23 novembro, 2012

Maringá: amigos, amigos; indústria à parte

Querido diário:
Ontem e ante-ontem foram dias de glória para mim. Segui no tema da crítica à "reprimarização", que redundou na crítica à própria "desindustrialização precoce", chegando ao ponto de falar em "industrialização precoce". Tudo começou há muito tempo (estava eu em Pescara, no início de 2010), mas uma postagem específica que tem a ver diretamente com o tema, e à qual seguiram-se várias outras, está aqui. A base de dados é a mesma que produzi a partir do trabalho de Guilhoto  (aqui), ainda no tempo em que o ano de 2009 não era disponível. Ou seja, meu período de estudo foi 2000-2008. O primeiro evento público ocorreu no IPEA, conforme a postagem a que remeti acima. Depois, a convite do prof. Adalmir Marquetti, falei na FEE e depois, a convite da profa. Brena Fernandez, falei na UFSC.

Pois é da UFSC que se origina minha viagem a Maringá, onde vi e revi (a Fafá!!!) amigos e onde recebi diferentes reações (todas muito fraternas e interessadas) a minha -quem sabe até iracunda?- investida contra o conhecimento estabelecido, de origem cepalina, kaldoriana, sei lá, que endeusa a indústria como a celestial fábrica de maná que todos desejamos no terreiro lá de casa. A profa. Marcela Albuquerque (UEM) e o prof. Sílvio Cário (UFSC), intrigados com minha fala, pensaram que poderíamos fazer um debate -ele e eu- em Maringá, integrando-nos à 27a. Semana do Economista da Universidade Estadual de Maringá. No final das operações logísticas, o prof. Sílvio ficou impossibilitado de ir e eu tornei-me monopolista da noite. Ou melhor, estivemos monopolizando a noite myself, centenas de professores do Departamento de Economia (e asssemelhados) e milhões de alunos de várias carreiras daquela instituição. 

Meu principal anfitrião foi o prof. Gilberto Fraga, coadjuvado pelo prof. Julierme Tonin, culminando com a adesão da profa. Márcia Istake. Podia estar mais feliz? Ela, Márcia, professora de contabilidade social, ainda abriu-me espaço para falar em sua aula. Anunciei-lhe que faria uma tentativa de desmoralizar o modelo do fluxo circular da renda "dos antigos", fazendo o elogio do "moderno". O primeiro, como sabemos, recebeu de mim o epíteto de "movimento pendular", pois o negócio oscila entre famílias e empresas ao longo de uma linha reta. O segundo, mais sábio, refinado e nobre, assesta-se sobre três pontos (produto, renda e despesa, ou produtores, fatores e instituições), o que determina um plano, base sobre a qual assenta o movimento circular tão ambicionado por Frank Knight, Joseph Schumpeter, essa turma toda.

Deu para capturar tudo isto na figura lá de cima? Tá aqui com mais recortes:

Aquela foto ali, gravatinha verde, foi capturada no momento em que eu dava uma entrevista à jornalista Ana Paula, na quarta-feira, um calor dos diabos quando nos postávamos ao ar livre. E o texto está aqui, para quem não quiser ir lá (no site deles acima registrado).

A 27ª Semana do Economista da UEM, transferida de setembro para novembro, será encerrada com a palestra A Indústria Brasileira e o Cenário Econômico Mundial, nesta quarta-feira (21), a partir das 19h30, na Câmara Municipal [foi transferida para o Auditório Ney Marques, da 'faculdade de economia']. O tema será explorado pelo consultor Duílio de Ávila Berni, que foi professor nas universidades federais de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, e da PUC/RS.

No evento desta noite, o professor vai falar sobre a política protecionista brasileira, que vem priorizando a produção de bens como automóveis e computadores, sem perceber que a produção primária, de soja, por exemplo, vem utilizando alta tecnologia desenvolvida no país, além de demandar o aquecimento de setores como os da química e dos implementos agrícolas. “Se a política econômica brasileira pensasse em produzir o que a natureza lhe permite, aproveitando a insolação, o clima etc., talvez pudesse ter alcançado o nível de renda per capita dos países do primeiro mundo e poderia comprar computadores de produtores que vendem barato para aumentar o capital humano, oferecendo educação aos brasileirinhos”, disse em entrevista à UEM-FM.

