02 março, 2020

A Impunidade e Eu


Um passo importante na minha formação como economista político foi dado quando incorporei o conceito de causa da causa. Há muitos anos, portanto, dei-me conta de que o maior problema da vida social brasileira é a impunidade. Id est, se o prêmio pago por quem pratica o crime (oferta) for crescendo à medida que mais crimes vão ocorrendo, tá na cara que haverá mais crimes. Por contraste, a demanda de que falamos não é propriamente por crimes, mas pela possibilidade de evitá-los. Se o preço desta evitação é elevado, haverá pouca gente querendo proteção. E se for baixa muita gente irá insubordinar-se contra o ladrão.

Neste caso, o verdadeiro preço a ser encarado por quem pratica crimes é a impunidade: não paga nada para exercer atividades ilícitas, haverá muitas ilicitudes. Então temos uma lição sobre causa causans, a causa da causa. E quem é, quem incentiva a criminalidade no Brasil? Aqueles que não estabelecem preço alto para a prática da ladroagem: o sistema judiciário (do guarda de rua ao privilegiado ministro do supremo tribunal, passando por ascensoristas, arquivistas, motoristas, enfermeiros, roupeiros de presídios, agentes penitenciários, e por aí vai).

E segue a linha de causalidades: o que causa a ineficiência do sistema judiciário? É o judiciário, o poder judiciário. Este, precisamente, este que me trouxe a estas reflexões. Este que usurpa as funções do executivo e especialmente do legislativo. Com esta usurpação, não lhe sobra tempo para exercer com exação suas funções: julgar com sabedoria e rapidez querelas relevantes e não carnavalescas. Este, precisamente este de que nos fala a contra-capa do jornal Zero Hora da última sexta-feira de fevereiro, o dia 28. Li a matéria indicada para a página 22. Mas basta a chamada da contra-capa:

ORDEM PARA MELHORAS
Uma liminar da justiça determina que a prefeitura de Porto Alegre execute reparos no Complexo Cultural Porto Seco a tempo do início dos desfiles das escolas de samba, no dia 6 de março. O município diz que ainda não foi notificado, mas está trabalhando normalmente no local.

Já nos ensinou Raul Seixas: para o mundo que eu quero descer. Olha só. Para dar a liminar, o juiz achou sensatas as ponderações de alguém que requereu a prioridade. E este cidadão exemplar (estou lendo a página 22 do Nanico dos Pampas) era o vereador João Bosco Vaz (PDT), autor de uma emenda que destinava R$ 80 mil para as obras. Ora o judiciário toma o lugar do legislativo. E o edil João Bosco toma o lugar do executivo.

Ou seja, não sou detetive, não sou jornalista. Mas não me custou achar o que talvez seja a motivação do vereador João Bosco: ele era o secretário da secretaria municipal de esportes na administração José  Fogaça. A causa da causa da causa, etc., da causa nada mais é que o mal-estar do edil por não estar no executivo. Assim não dá! Não é sério.

E tem mais tecnicalidades: quem fez a análise de custo-benefício daqueles R$ 80 milhões? Não seria melhor empregar em reforma dos gabinetes dos ilustres vereadores? Ou em prosaicas melhorias nas escolas municipais?

O juiz, cujo excelso nome não foi divulgado por Zerro Herra, talvez seja Celso, ou teria sido registrado como Celso e os pais perceberam que era para ser Paracelso e sapecaram o ex-Celso. Sei lá. Só bebendo!

DdAB
A imagem lá de cima veio daqui: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/sme/default.php?p_secao=111
P.S. Ani Ew comentou o absurdo de que um montante com o elevado custo de oportunidade que referi seja mesmo desperdiçado. Acho óbvio que tanto ela quanto eu estejamos falando em benefício dos menos-aquinhoados e nada contra o carnaval. Aliás, nossa intuição é que esse monte de dinheiro está indo para o lixo. Olha que mundo pequeno, que acabei de ler em Zero Hora e comentei no comentário de Ani lá no Facebook:
Zerro Herra também tem seus acertos. No exemplar de hoje, 3/mar/2020, o colunista Paulo Germano fala que Porto Alegre odeia carnaval. E por quẽ? Porque deslocou-o dos locais tradicionais e, como tal, mais práticos, para o fim-do-mundo. Exatamente o local em que o santo João Bosco quer enterrar aqueles 80K. Diz Germano que as escolas de samba devem levar geradores de energia, pois a fiação da CEEE foi roubada.

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