Querido diário:
Este mundo da "economia social" tem lá seus recortes heterodoxos, alguma boa base de senso comum e outros disparates. Primeiro, não entendi ainda como é que as palavras "view" ou "approach" ou outras que me fogem no momento podem servir para substituir "theory" ou mesmo mais modestamente "model". Será que a heterodoxia (não esqueçamos que tenho me declarado, mesmo deixando pronomes soltos na locução verbal, neo-heterodoxo, talvez por isto mesmo) não gosta de
teoria? Seria que teria que haver-se com Karl Popper, com a moderna filosofia da ciência? Seria que teria que dar mais atenção à construção de
modelos?
Em compensação, eu estava deixando passar sem comentários por aqui o artigo
Sem miséria, mas com fome
Flávio Comim (Professor da Faculdade de Economia da UFRGS)
Zero Hora, 15 de maio de 2014, página 23.
que passo a comentar. Comentar ambos, o artigo e o autor. O autor é um dos mais respeitados economistas gaúchos, tendo-se envolvido, desde suas origens acadêmicas (doutorado na University of Cambridge, etc.), nas revisões da economia do bem-estar, do utilitarismo e mesmo da contabilidade social. Ele é o primeiro editor de um livro citado na Stanford Encyclopedia of Philosophy (henceforth, digo eu, SPE), no verbete sobre a abordagem das capacitações (tem dúvidas? escreva à autora
Ingrid Robeyns <
i.a.m.robeyns@uu.nl>). Ei-lo:
Comim, F., M. Qizilbash and S. Alkire (eds.), 2008,
The Capability Approach. Concepts, Measures and Applications, Cambridge: Cambridge University Press.
Para mim, se isto não é o paraíso, certamente, é o caminho para que lá se chegue... Como se verá abaixo, um auxiliar do paraíso é ser citado na Wikipedia. E, na brasileira, procurei e faltaram-me os verbetes para "abordagem das capacitações" e "escala brasileira de insegurança alimentar". Como referi, não sou especialista nesta "economia social", o que me impediu até de receber ajuda dos que o são, pois -hehehe- não a pedi, hehehe. Para isto é que existem as enciclopédias e, quando lhes faltam verbetes, temos é que completá-los. Temos, tendes, têm. Pelo menos, poderíamos (poderíeis, poderiam) traduzir a encrenca que está em inglês, se não a da SEP, pelo menos a da Wikipedia (
aqui).
Na Wikipedia:
The capability approach (also referred to as the capabilities approach) is an economic theory conceived in the 1980s as an approach to welfare economics.[1] In this approach, Amartya Sen brings together a range of ideas that were hitherto excluded from (or inadequately formulated in) traditional approaches to the economics of welfare. The core focus of the capability approach is on what individuals are able to do (i.e., capable of).
Na SPE:
The capability approach is a theoretical framework that entails two core normative claims: first, the claim that the freedom to achieve well-being is of primary moral importance, and second, that freedom to achieve well-being is to be understood in terms of people's capabilities, that is, their real opportunities to do and be what they have reason to value. The approach has been developed in a variety of more specific normative theories, such as (partial) theories of social justice or accounts of development ethics. It has also led to a new and highly interdisciplinary literature in the social sciences resulting in new statistics and social indicators, and to a new policy paradigm which is mainly used in development studies, the so-called ‘human development approach’.
This entry will be limited to an explication of the capability approach from a philosophical point of view. Readers who are interested in a discussion of the capability approach from the perspective of the social sciences are referred to Comim, Qizilbash and Alkire (eds., 2008), Deneulin (ed., 2009) and Kuklys (2005). For a brief overview of how the approach has been applied in practice, see Robeyns (2006). For a comprehensive introduction to the human development approach, see Fukuda-Parr (2003) and Fukuda-Parr and Kumar (eds., 2009).
No Planeta 23:
Os comentários ao artigo de Comim (que, não esquecerei jamais, foi um dos melhores alunos de "Introdução à Economia" (e tudo o mais) que tive em meus 31 anos de ensino. Bom professor é assim mesmo: em poucos anos, torna-se discípulo de seus alunos!).
