querido diário:
mexe que remexe (isto é, mexe daqui, remexe dali) e cheguei no verbete de Pierre Bordieu na Wikipedia. eu até andava achando que ele era um prosélito da teoria da escolha racional, mas nunca o estudei, ainda que o tenha visto citado em meu amado Bowles (Microeconomics; behavior, institutions, evolution). por puro azar, ou melhor, falta de tempo, deixarei tudo no original.
sobre a eterna questão da relação entre crenças e desejos e, ao que me parece, também da relação entre traços genéticos humanos e a vida societária, Boudon parece-me chegar a algumas ideias interessantes.
primeiro:
[Taste] functions as a sort of social orientation, a ‘sense of one’s place,’ guiding the occupants of a given…social space towards the social positions adjusted to their properties, and towards the practices or goods which befit the occupants of that position.” Thus, different modes of acquisition yield differences in the nature of preferences.
ou seja, começa pegando pesado sobre questões relevantes de nossa vida: somos o que somos porque nos induziram a assim sê-lo. e será que eu não queria que meus bisnetos sejam diferentes? não poderia induzi-los a sê-lo? será que eu quero que meus bisnetos só falem de futebol e pagode? que posso fazer para evitá-lo? ok, mas será que quero que o filho da filha do zelador do edifício ao lado do meu também fale em pagode e futebol? que posso fazer para ajudá-lo a educar seu espírito e pensar mais em, digamos, tênis (jogado por ele) e Beethoven? eu me sinto preso a certas restrições a minhas liberdades, que não dizer de minha ideologia, especialmente, minha conformidade com a fração do excedente que me foi dado consumir. quando comparo meu padrão de consumo com aquele de outras pessoas, indago-me se não podemos melhorá-lo e, simultaneamente, melhorar o de todos? e qual seria o padrão de consumo adequado para descrever uma sociedade rica e igualitária do início do terceiro milênio? por que acho que o conceito de sociedade justa de John Rawls e o instituto da renda básica universl são os canais condutores de uma vida mais exitosa?
e mais:
Bourdieu himself believes class distinction and preferences are “most marked in the ordinary choices of everyday existence, such as furniture, clothing, or cooking, which are particularly revealing of deep-rooted and long-standing dispositions because, lying outside the scope of the educational system, they have to be confronted, as it were, by naked taste.”
tá vendo? somos treinados para sermos do jeito que somos e, aparentemente, nossa única saída é a educação. e uma educação que não hierarquize os indivíduos pela sua marca de nascença. como fazer isto? já andei postando. as melhores escolas encontram-se mais próximas das casas dos ricos. é óbvio que professor prefere lecionar a pessoas cheirosas e o melhor professor ganhará as melhores escolas. pois isto deve ser destruído: os professores e as escolas devem ser distribuídos aleatoriamente. e mais: os alunos também deverão deslocar-se para ter aulas em outros ambientes, que não os exclusivos da proximidade de suas casas. a educação tem que revolucionar o mundo, desde que o mundo a revolucione. e estou falando em revolução em dois sentidos: o sentido das pessoas de boa vontade que a revolucionarão e o sentido das reformas democráticas que conduzirão ao socialismo (e depois, muito depois, vamos tentar definir esta joça).
e ainda outra:
Pierre Bourdieu developed a theory of the action, around the concept of habitus, which exerted a considerable influence in the social sciences. This theory seeks to show that social agents develop strategies which are adapted to the needs of the social worlds that they inhabit. These strategies are unconscious and act on the level of a bodily logic.
ok, ok. mudo um pouco de assunto. falo de formalização. claro que esta sentença: "os agentes sociais desenvolvem estratégias adaptadas às necessidades do mundo social que habitam". claro que isto pode ser testado, com alguns cuidados. iniciamos formalizando: E = f(N), onde E são as estratégicas e N são as necessidades: as necessidades explicam as estratégias. falta apenas mensurar uma e outra. talvez acrescentar mais variáveis explicativas, essas coisas com que os teóricos devem preocupar-se. agora, já é interessante recebermos algumas dicas lá dele sobre o rumo que devemos dar a nossas preocupações. no caso, explicar a mudança social.
segue o monsieur:
Symbolic violence is fundamentally the imposition of categories of thought and perception upon dominated social agents who then take the social order to be just. It is the incorporation of unconscious structures that tend to perpetuate the structures of action of the dominant. The dominated then take their position to be "right." Symbolic violence is in some senses much more powerful than physical violence in that it is embedded in the very modes of action and structures of cognition of individuals, and imposes the specter of legitimacy of the social order.
e meu maior medo é já ter sucumbido há muito tempo à violência simbólica e estar escrevendo coisas que seriam inevitáveis. ou melhor, que as coisas que inevitavelmente tenho escrito podem ter sido ditadas por meia dúzia de pedaços de polenta que andei ingerindo lá nos tempos em que morávamos em Bento Gonçalves (cujo nome foi cambiado por um abobado de Cruzinha para Colônia Dona Isabel e nem sei mais o quê, culminando com o nome do belicoso general farroupilha. eu fora da guerra. sou pela paz. sou Da Paz!
mas aí vem:
Bourdieu fiercely opposed Rational Choice Theory as grounded in a misunderstanding of how social agents operate. Social agents do not, according to Bourdieu, continuously calculate according to explicit rational and economic criteria. Rather, social agents operate according to an implicit practical logic—a practical sense—and bodily dispositions. Social agents act according to their "feel for the game" (the "feel" being, roughly, habitus, and the "game" being the field).
creio que, se formalizarmos, chegaremos à mesma coisa:
.a. na escolha racional, deve-se pensar que os indivíduo agem "como se" fossem racionais, quer o sejam quer não.
.b. o que esta lógica prática implícita que o que ele critica é a mesma coisa: escolha racional, com certos contornos. entendeste? se é verdade que o agentes social opera (toma suas decisões) de acordo com alguma lógica prática implícita, com este "feel of the game" que me cheira a "aparato institucional", parece que ele age racionalmente, talvez caracterizando esta racionalidade restringida que, por exemplo, faz com que os indivíduos que comeram polenta na infância terão uma propensão a odiar garrafas de vinho de custo superior a R$ 45. ou entendi tudo errado ou o carinha da Wikipedia é que me deu a visão errada. ou ambas as coisas. ou uma terceira coisa que ainda não modelada nem aqui nem na Cochinchina (que também mudou de nome).
DdAB
ilustração: daqui. quer muita formalização? então assina a carteira do trabalho da negadinha...
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