31 agosto, 2014
A Filosofia e a Jornada de Trabalho
Querido diário:
Pelo que entendi da entrevista que deu ao caderno principal de ZH de hoje (pp.8 a 10), Renato Janine Ribeiro é um intelectual-professor aplicado. Talvez desde sempre, desde a infância, desde a alfabetização ou antes dela, talvez filho dileto de uma classe alta ou média paulista. Doutor pela USP, distingue-se pela filosofia política, pelo que entendi.
Na condição de filósofo-político, na condição de professor aplicado, intelectual competente, juro que ele terá lido "O Capital", e quem sabe os economistas clássicos? Juro? Claro que juro. Por que o faço? Faço-o pois há dois trechos na entrevista que transcreverei.
Interregno: sempre que ouço falar em investimentos para criar "emprego e renda", ferve-me o sangue. Ou quer-se dizer que cria-se renda mais que proporcionalmente à criação do emprego, ou se pensa que o negócio mesmo é a promoção de setores de baixa produtividade na economia. Apenas uma imaginação diabólica ou mesmo ignorante é que desejará pautar a rota de crescimento de uma economia pela involução tecnológica que levaria à expansão do emprego a uma taxa inferior à da expansão da renda. Produtividade alta significa preço baixo, ergo, competitividade alta. O que fez o verdadeiro milagre agroindustrial brasileiro contemporâneo foi precisamente o estonteante aumento da produtividade do trabalho, com a qual o setor compensa mesmo a criminosa taxa de câmbio que os governantes insistem em manter como elemento do chamado tripé macroeconômico (cambial chamado de variável, o equilíbrio fiscal/monetário e as metas de inflação).
Diz o prof. Ribeiro, que o entrevistador chama de Janine:
Hoje existem, por exemplo, condições técnicas para reduzir consideravelmente o tempo de trabalho das pessoas. E os governos poderiam estimular esse avanço, que, além de combater o desemprego, impulsionaria um mercado gigantesco voltado ao lazer. As empresas obtiveram um ganho de produtividade enorme com as máquinas e com a informática. Nas últimas décadas, em praticamente todos os setores, a produção cresceu de duas a três vezes, mas a carga horária permaneceu igual - e o reflexo sobre os salários não foi tão grande. Se, em vez de cinco dias por semana, as pessoas trabalhassem quatro, o que é perfeitamente viável na maioria dos setores, haveria um aumento de 50% no tempo de lazer semanal. Afinal, seriam três dias de folga e não dois, como hoje.
[...]
Os funcionários iriam precisar de teatro, de cinema, de música, de opções de lazer criativo. Não pense que o Faustão daria conta. Teríamos uma sociedade na qual a cultura, o lazer e a atividade física representariam um mercado muito robusto, o que seria bom tanto para os trabalhadores quanto para os investidores. Ricardo Semler (sócio-majoritário do Grupo Semco, reconhecido mundialmente pela moderna gestão empresarial) me disse que, dentro da carga horária atual, a produtividade dos funcionários cai pela metade nos últimos 20% do horário de trabalho. Quer dizer, se as pessoas trabalhassem quatro dias na semana, e não cinco, não haveria perda de produtividade de um dia inteiro e sim de apenas meio dia. Some-se isso ao ganho inestimável na qualidade de vida dos funcionários e a queda na produção seria bem pequena.
Ligue-se isto com o explosivo argumento de Thomas Piketty (aqui) e se terá a base para a luta pela conscientização não apenas "dos eleitores" mas principalmente dos economistas despidos de formação adequada, inclusive a primeira aula da faculdade em que se estabelece a diferença entre o custo privado e o custo social. Ele, Janine, fala em cinco dias de trabalho, não fala em horas de trabalho. Podemos pensar que ele renega totalmente a vergonha da "constituição cidadã" que fixou em 44 horas semanais a jornada de trabalho do sofrido país. Cidadã assim só mesmo no mundo oníricos dos irresponsáveis!
DdAB
P.S.: reduzir a jornada de trabalho significa o que Karl Marx chamava de reduzir a mais-valia absoluta. E David Harvey, no guia para a leitura do primeiro volume d'O Capital, deixa muito claro que, no mundo atual -pace Piketty-, até a mais-valia absoluta tem aumentado. Não é difícil imaginarmos pessoas semelhantes a nós que -como nós- trabalham mais hoje do que há 20 anos.
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