Primeiro: ele recorda que o governo define como pobre o neguinho que ganha menos de R$ 70 por mês. Eu evoquei (minha memória) imediatamente que o dr. Castor de Andrade (
aqui) nunca deu gorgeta de menos de R$ 100 (a preços dos anos 1990). Ou seja, qualquer flanelinha, garçom, ascensorista que tenha cruzado com o benévolo bicheiro uma vez por mês já estaria fora da definição governamental. O erro foi de Castor de Andrade em promover a justiça social ou foi burrada do governo em mostrar-se
sem noção ao falar em R$ 70 mensais?
Segundo: a renda média dos entrevistados na pesquisa que orientou o artigo era de R$ 626 para o indivíduo e R$ 1.178 para a família. Aqui tem, diria o Gato Félix, dente de coelho. Principalmente porque não sabemos qual é o índice de Gini. E tem dente de hipopótamo, pois diz o artigo que 41% dos entrevistados recebem R$ 66 mensais no programa Bolsa Família. Parece-me que, para receber este maravilhoso estipêndio (que agudamente contrasta com os dos juízes e deputados, mesmo antes do aumento que tem-se anunciado no jornal), neguinho (ou neguinha) deve declarar-se desempregado. 41% de desempregados? Talvez um pouco menos, sei lá. Mas então o Gini seria importante para avaliarmos a variância da renda em torno dessa média de R$ 1.178 para uma família.
Terceiro: minha conclusão de 41% de desemprego está errada, pois Comim diz textualmente: "Seguindo nossas estatísticas oficiais, há poucos pobres extremos nos nossos entrevistados". Talvez aquele "nossos" da sentença queiram dizer, com ironia, os do governo (claro que, portanto, não são minhas). Mas eu não diria haver poucos pobres naquela região em qualquer caso.
Quarto: descontando algum viés amostral incidido pela pesquisa (qual era sua margem de erro? um ou dois a cada 100 pesquisas?), já tenho duas explicações para os achados da pesquisa. Primeiro, é ridículo levar a sério uma definição de pobreza de quem ganha menos do que R$ 70. Segundo, só pode ser esta escala brasileira de insegurança alimentar. Fora o que poderia ser ilustrado com a foto abaixo: será que naquela vila moram cidadãos de classe média? Vejamos o que diz a absolutamente última sentença do final do livro (exceto as 650 páginas de apêndices):
BERN I, Duilio de Avila & LAUTERT, Vladimir (2011) Mesoeconomia: lições de contabilidade social; a mensuração do esforço produtivo da sociedade. Porto Alegre: Bookman.
Dois pontos:
Não podemos esquecer que a contabilidade social incumbe‑se de medir variáveis postadas em modelos meso e macroeconômicos. Eba!, encontramos uma saída: em vez de reclamarmos das métricas econômicas, podemos pulverizar os queixumes para a modelagem em todas as áreas, inclusive os moldes de confecção de vestuário... Epa!, estamos indo muito longe, precisamos de uma forte chamada ao bom senso. Ora, disse Henri Theil (1971): “Modelos? Use‑os, mas nunca acredite neles!”. Ou seja, permitamos aos modelos ajudarem‑nos a replicar nosso bom senso, mas nunca substituí‑lo. Como epílogo, depois de tudo o que foi dito e feito, cremos ter ajudado o leitor aplicado a aguçar um sem número de intuições sobre as mais diversas áreas de espraiamento da ciência econômica, contribuindo para seu credenciamento ao exercício, em nível mais robusto e rebuscado, de seu bom senso. Por isso somos enfáticos: o modelo contradiz a teoria? Fique com a teoria. A teoria contradiz seu bom senso? Fique com o último, pois, afinal, dos últimos de cada geração é que nascerão os primeiros da seguinte.
Sigo no quarto parágrafo. Ora, este negócio de, em média, a família ganhar R$ 1178, e não ter água encanada e passar fome, só mesmo se pensarmos que houve enorme erro na educação de tantos anos que foram investidos em minha capacidade de intuição. Falei em variância, concentração da renda na vila e viés amostral. E também em problemas (?) com aquela escala de insegurança alimentar.
