11 novembro, 2012

A Matemática, é matemático

Querido diário:
O jornal (ZH) de ontem exibe uma notícia confrangedora. Se tem gente que não sabe português, que dizer da negadinha que não sabe matemática? Já escrevi que matemática se escreve em português, na tentativa de facilitar a vida do neurótico pelas quatro operações e operações sequelantes. A pergunta era: "Quem tem medo da matemática?" E já fui logo respondendo: eu, eu, eu. Aí, dada minha modéstia, veio a esperança: "Para combater e prevenir". Combater os medos pretéritos (ou o presente?) e, certamente, preverir os medos futuros! Fiquei feliz!

Segue o box do "Para combater e prevenir" com quatro loci (era o plural de locus, em latim, remember?). Evadindo-me das críticas de poltrão quantitativo na condição de aluno, passei a recordar algumas desilusões de minha vida de 31 anos de magister. O récord, parece-me, foi de um rapaz saudável que confundia "cinquenta e seis" com "sessenta e seis", pode? Fatoração, multiplicação, "passar para o outro lado", e outras coisas bem ginasianas, so to say.

Então, que deve fazer o professor?

Deve trazer a matemática para o dia a dia com exemplos que façam parte do cotidiano dos alunos. Usar jogos, analogias, metáforas e tecnologias.

Nâo pude deixar de reprimir um sorriso de mofa, pois aquela parte do "parte do cotidiano dos alunos" pareceu-me piada de mau gosto. Sempre me pareceu que "os alunos" é uma abstração ainda mais eivada de erros do que "o aluno médio". Parece mesmo que, por descuido, um dia -antes da aula- enchi a cara e lá, ao ouvir um atropelo a uma pergunta que fiz -destas de bar-, disse-lhes: "vocês não estudam". Muitos disseram: "e você bebe". Mas não foram todos, ou seja, nem todos diagnosticaram meu nível etílico. Ou seja, em um tribunal brasileiro, eu passaria por sóbrio, ou até assombrado, mas nunca como pinguço.

Pois bem:
.a. a matemática já está no dia a dia há muito tempo, ou melhor, o dia a dia é impenetrável à matemática, que é -ela própria- um construto del cerebro humano. E até do cerebro de lobos e hienas, para não falar em formigas e bactérias. Mas aí é que reside a questão central: isomorfismo é, no dizer do velho Aurelião, a "[...c]orrespondência biunívoca entre os elementos de dois grupos que preserva as operações de ambos." Segue-se logicamente que haverá pilhas e pilhas de correspondências entre o ato de nos espreguiçarmos, ao sair da cama, e o de fazê-lo, já na sala de aula, quando pinta sujeira.

.b. os exemplos do cotidiano dos alunos requerem que definamos "alunos". Em geral, numa sala de aula, existe certa homogeneidade entre os alunos: o aluno modal tem 20 dedos, dois olhos, não mora em casa de pau-a-pique, toma banho de mangueira, o pai tem um automóvel Gordini, a mãe usa esmalte Coty, a avó usa insulina, a bisavó faz bola de meia, o trisavô é um imigrado, sabe-se lá. É, parece que "o aluno" é uma espantosa abstração, o que implica que -no primeiro dia de aula- dever-se-ia ensinar-lhe o conceito de infinito, de universos finitos e infinitos. Ou, ao contrário, entender que, para longas caminhadas, pequenos passos e começar ensinando mesmo o be-a-bá, ou seja, o afamado 1 gordini + 1 gordini = 2 gordinis.

.c. e isto de "[...u]sar jogos, analogias, metáforas e tecnologias"? Será que eu estrago tudo se indagar "quais, meu senhor do bonfim?"

O que me parece sensato mesmo é fazermos como o trisavô importado do aluno médio definido no item .b., que estudou em seu país de origem: as gerações anteriores definiram que haveria aulas (ver Aurelião), que haveria múltiplas origens genéticas nelas presentes e considerar que haveria um plano de vários anos para ministrar conteúdos interessantes. No caso, nunca ensinar multiplicação antes da adição. Se fosse para inverter a ordem de exposição destas duas operações, far-se-ia necessário buscar evidência de que haveria benefícios nesta transposição. Pode ser que o erro de todos os milhares de professores e alunos que aprenderam primeiro somar e depois multiplicar tenha sido não aprender primeiro a subtrair e depois dividir, sabe-se lá. Parece que não!

Jà cheguei a pensar que o ensino da matemática deveria ser reservado a maiores de 80 anos de idade, o que ainda me daria alguns anos de folga antes de ingressar na -assim chamada- idade da tortura.
DdAB
Imagem aqui.

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