24 fevereiro, 2010

Marx: the most dead

querido blog:
procurei no Google Images o seguinte: "Marx" e "the most dead". Marx, em sua tradicional foto da lupa e dedo-na-casaca, barbudão, desgrenhado, está na p.53 da Carta Capital de 13/jan/2010, de que retirei algumas frases de Delfim Neto e enderecei comentários. hoje, sigo com o texto de Luiz Gonzaga Belluzzo. tenho mais afinidades com ele do que com Delfim, claro. mas também tenho lá minhas severas divergências. sou internacionalista.

explico a busca no Google e o que localizei instead:
.a. Marx: se não achei Marx não será que ele é mesmo "the most dead"
.b. se procurei "the most dead" será que não estava citando a porta de banheiro da Biblioteca da Universidade de Sussex que li em, digamos 10 de fevereiro de 1978? lá havia um diálogo que, creio, era retórico e com letra do segundo participante falsificada (com tradução minha):
-Por que Marx tem o maior túmulo no Cemitério de Highgate?
-Porque ele é o mais morto!
claro que isto já é exageiro, Marx está muito longe da morte, se é que Highgate é apenas uma metáfora para a herança intelectual de quem quer que seja.

ok, Belluzzo faz alguns movimentos iniciais e diz algo que reproduzo ipsis litteris:

O processo de urbanização brasileiro juntou crescimento rápido, especulação imobiliária, aumento da desigualdade e marginalização crescente dos contingentes 'expulsos' de seus pagos. Não é difícil entender que as criaturas da urbanização patológica tivessem projetado seus espectros no cotidiano vivido pelos brasileiros nos dias de hoje. A desregrada ocupação do solo, a favelização, a desconstituição familiar e a precariedade do sistema educacional estão na raiz da violência urbana -organizada e desorganizada - das já não inesperadas tragédias de verão, dos fracassos brasileiros nas olimpíadas de matemática e das interpretações de textos. A persistência dessas mazelas não desenha o futuro que muitos antecipam ao projetar um desempenho brilhante da economia. Esse futuro é, sim, possível, mas a experiência histórica comprova que o sucesso econômico está longe de assgurar o progresso social.

ele fez uma síntese poderosíssima de tudo! em resumiria como sendo a gênese da sociedade desigual, ou melhor, o aprofundamento acelerado da brecha desigualitária. em breve, estudarei, com SM, coisas da urbanização dos anos 1940. é evidente que a desigualdade já existia antes disso, mas tentarei medir (com muita dificuldade, nem precisava dizer) com os índices tradicionais (Gini, Theil-T, Theil-L e Atkinson).

claro que agora, que sabemos que a renda básica está para o século XXI assim como o fim da escravatura esteve para o século XIX e o voto feminino para o século XX, podemos falar nela como sendo o erro daquele tempo em que nem o voto masculino era realmente importante. o Brasil era tão atrasado que a instituição do trabalho escravo que hoje vemos denunciada volta e meia pelo Ministério do Trabalho já era personagem dos livros dos romancistas nordestinos.

esta expulsão do homem do campo dos últimos 70 anos foi uma tragédia irreversível. é impossível pensarmos que os tetranetos de gente de grotões, ambientados em rodas produtivas (automóveis) ou destrutivas (cocaína) em São Paulo, aceitarão um incentivo como a renda básica para voltar ao Crato ou a Três Passos. tem gente que, como disseram da onça socada por Jeca Tatu: "até hoje está correndo". foge-se do campo com a onça ao Biotônico Fontoura...

claro que "desigualdade" vai muito além de "desigualdade na distribuição da renda". claro que educação, como comidinhas na escola, uniformezinhos dados pela diretora, esportezinhos conduzidos por um professor, artezinha ordenada por uma professora, tabuadinhas acenadas por jovens esbeltos/as, são redistributivos, permitem que o neto de Jeca Tatu descubra seus objetivos na vida e ganhe ganas de lutar por eles.

o mesmo vale para a saúde da avó do Jeca Tatu, que vivia enfurnada em cantos ermos, turvos e sombrios, que a levaram a ter mais 250 filhos, todos tatuzinhos, e tenha recebido o encargo de criá-los, pois seu daddy tomou tatuzinho, o formicida dos anos 1950. claro que dos 250 filhos apenas uns 25 prosperaram, mas isto gerou a crise: foram mais uns 23 evadidos do campo. todos poderiam ter ficado, estudando inovações agrárias, a fim de não sermos obrigados a ouvir por tanto tempo a churumela industrializante.

