30 novembro, 2020

Manuela 1 x 0 Cidade

 

Estou certo que a cidade perdeu a eleição para Sebastião Melo. A cidade, com todas as intermediações colocadas pelas circunstâncias aziagas do confinamento da população por causa da pandemia covid-19, não entendeu que precisava ir votar para eleger Manuela d'Ávila. Não elegeu Manuela, dando-lhe apenas 45% dos votos, relegando a Melo os demais 55%. É casca!

O 'pombrema', como ouvi no rádio da boca de Melo, é a falta de educação. Dele, em sua campanha e em sua militância. No dizer de Simon e Garfunkel, "lack of education". E, no dizer de Tony Blair, faltou a pelo menos 6% dos eleitores de Melo mudarem o voto: education, education, education. Não é pouco: três vezes sem educação geraram um povo anão. E o nanismo grassou por todo o território nacional. Eu diria isto se Manuela tivesse ganho? Estaria em outro clima, claro, mas não desprezo a preocupação com a construção "da manhã desejada".

E por quê education, education, education? Já falei inúmeras vezes: mal cheguei em Oxford para fazer meu doutorado, ouvia muito rádio, a fim de melhorar meus ouvidos, e entendi alguém dizendo: "apenas com educação é que vais descobrir teu objetivo na vida e angariar forças para lutar por ele!"

E que mais? Mergulhado na tristeza que me infligiu a derrota, fui procurar alento nos livros, sempre os livros, livros, livros. Ainda no trancão da pandemia, achei entre meus guardados o seguinte: 

LESSING, Doris (c. 1980) O carnê dourado. São Paulo: Círculo do Livro. 626p. Tradução de Sônia Coutinho e Ebréia de Castro Alves.

E, na introdução do romance cuja leitura estava iniciando após a derrocada de mais um sonho de mudança, defrontei-me com a rima a este mote da education, education, education. Nossa amiga Doris falava, na página 15 infra, limitação que a educação provoca num expressivo grupo de críticos literários:

   Como na esfera política, ensina-se à criança que ela é livre, é democrata, dispõe de vontade própria e mente livre, mora num país livre e pode tomar suas próprias decisões. Ao mesmo tempo, ela é prisioneira das suposiçoes e dos dogmas de sua época, que ela não questiona, porque nunca lhe disseram que eles existiam. Quando um jovem chega à idade em que precisa escolher (continuamos a aceitar, sem discutir, que a escolha é inevitável) entre as artes e as ciências, costuma escolher as artes porque julga que nesse campo há humanidade, liberdade e opção. Ele não sabe que já se amoldou a um sistema, não sabe que a própria escolha é resultado de uma falsa dicotomia enraizada no coração de nossa cultura. Os que o percebem e que não querem submeter-se a mais padrões temdem a ir embora, num esforo meio inconsciente e institintivo de encontra tudas as nossas instituçoes, que vao desde a polícia até a academia, desde a medicina até a política, prestamos pouca atenção às pessoas que se afastam - um processo de eliminação que prossegue sem cessar e que exclui, muito cedo, os que são originais e reformadores, deixando os atraídos para uma coisa porque é isso o que eles já são. Um jovem policial  abandona a polícia porque afirma não gostar do que tem de fazer. Um jovem professor deixa o ensino e abandona o próprio idealismo. Esse mecanismo social ocorre quase sem ser percebido, mas é uma força poderosa na manutenção rígida e opressiva de nossas instituições.

Bonito, né? Terrível, né? Ainda assim, um tanto alheio à realidade brasileira tão avara em prover à população bens públicos (segurança, saneamento, etc.) ou bens meritórios (educação, saúde, etc.). Ou melhor, a realidade é que é avara em deixar de prover coletivamente essas amenidades.

E, claro, não estamos falando do eleitorado porto-alegrense, pois aqui a "plebe rude" não é ensinada at all. Temos uma plêiade de analfabetos funcionais que nunca leram este blog nem qualquer outro ou qualquer outro livro e menos ainda estudaram introdução à filosofia naqueles belos livros de que tenho falado e que fazem parte -exatamente- do ensino médio. Ou seja, há ensino raso, se é que há. E, para não fazermos feio na eleição que -tomara- se avizinha para 2020, precisamos de

education, education, education.

DdAB

P.S. das 18h18min de hoje mesmo... Não sei se deixo claro que, para entender os confrontos que alguns podem chamar da polaridade esquerda-direita, falo em social-democracia (e a promoção da sociedade igualitária) e neo-liberalismo (que quer estado mínimo, venda do patrimônio estatal, essas coisas). E por isso mesmo é que não posso conceber que a -então assim chamada- social-democracia é incapaz de convencer os 90% mais pobres que eles, ao romper suas cadeias ideológicas, "não têm nada a perder, mas um mundo inteiro a ganhar"...

2 comentários:

rosana monteiro disse...

Parabéns pelas verdadeiras palavras no post! Sou professora e me sinto um pouco confortada, embora triste com atual realidade da educação no Brasil. Confortada por saber que existem pessoas como tu que percebem o papel social e político da educação, triste por não vislumbrar uma mudança nesse cenário tão caótico que nos encontramos. Para esse atual "desgoverno" somos apenas aqueles "comunistas" que querem manipular os alunos em sala de aula. E o que esperar de governantes que governam (desculpe a redundância) para manter sua hegemonia nos cargos político? Educação para que, para quem? Triste, muito triste!! A luta continua e jamais vou abandoná-la!!

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Muito obrigado, Rosana! Tem tanto raciocínio de diferentes pessoas de diferentes formações fazendo o elogio da educação que nem sei qual o mais brilhante. Eu citei aquele "descobrir o objetivo na vida e ter energia lutar por ele". Nem falei nas "externalidades" que se originam da educação. Externalidade é o efeito de alguma ação da parte de algum agente econômico sobre a produção ou a demanda de uma economia. No caso da educação, uma sociedade educada oferece este tipo de fenômeno a seu coletivo: todo mundo é mais produtivo e, deste modo, tem mais progresso econômico que pode ser distribuído a todos.
Abraço
DdAB