04 novembro, 2020

Zero Hora, 17 de junho de 1983

 


A pandemia, ah, pandemia, o covid-19, os guardados remexidos. Eu sou leitor do nanico Zero Hora há muitos anos. Já nem lembro se a troquei pelo Correio do Povo (que, àquelas épocas, tinha tamanho então convencional, um jornalão) por considerar o segundo muito conservador. Zero Hora passou a chamar-se em alguns momentos de Zerro Herra precisamente por seus desacertos editoriais, sem falar no caráter profundamente reacionário de sua linha dominante (com, claro, gente crítica em muitos setores). Então, foram-se mais de 37 anos que guardei um retangulozinho e que, agora, em plena pandemia, salta-me da gaveta aos olhos:

À francesa

   Evelyne Muxart, uma francesa de 20 anos, após sofrer de incessantes dores de cabeça durante 10 dias, descobriu após uma cirurgia que seu marido havia disparado uma bala de revolver contra ela enquanto dormia, que se alojou em seu crânio. Segundo a agência France Press na noite de cinco a seis de abril passado Bernard Muxart, um desempregado desesperado de Saint Étienne, decidiu suicidar-se depois de matar sua esposa para 'evitar que sofresse mais'. Esperou que ela dormisse e disparou a 30 centímetros da cabeça de Evelyne. O ruído a despertou e ao perceber um pouco de sangue nos cabelos foi lavar-se, voltando a dormir. Bernard desistiu do suicídio.

   No dia seguinte ela levantou-se normalmente e só sentiu forte dor de cabeça, porque a bala não afetou o cérebro. Após 10 dias a mulher consultou um médico e a radiografia posteriormente feita mostrou um objeto alojado no osso do crânio. Evelyne entendeu o que acontecera na noite e foi à Polícia. Chamado, Bernard confirmou a surpreendente história. Foi julgado e condenado.

Já falei que foi apenas depois de lecionar macroeconomia no curso de graduação da UFRGS, mas provavelmente a partir de 1984, que passei a conhecer um tanto mais sobre o funcionamento do mercado de trabalho, Conseguindo conciliar alguma leitura de economia marxista com -se bem lembro- o livro de Rudiger Dornbush e Stanley Fischer- passei a ver o mercado de trabalho como o verdadeiro centro do capitalismo. Nesta linha, não posso garantir se tirei lições desta notícia para recriminar o capitalismo francês, que deixou o monsieur Muxart desesperado. Mas, detentor de elevada auto-estima, ele achou que seu desaparecimento levaria dores terríveis a sua esposa, la jeunne Evelyne.

Tragédias terríveis, no capitalismo, também parecem comédias quando vividas por outros...

DdAB

P.S. A Wikipedia francesa não consigna o nome de Evelyne Muxart. Nem vou procurar o nome do criminoso, pois só falta terem-no enciclopediado.

P.S.S. A imagem, embora, no contexto, pareça um tanto mórbida, não tem nada a ver com os cabelos ensanguentados pela tentativa de feminicídio do passado não tão remoto.

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