09 novembro, 2020

Por Que, Por Quê, Porque, Porquê

 


Um dos marcadores que mais gosto é o "conradianas", que reproduzem conversas que mantenho com o prof. Conrado de Abreu Chagas sobre a filosofia da vida. Em particular, considero de interesse mais amplo as respostas a perguntas que lhe faço volta e meia. Perguntas, talvez, medíocres e respostas, invariavelmente, brilhantes. Pois dias atrás, vim a ler uma postagem longa que o professor fez no Facebook. ele falava das seis palavras que compõem o título desta minha própria postagem: quando usar os dois pares iniciais e as duas formas finais.

O endereço da página do Facebook é, naturalmente, Prof. Conrado. Seus Textos Didáticos também informam que "A página trata de língua e literatura". O endereço é:  https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=164694301998957&id=100905118377876 e foi publicado ante-ontem às 14h42min.


POR QUE DOS PORQUÊS?
Em português, “porquê” se escrevia sempre numa palavra só e sem acento, a não ser quando era substantivo:
(1) Não entendi o porquê de Joana ter se demitido.
Ou então quando fosse a última palavra de uma pergunta, com o sentido de “por qual razão?”
(2) Joana, você se demitiu porquê?
No primeiro caso, que é uso correto ainda hoje, devemos acentuar o “porquê”, pois é oxítona terminada em “e”. No segundo caso, desusado hoje, o acento se justifica pela tonicidade, pela prosódia da frase. Esse acento, como já veremos, se mantém ainda hoje com a palavra “quê” em posição final.
Assim, a não ser nesses dois casos, quando “porquê” vinha acentuado, nos demais casos de uso dessa palavra ela se escrevia sempre “porque”, sem acento e, observem, sempre numa palavra só.
Fazíamos como os italianos, com seu “perché”. Com a diferença de que, em italiano, a coisa é ainda mais simples, pois a palavra, além de não se separar em duas, é sempre acentuada, independente de sua posição na frase ou categoria gramatical.
Atualmente o uso do “porquê” é um pouco mais complicado. Tendo em vista os frequentes equívocos que vejo, é minha intenção neste texto explicar esse uso. Vamos lá.
REGRA 1
Se o “porquê” faz uma pergunta direta (e não é a última palavra da frase), escrevemos “por que”:
(3) Por que você se demitiu, Joana?
Caso, venha no final da frase, se escreve “por quê”, com acento, como mencionado acima:
(4) Joana, você se demitiu por quê?
Também se escreve separado o “porquê” quando a pergunta for indireta:
(5) Ninguém soube dizer por que Joana se demitiu.
Observem que, sendo interrogativa indireta, a frase não se termina por ponto de interrogação.
REGRA 2
Se o “porquê” responde a uma pergunta, é escrito numa só palavra. Imaginemos que Joana respondesse à pergunta em (3) e (4) acima:
(6) Me demiti porque passei num concurso.
Em (6) temos uma frase (um período, como se diz) com duas orações:
(6.a) Me demiti.
(6.b) porque passei num concurso.
Poderíamos iniciar a frase com (6.b), em vez de (6.a):
(7) Porque passei num concurso, eu me demiti.
Observem a pontuação. A oração iniciada por “porquê” vem, normalmente, depois da outra; porém, se ela inicia a frase, como em (7), então é costume colocar uma vírgula depois dela.
Contudo, a vírgula pode também preceder a oração iniciada por “porquê”. Isso ocorre quando essa oração explica a anterior, e não, como é o caso em (6), introduz uma causa ou razão para a primeira oração. Esse “porquê” que explica equivale a “pois” ou “porquanto”:
(8) Joana tem razão, porque o serviço público é estável.
REGRA 3
Se o “porquê” for um substantivo, ele se escreve junto e com acento, como já vimos em (1) acima.
(9) Não entendemos o porquê de Joana se demitir.
Esse “porquê” equivale a “motivo”, “razão”:
(10) Não entendemos o MOTIVO de Joana se demitir.
Com essas três regras básicas e levando-se em conta as observações que as acompanham, já muitos dos problemas que porventura se tenha quanto aos usos dos “porquês” se verão prontamente eliminados.
Há, ainda, alguns usos especiais. Vejamos.
REGRA 4
Consideremos a frase abaixo:
(11) Rezo muito porque Joana passe no concurso!
Esse “porquê” não explica nem apresenta causa ou razão. Indica, antes, a finalidade, equivalendo a “para que”. A ordem das orações pode também ser invertida:
(12) Porque Joana passe no concurso, rezo muito!
Observem, de novo, o uso da vírgula, que é costumeira no segundo caso, não no primeiro, e pelas mesmas razões comentadas acima acerca de (7).
Atualmente, o caso em (11) e (12) é um uso bastante raro do “porquê” em português. Mas existe e é necessário que o conheçamos.
REGRA 5
O “porquê” pode equivaler a “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais” e “pelas quais”. Nesse caso, escreve-se separado:
(13) Essa foi a oportunidade por que Joana esperou anos. [= PELA QUAL]
Esse “porquê” separado se usa também depois do advérbio “eis”:
(14) Ter se concentrado nos estudos, eis por que Joana passou naquele concurso.
Em (14) está subentendida a palavra “razão” (também “motivo”, “causa”):
(15) Eis A RAZÃO por que Joana passou naquele concurso. [= Eis a razão pela qual…]
REGRA 6
Considerem-se as frases abaixo:
(16) Paulo não sabe por que Joana passou no concurso.
(17) Paulo não sabe porque Joana passou no concurso.
A interpretação de (16) é:
(18) Paulo não sabe a razão por que [= pela qual] Joana passou no concurso.
Alguém poderia esclarecer Paulo, informando-lhe que Joana passou porque estudou muito.
A interpretação de (17) é:
(19) Paulo não sabe X, e a razão de ele não saber X é o fato de Joana ter passado no concurso.
Não temos o objeto de “saber”, acima representado por X: Paulo não sabe X. Em casos assim, tal objeto, que não está na frase, se depreende do contexto. Digamos que Paulo, filho de Joana, não saiba ainda se deverá mudar de endereço.
(20) Paulo não sabe [onde vai morar agora] porque Joana passou no concurso. Ela talvez tenha que assumir o cargo noutra cidade, etc.
No início deste texto, observei que em italiano há somente o “perché”.
Em latim há “cur” ou “quare” para a pergunta e “quia”, “quoniam” e “quod” para a resposta.
Em inglês temos “why” para a pergunta e “because” para a resposta.
O francês, igualmente, tem “pourquoi” para a pergunta e “parce que” para a resposta.
O espanhol, por fim, se comporta basicamente como o português, sendo necessário observarmos, no entanto, que o acento já aparece no “porqué” ainda quando este não esteja no final da pergunta:
(21) Por qué me miras si no me sacas para bailar?
Era isso por hoje.
Um abraço do
Prof. Conrado
Charqueadas, 07-11-2020


Era só por hoje...
DdAB

P.S. Nesta postagem daqui (https://19duilio47.blogspot.com/2018/03/um-dicionario-mnemonico-e.html), copiei da internet duas exposições sobre o tema.

P.S.S. E minha imagem não poderia ser mais linda e delicada. Trata-se da tira "Armandinho", de Alexandre Beck. Não é à toa que digo que sempre leio Zero Hora. Nela aprendo a não ser reacionário e ao mesmo tempo aprendo tanta outra coisa que fico apesar do desespero de muit@s amig@s.

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