23 novembro, 2020

Lugares Trocados: negros e pretos

 


Vou falar sobre o assassinato do negro João Alberto Silveira Freitas pela dupla de brancos covardes Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, funcionários do e no Supermercado Carrefour do bairro Passo d'Areia em Porto Alegre no dia 19 de novembro deste 2020 que corre sinuoso, ocorreu em plena véspera do Dia da Consciência Negra e do simbolismo a seu entorno atroz e pungente.

Esta postagem nem começou com o professor Sílvio Luiz de Almeida, brilhante intelectual que vim a conhecer na entrevista dada à TV CNN na sexta-feira (dia 20 de novembro de 2020) acessível ao clicar aqui. Mas começo falando nele. Depois de ver aquela deslumbrante entrevista, achei que deveria fazer algo. E escrevi à OAB-SP a seguinte mensagem cuja resposta vemos lá no início como imagem que escolhi para iluminar a postagem de hoje:

Em dom., 22 de nov. de 2020 às 07:59, Duilio de Avila Bêrni [,,,] escreveu:

Caros senhores:

Triste morador da cidade em que vimos o triste assassinato de João Alberto Silveira Freitas, assisti a uma entrevista do dr. Silvio Luiz de Almeida no canal de TV CNN na noite de sexta-feira. E tomo a liberdade de sugerir-lhes que, na primeira vaga de indicação da OAB para o cargo de desembargador, vs. indiquem esse nome que só poderá enobrecer a saber jurídico da corte e remediar um tanto as injustiças sofridas pelos negros do Brasil
Att, 
DdAB

Então já tenho outro candidato desembargador em São Paulo e a presidente da república. O primeiro candidato a presidente -pela ordem de entrada em meus manuscritos- é, segue sendo, o prof. Renato Janine Ribeiro. Estou certo de que ambos podem ajudar o Brasil a reaproximar-se (agora com mais qualidade) aos ditames da sociedade igualitária, com o governo sendo o empregador de última instância e gastando em bens de mérito (e.g., educação e saúde) e bens públicos (e.g., saneamento e segurança).

A minoria branca, contada pelo IBGE, que classifica a população em brancos, pretos, pardos e cablocos (depois substituídos por "Outros") (ver aqui) não entende que, sob o ponto de vista de um jogo, pode favorecer mecanismos que transformem o tradicional dilema de prisioneiro em um jogo cooperativo. Ao mesmo tempo, sempre tive dificuldade em saber se "negro" é politicamente correto ou errado. Até que, agora, entendi que ser negro é fazer parte de um conjunto que contem dois subconjuntos. Usando o sinal + como representando a operação união de conjuntos, temos

Negro = Preto + Pardo.

Agora, se bem entendi, nem todo pardo se reconhece como negro. Neymar, o eterno enfant terrible do futebol e da vida comunitária, ao chegar à Europa foi indagado sobre sua negritude. Na verdade teriam indagado a ele se sofreu discriminação racial no Brasil. Ele teria dito apenas que nada sentira precisamente por não ser negro. Como ele deve desconhecer a teoria dos conjuntos, nem recomendo que leia esta postagem... Mas, na verdade verídica, ele não está sozinho, pois pode ter entendido que segue aquele "ideal de branqueamento" de que falou Gilberto Freyre.

Mas tem até mais que ideal de branqueamento, uma argumentação que talvez à época até fosse verdadeira, mas hoje -pace o General Mourão- tá na cara que o Brasil é um país envenenado pelo que Sílvio Almeida chama de racismo estrutural. Conta-nos Sérgio Buarque de Hollanda que, lá naqueles tempos coloniais, um visitante alemão subia -não lembro se do Rio de Janeiro a Minas Gerais- e viram de longe um grupo se aproximando. Constataram ser uma guarnição do exército imperial e perceberam haver um militar (oslt) a cavalo e os demais na infantaria. O alemão indagou a seus guias "quem é aquele negro?", ao que estes responderam: "não é negro, é um capitão". Neste caso, vemos o branqueamento pelo cargo elevado que o personagem detinha.

Mas, talvez desde sempre, a literatura percebeu na normas sociais os chamados casamentos mistos. Inicio citando o casal Otelo e Desdêmona e vejo como inesquecível a patética personagem criada por Érico Veríssimo em "O Senhor Embaixador", srta. Glenda Doremus, americana branca de classe média mais racista que podemos imaginar, ainda que envolvida com o pardo Pablo Ortega.

Não foi à toa que a canção de John Lennon usou precisamente a carne negra para descrever a triste posição que a mulher (eu diria a mulher pobre) ocupa no mundo contemporâneo. Diz ele que que a mulher é o negro do mundo e -parece-me que Elsa Soares é que fala que "a carne mais barata do mercado é a negra".

Não vimos tudo do caso americano de George Floyd, mas parece que a tragédia do Carrefour foi protagonizada por indivíduos ainda mais covardes que os policiais que o mataram. Obviamente aquele ataque de ódio dos dois vigilantes não seria menos vil se aplicado contra um branco ou um índio, pois a diferença entre racismo e violência física é que os negros é que são submetidos a ela com mais frequência. Ainda assim, branco pobre não está 100% seguro de voltar vivo para casa, fruto da violência policial ou sua ausência, a violência praticada por criminosos comuns.

Nesta linha é que fiquei pensando que um treinamento decente para vigilantes deve privilegiar o mantra de que estes são proibidos de bater em quem quer que seja, nem mesmo alegando "legítima defesa". Na legítima defesa de um segurança cabe apenas defender-se da agressão e imobilizar o agressor. Um segurança que não consegue desmobilizar o agressor não pode ser chamado de vigilante e, enquanto tal, deve ser demitido. O supermercado Carrrefour é cúmplice da tragédia e, se houvesse justiça no Brasil, seria acusado, pelo menos, de homicídio culposo.

E que o igualitarismo tem a ver com isto? Diriam os truculentos governantes que os brancos também devem credenciar-se ao direito de serem assassinados por ferrabrases de todos os quilates, especialmente, vigilantes mal-preparados, milicianos de todos os jaezes, juízes e tantos outros brasileiros de dignidade conquistada por meios indignos. Menos amargo, entendo que, na sociedade igualitária, como referi há pouco, o governo é o empregador de última instância, o que torna tudo mais fácil para a reeducação da sociedade necessária para combater o racismo,

DdAB

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