Quinto: preciso dizer que não defendo o governo, mas parece que Flávio Comim o ataca. Eu sinto certo mal-estar com as coisas do governo que nem sei o que dizer. E de onde se originará o mal-estar dele? É invocado com aqueles R$ 70 de definição de pobreza? Ou com o salário mínimo vigente neste país que abriga, no estilo de moradia abaixo retratado, uma pilha enorme de gente decente, bichos e parasitas. Por isto mesmo, fico sem palavras ao ler, lá dentro do penúltimo parágrafo:
Mas o que isso [essas coisas e mais que as que não citei] significa? Significa que a política pública contra a pobreza extrema, focada em valores monetários, constrói uma política sem lastro conceitual, na qual pessoas consideradas 'sem miséria' pelas estatísticas oficiais podem na prática ainda viver sob a pressão de conseguir o alimento no seu dia a dia.
Sexto: de repente o artigo tornou-se uma espécie de diatribe contra a ideia de "dar dinheiro para os pobres". E isto me parece realmente o fim-da-picada. Aquilo de "uma política sem lastro conceitual" também me parece uma arremetida contra o abutre, deixando as correntes a tolher os movimentos de Prometeu (
aqui). Pois eu diria o seguinte: meu lastro conceitual (como o é o de todos os neo-heterodoxos) é a teoria que explica a escolha do consumidor que referi diagonalmente acima (preços e renda).
Se forem mantidas constantes todas as demais condições, no caso,
.a. o nível de educação da negadinha,
.b. a qualidade do esgoto de suas casas,
.c.
os preços dos alimentos nos locais em que eles costumam comprar,
.d. a relação entre traficantes e fornecedores de serviços sociais,
.e. a futura proibição do tráfego de carroças de tração humana ou animal,
.f. e tudo, tudo, tudo o que mais seja,
então, ao elevar-se a bolsa família para, digamos, R$ 1.000, a negadinha iria comprar mais comida. Se fosse criada a renda básica de cidadania de, digamos, R$ 5.000, então as carroças de cavalos chumbregas e carrinhos de papeleiros seriam pulverizados das ruas da cidade. E seus condutores passariam a fazer rolezinhos pelos
shopping centers, restaurantes, consultórios médicos, salões de barbeiros, alfaiatarias, de toda a região metropolitana, não é mesmo?
Notate bene: Estes R$ 5.000 nem precisavam ser dados
in cash, bastando que o país começasse a trilhar (pois nunca trilhou antes) o caminho da decência, com o governo cobrando imposto de renda (progressivo) e gastando na provisão de bens públicos e meritórios (regressivos).
DdAB
P.S. naturalmente falo do "capability approach" (
aqui) e, de quebra, na "resource based view" (
aqui).
P.S.S. Aurelião, na quarta acepção, fala em "opiniões sistematizadas", o que me parece abstrato o suficiente para abarcar qualquer tentativa de explicação para o que quer que seja. Por exemplo, minha teoria é que o Brasil vencerá a Copa do Mundo. E outra, minha teoria é que esta cerejeira que vejo da janela de meu palácio dará aeronaves na próxima primavera. E outra: se o preço cai, a gente compra mais. E ainda outra: mesmo que o preço permaneça constante, se eu ficar mais rico, comprarei mais daquela encrenca que agora me parecerá mais barata.
P.S.S.S.: a foto lá de cima é da Wikipedia, no verbete Poverty (
aqui), com habitações da Indonésia. E (
aqui) na brasileira. A brasileira também ilustra a pobreza com fotos de favelas da Indonésia, Índia. E tem algo sobre Paris. Nada sobre Porto Alegre, Brasília ou Sampa. Segue-se uma imagenzinha da pobreza em Porto Alegre, vista por todos nós que vamos ver os jogos do Grêmio ou simplesmente aqueles que desejam dar o pira daqui (
aqui). E aqui:
Não sei se é bairrismo (avesso ao avesso), mas a foto de Jacarta é mais bonita! Meu
punctum era a poça dágua até que o vim a substituir por um ser arqueado, mais próximo da primeira casinha branca e a poça
proper.
P.S.S.S.
