27 junho, 2014

Educação e os 100% do PIB


Querido diário:

Por um lado, devemos evocar o primeiro teorema do PIB, de minha autoria. Como sabemos, ele assevera que o PIB corresponde a 100% do PIB. E isto deve levar-nos a discutir, em boa medida, mais que seu tamanho (a estagnação brasileira é exasperante), sua distribuição entre remuneração dos empregados, excedente operacional e impostos indiretos líquidos.

Por outro, devemos ter presente que, pelo teorema acima, não podemos colocar percentualmente gastos no PIB superiores a 100%. Agora, se reservamos 10% para a educação (lei sancionada ontem), 20% para a saúde, 30% para a segurança, 40% para a justiça e 50% para o roubo por parte dos políticos, isto chega a 150% do PIB, o que nos confronta com um "conflito distributivo".

Pois bem, se não fosse aquele clamor de 50% do PIB por parte dos políticos (agatunados, ou seja, todos), haveria harmonia distributiva, desde que o governo não gastasse nem mais um centavo em nada, nem o resto da sociedade o fizesse. Em outras palavras, não dá para encarar um sistema que não lida com a lei do orçamento galhardamente, pois -se o fizesse- o roubo teria que diminuir. Então vemos que esta mania de colocar 10% do PIB para a educação nos próximos dez anos (e outros 20% para a saúde, etc.) não é boa técnica orçamentária. Mas que dizer dos deputados que aprovaram este tipo de despautério?

De outra parte, este negócio de que a soma das partes em uma totalidade qualquer deve alcançar nem mais nem menos 10% do total levou-me a entender algo interessante: é dificílimo compatibilizar estas cifras com as de uma grande mudança estrutural. Pedi, há alguns anos, em um exercício com o método Delphi para investigar a mudança estrutural do Brasil, que me dessem as estruturas do produto, da renda e da despesa. Havia gente, por exemplo, sugerindo que o consumo do governo deveria aumentar, e também o das famílias, e também o investimento e também as exportações líquidas de importações: o diabo do valor adicionado, medido pela ótica da despesa, dava mais de 100%. E quando os entrevistados tentavam corrigir estes despautérios, voltavam mais ou menos às percentagens da situação inicial. Mudar é difícil. Ser burro (os políticos, no que diz respeito a outros aspectos que não meter a mão) é convidativo.

DdAB
Referências sobre o método Delphi:
:: Comunicação de Fábio Cándano Peixoto aqui.
:: Meu artigo na Economia Aplicada (USP, ISSN 1413-8050), V. 7 n. 2, 2003, p. 413-432. O método Delphi e a estrutura da economia brasileira em 2010.
:: Meu artigo com Adalmir Marquetti e Fábio Cándano: Análise Econômica (UFRGS, ISSN 102-9924), V. 24 n. 45, 2006. Evolução setorial da economia brasileira entre 2002 e 2020: do passado ao futuro com o método Delphi.
Imagem: daqui.

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