27 maio, 2011

Paradigmas: economia de empresas e economia marxista

querido blog:
caso entendamos a firma como o espaço geográfico cercado por muros de arame farpado no qual o capitalista extrai a maior quantidade de mais valia do trabalhador, estaremos no caminho certo, um milímetro antes da primeira bifurcação importante. com efeito, afastados os distúrbios puramente semânticos, podemos associar-lhe -ao tópico frasal- na linha de argumentação de Imre Lakatos um amplo espectro de metodologias de programas de pesquisa da ciência econômica. acrescento que esta postagem não tem a pretensão de listar tais programas de pesquisa na ordem de seu surgimento, ou de sua importância, ou qualquer outra ampliação possível.

seguindo-lhe a ordem, podemos sugerir que pensar em firma como um conjunto patrimonial que pode ser roubado exige a explicitação de dois elementos:
.a. de um lado a atribuição de direitos de propriedades aos agentes
.b. de outro, a existência de custos de transação (custos de mercado, custos em que incide quem decide usar o mercado para resolver seus problemas de alocação de recursos).

ao lado desta linha, o contrabando da ideia de que capitalistas extraem a maior quantidade possível de mais valia a seus trabalhadores também leva a pensarmos em mais dois desdobramentos:
.a. o primeiro ocorre quando substituímos a expressão "mais valia" por "lucro", o que nos leva ao programa de pesquisa chamado de neoclássico
.b. o segundo desdobra-se da própria noção de mais valia e em que esta se difencia de lucro. e falo agora do chamado problema da transformação de valores em preços.

 comecemos por este. na economia marxista, estudar o problema da transformação dos valores (medidos em horas de trabalho) em preços (medidos em unidades monetárias por unidade de produto físico) significa fazer uma reflexão sobre toda a teoria do valor, vale dizer, toda a teoria da concorrência, vale dizer, toda a teoria do equilíbrio, vale aduzir, sobretudo tudo. mergulhados, assim, no programa de pesquisa da economia marxista, no tópico frasal, foram feitas duas afirmações.

a primeira (ligeiramente incorreta) é que o capitalista (no singular) extrai do trabalhador (no singular) a mais valia. um desdobramento importante deste reparo - capitalista versus trabalhador - é entendermos que estamos generalizando ao contrário: da proposição válida para o conjunto da economia ("a classe capitalista, enquanto classe, explora a classe trabalhadora, enquanto classe"), estamos particularizando para a empresa individual ("na Editora GangeS, o proprietário [residual claimant] capitalista explora os trabalhadores"). em outras palavras, apenas se entendermos a solução do problema da transformação de todos os valores em todos os preços da economia (e haverá mercadorias sem valor, mas com preço) é que poderemos fazer sentido desta ideia de exploração. haverá setores em que o trabalhador é explorado? em média, sim, mas especificamente, se levássemos este conceito ao extremo, teríamos trabalhadores explorando o capitalista. isto porque haverá empresas que vendem abaixo do valor, outras vendem precisamente equalizadas e terceiras que vendem acima do valor. dificuldades do conceito de valor, se expandido para explicar fenômenos além do desvelamento do fetichismo das mercadorias.

a segunda fala em maior quantidade possível de mais valia, o que remete ao universo do papel da racionalidade e da maximização (de lucros) neste programa. tais aspectos nem sempre são devidamente levados em conta na discusão apressada. muitos pensam que supor que os empresários agem racionalmente e, como tal, desejam produzir a quantidade que gera o máximo lucro, é um desvario neoclássico. desvario ou não, o fato é que esta ideia percola ambos os programas de pesquisa - marxista e neoclássico.

por contraste ao programa de pesquisa da economia marxista (por sua vez desdobrado em diversos miniprogramas, que designo por "leis gerais do desenvolvimento do capitalismo", cada lei encapsulando o cerne de um programa), por contraste -repito- o programa de pesquisa chamado de neoclássico, ainda que discordando da noção de exploração (de uma classe por outra e, menos ainda, da exploração do trabalhador dentro da empresa), faz coro às noções de racionalidade econômica e maximização.

contrastando com ambos, alguns neoclássicos e outros, institucionalistas, dizem ser impossível para os agentes econômicos (isto é, seres humanos) deterem toda a informação possível necessária à orientação de sua ação racional em busca da otimização de sua função decisória (consumo de uns e produção de outros). esta abordagem tráz à discussão a questão da racionalidade limitadora da ação dos agentes. e seus desdobramentos sobre a teoria da firma dos anos 1950-1970s.

este tipo de reflexão, se desdobrado, permite formarmos uma visão sucinta de cada uma das escolas (que já chamei de "programas de pesquisa" e nem falei em "paradigma") de pensamento sobre a economia, demarcando semelhanças e diferenças, complementaridades e lacunas comuns, antagonismos e síntese. com tal visão sucinta, se a formarmos, poderemos galgar a compresensão do universo de atuação da empresa capitalista, e, como tal, qualificar-nos a conjeturar sobre a conveniência da regulamentação da atividade mercantil privada. mais fácil do que rimar alhos com bugalhos.

DdAB
a imagem, que veio daqui, simboliza a exploração da natureza pelo homem.
Em 1867, no Capital, volume 1, Marx falou nas leis gerais do desenvolvimento do capitlaismo como:  lei do valor, a lei geral da acumulação ou a lei da queda tendencial da taxa de lucro.

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