O tema central da Semana de Economia é O Brasil e o Cenário Econômico Mundial, promovido pelo Departamento de Economia, Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas, Centro Acadêmico de Economia e PET Economia da UEM.


Tomara que eu tenha falado mesmo isto de "brasileirinhos"! Minha obsessão por estudar todos os ângulos que me ocorrem sobre a distribuição da renda muito cedo fez-me chegar a eles, os meninos e meninas de rua, mas não apenas eles, os capitães da areia amadescos, portanto, quase 100 anos de incúria desde que o fenômeno foi enquadrado. Em outras postagens (a primeira tá aqui), falei em "retransportização". Não foi Robert Barro que disse o que segue? "Once you begin to think about that, your soul does not allow your mind to thing of anything else".

Claro que não foi, né? Ele disse algo parecido, eu é que inventei este negócio que, espichado, vira: assim que começas a pensar nas questões distributivas, estás espichando teu olhar para os pobres, os desvalidos. E assim que o fizeres, verás, no Brasil, uma importante parcela da população jogada nas ruas, com aquiescência de prefeitos de milhares de prefeituras neste território. Todas estas imagens provocam dor, mas nada é mais revoltante do que ver crianças jogadas, literalmente, na rua da amargura. Claro que estou falando muito mais do que na "economia normativa". Claro que estou falando até em poesia, pois "alma" e "mente" são sinônimas de, no caso, "coração" e "razão".

A compreensão que alcancei com todos esses meus anos de estudo da "distribuição" e da contribuição setorial para montar determinados perfis distributivos tem duas componentes:

.A. conceitual:
O que interessa não é quem fabrica o computador e o trator, mas como eles são engajados no processo de produção. Eles podem ser produzidos localmente e exportados, o que lhes dá baixíssimo "efeito multiplicador". Por contraste, eles podem ser produzidos externamente e empinados na produção local, criando valor adicionado localmente. Valor adicionado não quer dizer "produto", claro, não apenas produto, mas também renda e despesa.

Obviamente valor adicionado (VA) é

VA = OT - CI,
(OT é a oferta total da economia e CI é seu consumo intermediário)

ou melhor, isto é o produto (com consumo intermediário comprado pelos produtores) ou a despesa (com consumo intermediário vendido pelos produtores), numa equação contábil (e cadê a renda, meu senhor do bonfim?; eu acho que ela tá na mão do presidente do banco central, o que é óbvio se cada cédula circula apenas uma vez por ano, ou seja, V=1 e se o nível de preços é constante, ou seja, P=1, o que faz M = Y, não é isto?). Mas sugiro que existe uma equação de comportamento (não alheia a Verdoorn ou Kaldor) segundo a qual

VA = f(OT),

e esta equação teria todos aqueles requisitos tradicionais, capturada por uma funçãozinha potência (ou outra mais refinada), mas com rendimentos decrescentes (VA = a × OT^b, com b < 1). A verità é que nunca pensei muito na econometria deste negócio todo. Quem sabe um dia consigo uma promessa dos profs. Gilberto e Márcia de mexermos nestas coisas em paineis mundiais, sei lá???

Em outras palavras, nas economias monetárias, o "valor" gerado pela sociedade (eu disse "pela sociedade", o que contempla os tais brasileirinhos, os brasileiros e os brasileirões, além de estrangeiros, e outras montanhas de ingredientes humanos e materiais que ninguém saberá determinar) responde a uma dimensão econômica da vida societária e que é contabilizada em termos de preços de mercado. Ou seja, estamos mesmo falando em "economias monetárias" e não em qualquer outro tipo de sociedade.

