneger. dizem no site de Hertz que ela é mais centro-esquerda do que Klein. e na p.12 de Zero Hora de hoje, nos Artigos, o jornalista e publicitário Alfredo Fedrizzi escreveu um artigo sobre Hertz: "Uma nova forma de capitalismo". já fiquei de orelha em pé.
desde que comecei a prezar mais a liberdade do que qualquer outro atributo humano e vê-la contemplada de maneira avassaladora na definição de John Rawls de sociedade justa (o primeiro item avassalador: todos terão direito à maior liberdade compatível com a dos demais). desde que comecei realmente processar o que queriam dizer os desmandos da União Soviética (e os de hoje nos países remanescentes daquele tipo de projeto de engenharia social). desde que, em resumo, comecei a contestar este tipo de abordagem para os problemas de escolha social, passei a indagar-me se sou de direita, centro ou esquerda. no outro dia, citei Agostinho Neto, que achava estar ocupando a posição correta, por ser acusado de esquerdista pela direita e de direitista pela esquerda. muito engenhoso.
em certa medida, também, perdi a esperança de ter uma qualificação adequada. não apenas nesta seara política, mas sobretudo na apreensão que faço da melhor ciência econômica. prezo a concepção de uma tríade: mercado-estado-comunidade. e prezo a noção (não necessariamente importante) de que o estado deve encarregar-se da provisão e praticamente nada da produção de bens públicos e de mérito. e desprezo a noção do "estado produtor". [parênteses acolchetados: não nego, pode-se entender, a importância das políticas públicas, que poderiam ser retiradas pela via da democracia parlamentar ou da democracia direta]. prisões? que tal cadeias para quatro-cinco indivíduos, dando emprego para outros dois ou três? julgamentos? que tal cortes de arbitragem administradas por cidadãos de reputação ilibada? desvios agatunados? que tal internamento dos doentes em pequenos hospitais? isto seria política pública. e nada impediria que o "setor privado" fizesse enormes prisões, qualificando-se para hospedar o povo agatunado, em resposta a requisitos sociais diversos dos da promoção da sociedade igualitária? exércitos? polícia? que tal contratar a moçada que poderia dedicar-se a este trabalho durante três horas diárias, dedicando mais três para sua cultura física e outras três para o cultivo da mente?
e se a mega-prisão e a mega empresa produtora de macarrão ou caminhão der lucros extraordinários (definidos como os lucros empilhados acima dos sinalizados pelo custo de oportunidade socialmente determinado)? cobra imposto de renda! e se o sucessor do dr. Pitangui ou do sr. Ronaldinho tiverem rendimentos invejáveis (epa, o modelo também resiste à cláusula "sem inveja")? tasca imposto de renda. aquela democracia (direta ou representativa) pode determinar os limites das alíquotas, dependendo de seu grau de aversão à desigualdade.
tudo isto poderia ser chamado de "uma nova forma de capitalismo". e até acho que com mais propriedade do que aquele negócio que Fedrizzi atribui a Hertz. diz lá ele:
Ela diz que existem condições para uma nova forma de capitalismo, o coop-capitalismo, que escolheu valores como a cooperação, colaboração e coordenação, onde o individualismo desenfreado vai ficando para trás."
e ele diz outras coisas que ajudam-me a alegar não ter gostado nem do artigo dele nem deste tipo de brincadeira de mudar o nome das coisas, pensando em, com isto, mudar o mundo. este negócio de coop-capitalismo é tão estapafúrdio quanto chamar a China de socialista ou de capitalista liberal. a verdade verídica é que as expressões capitalismo cooperativo, capitalismo liberal, capitalismo estatal, capitalismo explorador, capitalismo do norte da Europa, capitalismo sindical, ou o que venhamos a inventar tem no substantivo a palavra "capitalismo". como tal, ele tem sua lei fundalental, sua lei necessária absoluta, o substantivo "concorrência". no dia em que acabar a concorrência como traço fundamental, babaus!, acabou é o capitalismo.
por um lado, tenho feito a piadinha de que o capitalismo acabou há mais de 15 dias, o que -como posso renová-la ad nauseam- permite-me ir repetindo-a ad infinitum. por outro lado, é óbvio que uma formação econômico-social não é algo de que se possa fotografar o dia da mudança. a ânsia de marcarmos nossa presença é que leva a querermos mudar o nome das coisas. por exemplo, um desastrado governante passou a chamar o BNDE de BNDES, outro forçou-nos a dizer CIC, proibindo o CPF, um terceiro mudou -este foi sutilíssimo- Petrobrás para Petrobras. são loucos, deviam ser internados.
mais modestamente, proponho que sigamos chamando de capitalismo este negócio que vemos funcionar, lá fora, com razoável eficiência, sujeito a crises sistemáticas, que a teoria econômica tem ajudado a debelar, com tendência a incidir em custos sociais menores. e que façamos reformas no lado que precisa:
.a. a transformação do governo dos homens na administração das coisas
.b. a provisão de bens públicos e meritórios para a sociedade, para sua articulação econômica, para -portanto- seus agentes (os entes que agem) que assumem a posição de produtores (e,g., pontes, estradas, um banco dos bancos, uma agência reguladora terceirizada da sonegação fiscal e outras agências reguladoras das agências reguladoras, e por aí vai), fatores de produção (eg., escolas, hospitais, museus, clubes, e por aí vai) e instituições (aumentar a receita dos pobres, reduzir a dos ricos)
.c. adoção em todos os níveis de orçamentação universal: receita via impostos progressivos/diretos e despesa via gastos regressivos.
DdAB
imagem: de onde me veio este claro enigma, ou seja, CDA?
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