21 janeiro, 2014

Ciência Triste ou Arautos Moribundos? Belluzzo e o senso comum

Querido diário:

Anteontem recebi a Carta Capital de depois de amanhã, como de hábito. Na p. 35, estampa-se o artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo. Intitulando-se "Os tropeços da ciência triste", nele o autor aponta uma série de inconveniências da ciência econômica, que ele reluta bastante em assim chamar. Começa falando em "uma (vá lá) ciência difícil.", sendo dele os parênteses daquele "vá lá". Depois fala "[...] na 'evolução' da dita ciência econômica: a longa e controvertida caminhada da Economia Política para a 'economia científica' concentrada na construção de modelos formais [...]". Agora eu é que coloquei itálico naquele "dita" e trunquei a frase do jeito que a vemos, e ela é uma mistura do próprio Belluzzo e do que ele cita de Mary S. Morgan (who?).

Eu sempre torço a cabeça, torço o bigode, torço o nariz para este tipo de abordagem. Não que me desagrade a crítica ao mundo mundano, tanto é que tenho uma campanha sistemática contra os políticos (hehehe). Mas, quando passamos a falar no mundo das ideias, acho que a solução solucionativa é mesmo a tolerância. Vá lá? Dita ciência? Pera aí, meu. Se a ciência econômica não é ciência, estamos encrencados com uma definição (belluzziana) talvez muito limitadora dos contornos do saber científico. Depois falou em Alexander Rosenberg (aqui), who?, que não me parece especialmente devotado ao estudo da belluzziana ciência triste (aqui). Diz Belluzzo:

Alexander Rosenberg, conhecido filósofo da ciência, interpelou as pretensões científicas da economia no livro [... de 1992...]. Rosenberg conclui que, na contramão da trajetória de outros saberes, a economia é insensível às mudanças de paradigma que afetam as demais ciências e tornam obsoletas ou imprestáveis certas categorias do entendimento.

Para ele, há dois tipos de economistas:
.a. "Os economistas parecem dar de ombros às mágoas da gente leiga, ainda que instruída e letrada nas coisas da ciência. Prosseguem impávidos, construindo os seus 'modelos', errando mais do que acertando as suas preivsões, lançando recomendações e julgamentos peremptórios sobre as políticas econômicas [...]"
e agora vem:
.b. "[...] em geral, sugeridas, ou até mesmo conduzidas por outros economistas."

E isto de "errando mais que acertando nas previsões"? Eu até diria o contrário: acerta-se muito mais do que se erra. O caso padrão é mesmo o da aceitação do postulado da transitividade das preferências, o caso padrão é mesmo o da concorrência levar o preço a colar no custo, aquelas coisas. Então, como é que podemos separar os economistas .a. dos economistas .b.? Um critério é estabelecer quem é "melhor", .a. ou .b.? E nos associarmos a estes (os melhores). Quando digo que os economistas acertam mais do que erram tenho em mente, por exemplo, as previsões que fazemos não apenas sobre o funcionamento do mundo de maneira ordenada amanhã, mas também outras coisas, como sabemos que a concentração está aumentando no mundo (Marx, milhares de outros), sabemos que as empresas industriais tornaram-se crescentemente bancos (à la James Clifton), sabemos que os consumidores preferem (quando os preços variam) os produtos relativamente mais baratos, sabemos e prevemos tanta coisa com sucesso que é mesmo irascibilidade falar que há mais erro do que acerto!

Além disto, será que quem está errando é o economista .a. ou é o economista .b.? Vou terminar com esta citação e fazer comentários:

[...] mais eminentes economistas modernos nos esmeros em demonstrar a harmonia do capitalismo, ou seja, a equivalência de poder entre os protagonistas das relações de mercado e a existência de forças compensatórias 'automáticas' que não só impediriam a ocorrência das crises como também colocariam todos diante de oportunidades iguais mediante a livre concorrência. Trataram de demonstrar o caráter harmônico do capitalismo e a justiça natural da concorrência em todas as esferas da vida e, portanto, postularam a impossibilidade das crises.

Harmonia do capitalismo não significa equivalência de poder entre ninguém, talvez apenas entre ofertantes e demandantes (já que, ontem, as vendas igualaram as compras...). Creio que este negócio das forças automáticas é algo que ninguém mais pensa há 50 ou 100 anos, mas Belluzzo pensa que alguém pensa. E talvez até algum destrambelhado pense mesmo nesta linha, pois tem gente para tudo, inclusive, terei ouvido dizer, há gente que adora ir à falência, outros vão ao suicídio e outros dedicam-se ao consumo desenfreado de cachaça (o que condeno...). Ademais, quem mesmo é que diz que todos têm iguais oportunidades diante da concorrência? Não se vão 100 anos desde que se fala na "concorrência entre poucos"? Ou seja, não se sabe há 100 anos que a forma dominante de mercado (não em número de empresas, mas em faturamento) é o oligopólio? Esta de justiça natural da concorrência, nesta nunca ouvira falar. Será que ele fala que, no modelo de concorrência pura, há eficiência produtiva, alocativa e distributiva? Ou será que ele se insurge contra fórmulas como y = 2x + 1, destinada a dar um número ímpar inequivocamente? Fórmulas, tá na cara, a compressibilidade algorítmica, devem ser saudadas com otimismo. E as que não são boas devem ser substituídas. Finalmente, também acho que os últimos que postularam a impossibilidade de crises morreram há 150 anos, ou um pouco menos. E Belluzzo, será que já morreu?

DdAB
P.S. Além disto, quando ele diz que "[Robert] Lucas é o pai dos Modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral", penso que tem algum erro de revisão de texto na passagem!

P.S.S. A imagem veio daqui. E tem tudo a ver com a discussão daqui.

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