Se eu insisto no ponto de que, em fazendo parte da sociedade, o menino de rua, o engenheiro desempregado e seus pares, nomeadamente, o menino de palácio faustoso e o engenheiro de emprego invejável, ambos os três (ver mais besteirol aqui), contribuem para a OT e, como tal, para o VA, então estou negando qualquer protagonismo qualitativo a qualquer um deles. Então tu pode imaginá o protagonismo qualitativo que eu reservo para a indústria, ou a indústria de transformação, ou a indústria metal-mecânica, ou até algum segmento dela que exiba elevado coeficiente de correlação com a taxa de crescimento da economia, um troço destes. Claro que isto só pode ser rematada tolice daqueles que tentaram importar para o Brasil aqueles tipos de ideias de modelagem de economias fechadas, como a inglesa (de antanho) e a americana até de hoje mesmo Ok, vamos ao ponto empírico mais frontalmente.

.B. empírico:
Os dados de Guilhoto (por mim processados) a que me referi acima mostram que
.a. o setor serviços é o maior da economia brasileira há muito tempo,
.b. por isto mesmo ele é a maior fonte do crescimento econômico do país,
.c. tendo reduzido o protecionismo a partir dos anos 1990 (eu disse "reduzindo", pois estamos a estratosférica distância do protótipo de economia aberta), a mudança estrutural do Brasil conduziu para maior participação do setor primário (como já anunciava o prof. Laércio Barbosa bem naqueles anos), mas não perda de participação dos serviços, ou seja, quem entregou pontos percentuais foi mesmo a indústria de transformação,
.d. não houve grande dinamismo na economia global nestes nove anos (usando o deflator do PIB do IBGE),
.e. havia alguns setores igualitários, mas que -sozinhos- não podem ser invocados para rezar a missa,
.f. o grau de flexibilidade da economia brasileira até elevou-se (de acordo com o conceito que usei para medir esta dimensão do desempenho de um sistema econômico).

Concluo olimpicamente dizendo que o que importa é o consumo e não a produção. E que, nesta linha, ligando consumo e produção, importa mais a formação de capital humano (ou seja, meter o menino de rua na aula de inglês e o engenheiro desempregado no doutorado) do que de capital físico (qual seria mesmo a diferença, sob o ponto de vista do grão de soja, em ser semeado num buraco cavado por um trator coreano ou um Caterpillar made in São Paulo?) E digo mais: o estancamento da economia brasileira dos últimos 30 anos se deve precisamente a sua incapacidade de elevar substancialmente a produtividade. E como elevaria com tanta ineficiência no gerenciamento que a sociedade brasileira dá a seus recursos humanos?

DdABa
p.s.: às 1h59min de 27/nov/2012, retifiquei uma frase do terceiro parágrafo, deixando mais claro que a iniciativa de "desmoralizar" o velho modelo do fluxo circular da renda é minha e não de minha anfitriã ou seus alunos.

P.S.S. E, às 20h23min de 26/jul/2015, domingo, desejo corrigir aquela equação lá de cima dizendo que

VA = f(OT)
ou seja, o valor adicionado é função da oferta total

por

VA = g(Pop)
ou seja, o valor adicionado é função da sociedade, ou melhor, da população. Aqui mostrei um cálculo elementar do coeficiente de determinação entre essas variáveis em um cross section mundial do ano de 2014 (e aproximados) e encontrei o animador número de 0,61 para 181 países. Para quem não sabe, as variações na população explicam 61% das variações no valor adicionado. Claro que não temos aí uma prova, mas não conseguimos negá-la. Entusiasmado, já acrescentei que então somos forçados a concluir que a sociedade é que causa o valor adicionado.

2 comentários:

Marcela Albuquerque disse...

Muito obrigada Professor por atender tão gentilmente ao nosso convite. Todos nós ficamos muito contentes com sua presença em nossa Universidade, fora de significativo aprendizado. Infelizmente por questões laborais não pude estar presente, mas com certeza em pensamento estive nesta noite. Saudações acadêmicas como diz o Professor Sílvio...

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Oi, Marcela:
Foi uma pena mesmo... mas acho que ainda vai rolar alguma repetição do programa!
DdAB