06 março, 2020

Guedes e a Retórica da Aritmética

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Parece que já andei falando no tema deste lado do universo. Nem lembro se era o governo Temer ou algum outro governante destrambelhado. Seja como for, hoje nosso indefectível jornal Zero Hora em sua página 8 anuncia que "dólar dispara e vai a R$ 4,65, enquanto bolsa despenca". E eu pensei: claro que a responsabilidade daqueles 57 milhões de votos dados para Jair Bolsonaro tem tudo a ver com o corona-vírus.

Aí o mr. Mansueto Almeida, um prócer - inclusive com blog antigo em que até eu, myself, andei "dialogando", andou falando que um crescimento do PIB de 1,1% em 2019 "é muito baixo, não é normal e causa frustração na sociedade."

Em compensação o PHD Paulo Guedes disse que não esperava nada diferente, pois para ele... diga-o ele mesmo, diga-o este jornal:

   -A grande verdade é que, quando o governo Bolsonaro chegou, o crescimento do PIB, que tinha sido de 1,3% no primeiro trimestre do governo Temer, já tinha caído para 0,7% no primeiro trimestre do governo Bolsonaro - afirmou.
   Segundo o ministro, a tragédia de Brumadinho e o colapso da Argentina, que impactou 60% das exportações de veículos do Brasil foram ois principais fatores para esta desaceleração do ano passado.

Aí eu garrei de matutá que o vivente é outro que passa mal com o uso retórico da aritmética. Primeiro, inalcançável para ele é a conta (1,071)^10 = 2, ou seja, se o PIB (ou o que seja) crescer a 7,1% ao ano durante 10 anos seguidos, seu valor passa de 1 a 2, ou seja, ele experimenta um acréscimo de 100%, id est, dobra. Então, por exemplo, ao invés de possuir um computador (ou telefone) para olhar este blog, o leitor terá dois. Uma mesa na sala de jantar vira duas, um refrigerador vira dois, e assim por diante. Isto é dobrar! Claro que não preciso trocar de computador, ou de mesa, ou de refrigerador. Se minha renda dobra, posso gastar essa diferença em outros bens ou serviços. Mas tá na cara que é bom para mim que a renda dobre.

Há duas razões para pensarmos que o ministro não foi capaz de fazer uma autocrítica sobre os limites de seu liberalismo. Primeiramente, ele sabe que, se a demanda final (no caso, as importações argentinas) cair, um sinônimo desta expressão negritada é o PIB que, enquanto sinônimo, não terá outra alternativa que não seja também cair. Sabe ou sabe-se que ele não sabe? Saberá ele que o valor adicionado tem três óticas de cálculo: produto, renda e despesa/demanda final? E digo mais, se o PIB cai em 60%, a renda também cai em 60%.

Em segundo lugar, agora ele também pode colocar ao lado de sua fé liberal a afirmação que a renda planejada mundial inteirinha está caindo por causa do corona-vírus. Quer dizer, não foi o corona-vírus que roeu as fábricas e lavouras, hotéis e restaurantes. Foi a expectativa de quedas generalizadas que levou os agentes a reduzirem sua produção (alguns até mesmo fechados à força, mas nenhum no Brasil...). O fato é que, ao cair a demanda planejada final, os efeitos multiplicadores de renda perdem força e o PIB cai.

Eram duas razões? Acrescento mais uma, uma imponente. A estrutura tributária do Brasil, repousando fortemente em impostos indiretos, influencia perversamente o sistema de preços. Com impostos assim, sabe-se lá o que o sistema de preços poderá estar informando para os tomadores de decisão (governantes ou empresários, para não falar nos trabalhadores). Os liberais falam que os impostos são "distorcivos". E são mesmo, como podemos constatar a partir do sistema de preços do modelo de insumo-produto. E por que não fazem nada? Por que não privilegiaram a reforma fiscal, deixando em segundo plano a da previdência? É, não é, né?

DdAB
Apresentei esta postagem no Facebook com os seguintes dizeres:
Quem terá razão: os que acham que o gasto do governo incentiva o crescimento do PIB ou os que acham que o atrapalha? Marx, Keynes e eu nos alinhamos na primeira corrente:

E, dias depois, escrevi lá mesmo no mural de Jorge Ussan:
Foi por meio dela que sepultaram a teoria da demanda efetiva de Marx e Keynes por pura ideologia. Como tal, não há evidência empírica que faça aquela turma entender que o governo pode socorrer o mercado em tempos de crise.

E acrescento agora: se 30 anos de neoliberalismo não ensinaram nada para os neoliberais, não podemos esperar que venham a fazê-lo, pois a ideologia é mais forte que o atendimento a procedimentos recomendados pelo método científico.

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