Aos 1/jun/2014, escrevo: Ver comentário de Flávio Comim que o programa reproduz ali adiante. Ele anuncia uma postagem inteira devotada a discutir minhas razões:
http://liesbigliesstatisticscomim.blogspot.com.br/2014/05/sem-miseria-mas-com-pobreza-uma.html
Tá aqui o artigo aqui anunciado:
http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2014/05/15/artigo-sem-miseria-mas-com-fome/comment-page-1/?topo=13%2C1%2C1%2C%2C%2C13. Diz aí, Comim:
Em uma pesquisa inédita feita por professores e alunos dos departamentos de Economia da UFRGS e da PUC e do Instituto de Psicologia da UFRGS, em parceria com o Diário Gaúcho, foram entrevistadas 555 pessoas vivendo em bairros em situação de vulnerabilidade social na cidade de Porto Alegre. Dessas, 63% foram mulheres, na média com 40 anos e seis anos de estudo.
No Brasil, o governo define como pobre extremo quem tem menos de R$ 70 por mês. Assim, olhando apenas para a renda média das pessoas entrevistadas, de R$ 626, ou para a renda média de suas famílias, de R$ 1.178, não acharíamos que elas vivem com dificuldades essenciais, mesmo levando em conta que 41% das pessoas entrevistadas recebem o Bolsa Família (valor médio de R$ 66). Seguindo nossas estatísticas oficiais, há poucos pobres extremos nos nossos entrevistados.
No entanto, quando olhamos para como as pessoas vivem, entramos em outra realidade. Quase metade das pessoas entrevistadas vive em moradias que não são de alvenaria acabada, quase dois em 10 não têm água da rede pública e seis em 10 trabalham sem carteira assinada. Ao aplicarmos a Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar), verificamos que quase oito em 10 pessoas sofrem algum tipo de insegurança alimentar, um número surpreendente (quase quatro em 10) tem insegurança alimentar do tipo grave. Mas o que isso significa? Significa que a política pública contra a pobreza extrema, focada em valores monetários, constrói uma política sem lastro conceitual, na qual pessoas consideradas “sem miséria” pelas estatísticas oficiais podem na prática ainda viver sobre a pressão de conseguir o alimento no seu dia a dia.
Foi perguntado às pessoas o que elas fariam se tivessem R$ 70 a mais ou a menos por mês. A resposta? Comprariam mais ou menos alimentos. Assim, o mundo da pobreza extrema nas regiões vulneráveis de Porto Alegre parece ser ainda o mundo onde o alimento diário é incerto. Precisamos ter estatísticas que reflitam concretamente as dificuldades por que as pessoas passam, sob pena de vivermos em um país “sem miséria” no qual as pessoas ainda passem fome.
http://liesbigliesstatisticscomim.blogspot.com.br/2014/05/sem-miseria-mas-com-pobreza-uma.html
P.S.S.S. Mais um adendo, desta feita, inserido em 19/maio/2015: achei por bem reproduzir aqui o texto do antigo blog de Flávio Comim (
aqui). Aquele 30 de maio dele é de 2014.
Nunca gostei tanto de críticas que recebi quando do meu querido professor Duílio de Avila Bêrni, que em seu blog Planeta 23 (http://19duilio47.blogspot.com.br/2014/05/pobreza-miseria-e-fome.html) comentou o artigo que escrevi em pesquisa realizada com meus queridos colegas Sabino Porto, Izete Bagolin e James Ferreira para a Zero Hora (http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2014/05/15/artigo-sem-miseria-mas-com-fome/comment-page-1/?topo=13%2C1%2C1%2C%2C%2C13).
Não podia simplesmente deixar uma nota de agradecimento no blog do Professor Duílio pois ele foi o professor que mais me influenciou durante a minha graduação. Lembro muito que gostava demais das aulas do Otávio Conceição, das palestras do Pedro Fonseca, assim como das aulas de tantos outros. Mas foi o Duílio que inspirou não somente em mim, mas em toda nossa turma, uma postura e uma ética de competência na economia, uma visão pluralista (foi com ele que eu aprendi o significado de 'marginal' em economia e também o de 'mais valia', aprendendo a respeitar boas teorias e a diversidade de opiniões). Ele era um professor de economia muito exigente e ir bem na matéria dele fazia qualquer um amar a disciplina -que foi o que aconteceu comigo. Devo sim muito ao Duílio, assim como devo a Juan Moldau e ao Eduardo Giannetti (meus professores da época de USP) e a Gay Meeks, Geoff Harcourt e a Amartya Sen (mestres da época de Cambridge) grande parte do meu entendimento em economia. (Claro, isso pode não significar muito, eles podem ter ensinado e eu posso não ter aprendido bem!) Assim, com todo o respeito e consideração do mundo, tento responder a algumas críticas que ele fez ao artigo.
