Querido Blog:
Esta postagem, devo esclarecer, é sobre Economia Política, ainda que muitos pensem que ela é sobre psicologia social. A diferença é sutil, como ilustra a figura do ponto em comum dos dois lápis da ilustração de hoje. Clique na janela e vanela, ou melhor, clique sobre a figura e vá na origem da figura...
A sigla CT II acabo de inventá-la e quer dizer "Civilizações Tipo II".
Já postei algo nesta linha tempos atrás, recuperando o conceito de Douglas Hofsteider, se não lhe transcrevo erroneamente o sobrenome. Para ele, o universo é povoado por dois tipos de civilização: I e II. As de tipo I não conhecem o dilema dos prisioneiros, ao passo que as de tipo II, como a terráquea, atormenta-se com ele, dilema.
Estamos discutindo, neste contexto, qual a possibilidade de montarmos uma teoria da ação humana. A psicologia clássica diz que a ação é movida pela necessidade, o que me auxiliou a entender a frase que Jorge Amado (lá num dos romances de seu "Ciclo do Cacau" atribuiu a Friedrich Engels: "liberdade é o conhecimento da necessidade". Conhecer as necessidades (que são ilimitadas) e lutar por sua satisfação é o estandarte do indivíduo livre. Claro que estamos falando em teoria da ação humana, logo também falamos de indivíduos humanos. Ainda assim, não precisamos constranger-nos para buscar explicações para o comportamento dos outros animais e dos demais seres vivos.
[Como lembramos, Robert Axelrod falava em colônias de bactérias que jogavam tit-for-tat em suas interações: trata-me bem que te trato bem, trata-me mal, vais ser maltratado também]
No outro dia, falei na "Teoria do Estado de Alfa Microeconômico", não foi? Lembra como é? Digo que qualquer ação A é formada pela combinação linear entre a componente egoísta (E) e a altruísta (T):
A = aE + (1-a)T.
Isto é uma teoria? Claro que é, no sentido de que não sabemos se isto é verdade (empírica, não a verdade dos triângulos ou a dos silogismos), mas que pode servir para iluminar nossa compreensão sobre a realidade. No caso, o valor de "a" é que é o big deal. Ou seja, quando a = 0, temos a ação puramente altruísta, talvez um caso não passível de observação nas civilizações do tipo II, nem a mãe que ama seu rebento, nem o orangotango 100% monogâmico. Com a = 1, temos o egoísmo puro, o que talvez não seja observado nem no mais auto-centrado psicopata.
Nâo precisamos ser muito sabidos para entender que, num aviário de 12.000 aves, o dono as retém e alimenta em benefício próprio, por interesse de médio prazo bastante diverso do que os bichinhos declarariam, caso pudessem escrever. In due time, eles vão para a faca, o dono vai repor seus estoques, cuidar de mais ovos, transformando-os novamente em matéria-prima para a alimentação de humanos e correlatos (por exemplo, o cão doméstico que gosta de filezinho de frango).
Talvez também possamos pensar que o gato que tem a oportunidade de caçar um passarinho apenas irá abocanhá-lo quando seu "a" for unitário. Mas, para esta frase fazer sentido, precisamos reescrever toda a equação, o que não nos afasta excessivamente da Teoria do Estado de Alfa Microeconômico. No caso, poderíamos pensar que a ação felina é uma combinação linear entre os estados de fome e saciedade. Claro que gato de barriga cheia rejeita filezinhos, ao passo que o gato escaldado encara até pé-de-pato. Não poderemos, assim, afirmar que o gato é um predador o tempo inteiro. Nem o gavião, nem o leão, nem a erva daninha, nem mesmo o streptococcus mutans. Há leis interessantes apreendidas pelos etologistas que descrevem a ocupação de um território por passarinhos, sendo legítimo pensarmos que determinadas densidades demográficas (ou extensões do território) deixarão o ambiente mais belicoso do que outras. Ou seja, o predador indiscriminado morre (como também demonstrou Robert Axelrod no famoso livro "A evolução da cooperação") quando não mais tem o que predar. Daí a proposição central do livro, nomeadamente, que a cooperação pode surgir mesmo entre indivíduos egoístas.
Em outras palavras, torna-se claro que -ao pensarmos na divisão do território, da riqueza, da carne da finada gazela- estamos falando em determinada situação de equilíbrio na distribuição dos recursos escassos. Também estamos falando em concorrência entre indivíduos ou espécies inteiras. A concorrência é uma das leis fundamentais da vida, como vim a entender depois de muito meditar sobre a frase de Bertrand Russell que Stephen Hymer usou como epígrafe de seu artigo sobre Robinson Crusoé: "todo ser vivo é uma espécie de imperialista, procurando transformar a maior parte possível do meio-ambiente para seu benefício." Claro que meu benefício pode requerer que eu trate bem a vaquinha (em dezembro, as de presépio...), a fim de -in due time- passá-la na faca. E claro que meu benefício pode requerer que eu dê um pedaço de vaquinha mortinha para, digamos, a macaca amada.
Neste ambiente, cai-nos como um tijolaço nas têmporas a razão do enquadramento desta postagem no marcador "Economia Política". Se a barreira das necessidades for vencida (como pensam alguns economistas sérios), não haverá mais luta pela distribuição do excedente, acabará a própria economia política. Mas também por aqui vale a Teoria do Estado de Alfa Microeconômico: desta vez precisamos pensar em estabelecer limites para o arrojo com que poderíamos pensar que necessidades (ilimitadas) podem ser debeladas. Acho que o conceito de hierarquia de necessidades de Abraham Maslow pode ajudar-nos a entender este ponto. Talvez possamos falar que -inventando conceitos derivados dos dele- sempre haverá novas maneiras de ingesta de calorias pelos humanos, mas não é difícil admitirmos que uma sociedade interessada poderá ter programas de atender a todos, em horizontes de tempo ultra-curtos, desde que o regente de sua produção de objetos materiais não seja o capitalismo.
Mas, mesmo com esta proposição, há possibilidade de melhorá-la ao lançarmos mão da Teoria do Estado de Alfa Microeconômico: haverá uma certa componente de capitalismo que permitirá que mesmo as necessidades básicas sejam atendidas para todos. Ainda que nem todos tenham a mesma felicidade de alcançar a realização plena, por exemplo, ao contemplar meus MicroPosters. Escassez e bonança também são historicamente datados.
DdAB
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