30 maio, 2011

Estado Desenvolvimentista e Entreguismo

querido diário:
esta não é uma postagem pessoal, ainda que diários de respeito hospedem confissões de seus autores. mas obviamente diários também abrigam inquietações sobre as três dimensões (ou mais) da realidade realmente real. quero fazer uma confissão profissional, assunto para o qual os diários também se prestam. exerço um limitado grau de usafilia, ou USA-philia, ou melhor, amor a uma boa parte dos traços que chamo de "civilização americana", com menos atrevimento do que Sérgio Buarque de Hollanda falava em "civilização brasileira". sempre falo em cinema, jazz, tecnologia. mas também posso acrescentar  itens que aprendi com Érico Veríssimo, lá em seus dois gatos pretos, a "America" dos anos 40.

pois bem, um dia um algoz dos meninos de rua disse que eu era um entreguista não tanto por querer entregar-lhe maiores alíquotas do imposto de renda mas essencialmente por querer cumprir a legenda da tumba de Marx: "trabalhadores de todos os países, uni-vos". e clamar pelo estado mundial, pelo fim do poder judiciário dos países de desenvolvimento institucional incipiente, como é o caso da Bolívia, de Botwana e, bem sabemos onde eu queria chegar, do Brasil.

nunca vou esquecer de um momento simbólico que vivi ao saber, lendo o mesmíssimo jornal de que falo com estapafúrdia frequência, há alguns anos, que a empresa que hoje subscreve os sabonetes Phebo, fora desapropriada pelos americanos, por uma família americana, nem era o caso da Lever Brothers, Proctor & Gamble, sei lá. pensei: se estes carinhas já chegaram a Belém do Pará (sede da empresa, hoje na Trav. Quintino Bocaiúva, 687, pode conferir), então tudo é permitido. mas nunca pude deixar de lado esta ideia de que o entreguismo consiste em entregar a produção nacional.

e hoje fico cabisbaixo ao perceber no mesmíssimo jornal uma notícia de pé da primeira página:

Grupo Hyundai fabricará elevadores no RS. Investimento foi anunciado a Tarsa no Coréia do Sul, relata o Enviado Especial a Seul. Página 6". fui direto à página 6, né? Lá diz: "Política. Governo no Oriente. Coreanos anunciam fábrica no RS. Voltada à produção de elevadores, unidade do Grupo Hyundai pode criar até 15 mil empregos e deve ficar pronta em seis meses."

o espanto, que já tomara conta de mim, dobrou dea conta, pois passei a indagar-me quem paga a conta. aparentemente o Governador do Estado (capitals) está na Coréia do Sul. aparentemente o enviado especial, jorn. André Machado, o acompanha, sendo pago por sua empresa. sua matéria diz que a Hyundai "[...] é uma empresa familiar que não depende da decisão de acionistas. Quando decidem fazer, fazem - afirmou o governador [...]". pensei na Petrobrás, o antípoda do modelo familiar adotado no Brasil e louvado por muitos como sendo realmente a salvação da pátria. eu mesmo, em tempos pueris, pensava isto, tanto é que cheguei a cogitar de ser geólogo, como tantos jovens de minha geração, que confundiam "capital nacional" e "capital estatal" com democracia.

eu fico pensando neste discurso chancelado por milhares de economistas: precisamos gerar empregos, o que permite os maiores atropelos aos interesses nacionais, pois prega-se a desnacionalização da indústria, desde que crie empregos. eu devo insistir que não sou nacionalista, e não posso ver com ironia este tipo de argumentação. incoerente do jeito que é, deixa-me a pensar naquelas coisas de ideologia como anteparo à compreensão adequada da realidade. é claro que os 15 mil empregos que estão prometidos, se realmente chegarem a este número, são algo importante. mas acho que a equação fundamental é que deve ser mudada.

por que mesmo é que Petrobrás tem que investir em milhares de países? por que ela tem que ter lucros extraordinários do porte que tem? por que ela paga tão bem a seus trabalhadores e diretores? ela não é tão familiar como a Hyundai (que não é a mesma dos automóveis, mas volta-se a elevadores, marinha mercante e logística, como diz o repórter). que família controla a Petrobrás? acho que é a mesma coisa, lá presentes estastais. aqui também. lá a família deve estar no poder da empresa desde os tempos da ditadura. aqui também. aqui podemos chamar de oligarquia e plutocracia. lá comem cachorro morto, aqui não temos educação.

costumo dizer que mais vale um supermercado do que uma fábrica, que mais vale uma escola do que um banco. ninguém come elevadores, mas come produtos da seção de alimentos. o problema não é um problema: os problemas são dois problemas. o primeiro é o que-quanto produzir, ao passo que o segundo é para quem produzir, duas das três questões fundamentais da economia. a resposta à primeira nada tem a ver com a resposta à segunda, tanto é que -sempre lembro- criancinhas e velhinhos não trabalham e comem, desde que "bem nascidos". ao mesmo tempo, tá na cara que um conceito decente de sociedade justa, como é o caso do conceito elaborado por David Harvey, ascensoristas e açougueiros devem receber menos do que estivadores e veterinários, não é mesmo?
DdAB
o alien da imagem veio de: aqui.

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