Por que falamos em 'abordagem' da capacitação e não em 'teoria' ou 'modelo'? Bom, o prof Amartya Sen, que criou o termo, fala em 'abordagem' pois ela está estruturada em torno de princípios que podem ser aplicados e combinados de modo diferente no mundo real, pois este é complexo. Uma teoria por necessidade precisa 'congelar' o mundo real e nos ajuda a entender as situações que analisamos por semelhança (ou por capacidade preditiva, como argumentaria Friedman, 1953). A ideia de abordagem é que munido de seus instrumentos podemos construir diferentes teorias adaptadas a nossos contextos.
O prof Duílio, pergunta "se foi burrada do governo em mostrar-se sem noção ao falar em R$70 reais"? Eu não diria 'sem noção'. Na verdade o governo sabia muito bem o que queria. Ao diminuir a linha de pobreza extrema de aproximadamente 1/4 do salário mínimo para 1/8 o governo procurou ter uma estratégia que incluísse mais pessoas e ficasse em torno do mesmo custo do programa Bolsa Família, ao redor de 0.5% do PIB. Utilizou para isso um arremedo de conceito, que chamou de 'pobreza político-administrativa', ou seja, a ideia de estipular uma meta que poderia honrar, mas sem base teórica.
Na pesquisa que fizemos não atacamos, como o Prof Duílio sugere, o governo. Na verdade nem o governo nem a política de transferência condicionada do governo. O que atacamos foi a medida utilizada. Atacamos um conceito de pobreza extrema que nem reflete parâmetros de pobreza absoluta nem pobreza relativa. Isso é o que queremos dizer quando afirmamos que não há 'lastro conceitual'. O problema é que a pobreza é antes de tudo um conceito normativo, sobre uma condição que consideramos inaceitável. Como tal, deve refletir um estado de 'mal-estar' social ou individual. Mas os R$ 70 não refletem isso. De fato, não refletem nada.
O que fizemos não foi um estudo ambicioso. Entrevistamos, em parceria com o Diário Gaúcho, pessoas que vivem em algumas áreas muito vulneráveis de Porto Alegre. Ao aplicar a EBIA (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar) apenas queríamos ver se as pessoas que tem renda acima dessa linha fictícia de R$70 passam necessidades ou não. E vimos que sim, muito.
Nossa base teórica é a abordagem das capacitações do prof Amartya Sen que tem como um de seus pilares o argumento de que "recursos são indicadores imperfeitos de bem-estar". Vemos assim que o que importa são os fins e não apenas os meios usados para o desenvolvimento. Pode bem ser que ao ter mais dinheiro, como sugere o prof Duílio, as pessoas comprem mais comida, mas também pode ser que comprem menos, se usarem o dinheiro para outras coisas, pois vários outros fatores afetam a conversão do dinheiro em nutrição, saúde, educação, etc.
Testamos nossos resultados estatisticamente. Apenas aceitamos o que era econometricamente robusto. Não conhecemos bem a estrutura dos erros para imaginar que deixamos nenhuma variável omitida que pudesse viesar as estimativas. As variâncias são baixas. Mas vamos calcular o índice de Gini, da distribuição da pobreza entre os pobres, como sugerido por ele, obrigado. Não tivemos a pretensão de fazer inferências de nosso estudo com 555 pessoas para toda a cidade, mesmo que isso fosse possível. Preferimos apenas chamar atenção para o problema de que entrevistamos pessoas que são oficialmente classificadas 'sem miséria' mas que passam fome.
Grande mestre Duílio, ainda temos muito que aprender, mas queremos apenas lutar por um país onde a realidade seja entendida como ela é. Não somos contra o governo, nem contra ninguém. Queremos apenas um país onde os mais pobres não vivam tão indignamente e sofram tantas humilhações. Obrigado pelas suas palavras generosas e também pelas suas palavras duras.