para mim, não tem dúvida de quem deveria ter feito tudo isto: o governo dos homens. até que possamos substituí-lo pela administração das coisas. agora vejamos Belluzzo, falando de três dificuldades já constatadas em meados da década de 1970:
.a. criação de instrumentos e instituições de mobilização da poupança doméstica, particularmente para suportar o financiamento de longo prazo (e eu diria, enorme capacidade de destruir os que foram criados, como o Banco Nacional da Habitação e os, digamos, 3% ou 4% da renda nacional, na forma de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; precisaríamos de apenas mais 18% para termos taxas de crescimento garantida de uns 6% ou 7%, não é isto?)
.b. reestruturação e modernização da grande empresa de capital nacional e de suas relações como o Estado (maiúsculas lá dele) e com os mercados globais
.c. constrituição do que Fernando Fajnzylber chamava de 'núcleo endógeno de inovação tecnológica'.

não posso contestar estes três pontos. mas fico a indagar-me o que isto significa, trocando em miúdos. é a mesma coisa que criar oportunidades educacionais-empresariais e de saúde para os, digamos 120 milhões de pés-de-chinelo? moradia decente? transporte decente? nem falo em emprego decente, pois é evidente que não haverá empregos para todos na Petrobrás ou na Embraer, que pagam os salários mais apetitosos. é que, se meu filho tem direito de um dentista em sua escola, o dentista tem direito a um emprego precisamente na mesma escola. isto é sociedade igualitária.

quem vai criar a engenharia financeira para gerar poupança? quem vai reestruturar a grande empresa nacional? quem vai gastar em inovação tecnológica? por que não jogar o governo a fazer o que os deuses ou o próprio governo teriam que fazer de qualquer jeito? a saber, a Brigada Ambiental Mundial. afinal, não estamos no limiar do final do estado nacional?

aí ele fala no "vício do câmbio valorizado". eu sempre me pergunto: como sabe? e, se sabe, e daí? quem deveria corrigir os desvios deste viciado? é evidente que, algum dia, o capital especulativo (dos leais escudeiros brasileiros e traiçoeiros estrangeiros) vai querer sair fora. e é evidente que os agentes que quiserem envolver-se na especulação é que devem ser penalizados.

para terminar com concordância, lá vai:

Diante da admiração internacional e do sucesso doméstico alcançados pelo presidente (Lula) corre-se o risco de sufocar com aplausos o espírito crítico. As políticas públicas e sociais dos últimos 14 anos foram, sim, impulsionadas por um ambiente democrático, malgrado o nariz torcido de muitos praticantes da utopia. Isto ocorreu na contramão do ethos neoliberal, imperante no mundo nos últimos anos, que tratou de promover a ética intolerante dos vencedores, aquela que não deixa ao desamparado, ao inferiorizado, senão a alternativa de massacrar a própria autoestima. A 'individualização' do fracasso, inscrita nos pórticos da concorrência desaçaimada, não permite ao derrotado compartilhar com os outros um destino comum provocado pela desordem do sistema social. O reconhecimento social é uma preciosa forma de remuneração não monetária. E essa retribuição tornas-se cada vez mais escassa quando o desemprgo e a desigualdade prosperam em meio a uma eufórica comemoração do sucesso do indivíduo.

parece que ele também andou lendo o Wilkinson sobre a desigualdade.
DdAB

4 comentários:

Fabio Cristiano Pereira disse...

Prezado professor Duílio. Descobri seu site e seu blog hoje. Fico feliz por ver sua presença na internet. Feliz também por lembrar do senhor em minha primeira aula de Economia, em 1993, segundo semestre na ufrgs. Até hoje o considero entre os 5 melhores professores que tive. Finalmente estou montando minha biblioteca de Economia, e procuro por uma obra sua... Técnicas de Pesquisa em Economia. Mas dizem nãoser publicada mais... é fato ? Grande abraço. Fabio Cristiano Pereira. (fabio.cristiano@uol.com.br)

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

aí, Fábio:
bem-vindo! acabo de enviar um e-mail.
DdAB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

para quem mais interessar possa:
.a. acho que ainda há alguns exemplares disponíveis com a Editora Saraiva;
.b. nos próximos meses (talvez 2011), teremos uma nova edição, desta vez pela Argos/Chapecó.
DdAB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

outro peésse:
e quem foram os outros quatro? rsrsrs.