06 fevereiro, 2010

Ver para crer: a contabilidade é revolucionária

querido blog:
será que alguém que visse um marcianinho lendo Osho, numa praia de São Miguel do Gostoso, usando protetor solar Sundown e tomando coca-cola diet (decaf) iria crer? e será que alguém creria se lhe disséssemos verdades contábeis e requerêssemos que, a partir dela, o discurso deixasse impressões ideológicas para as eleições?

pois tenho razões para crer que é difícil aceitarmos verdades contábeis que vão contra a doutrinação que recebemos desde sempre e em especial desde que fomos alunos dos alunos (dos alunos) dos economistas estruturalistas.

podemos iniciar concedendo-lhes (Prebish e milhões de seguidores) a percepção de que a indústria é a chave da felicidade. o próximo passo é dizermos que o governo, na condição de emanação encarnada do espírito puro, deve promover a felicidade e -ipso facto- deve promover a industrialização. o problema, claro, reside neste passo que derivou-se de uma premissa completamente normativa, uma premissa que não tem qualquer relação contábil de cunho econômico que a sustente. como é que eu iria lá saber se o governo é mesmo a chave da felicidade? tal chave não seria um terreninho de frente para o mar em São Miguel do Gostoso? uma agulhazinha frita com cerveja nas praias da margem esquerda do Beberibe?

por que devemos insurgir-nos contra a idéia de que o governo deve promover a industrialização? na visão que herdei de uma leitura (apressada) que fiz de Osho, a verdadeira chave da felicidade é a mens sana in corpore sano. ou seja, três horas de ginástica por dia, três horas de aula e, de quebra, três horas de trabalho comunitário. em outras palavras, a chave da felicidade é a educação, a felicidade encontra-se na libertação e, como sabemos, a educação é a chave da educação.

e Keynes? e Prebish? e Anibal Pinto? tenho para mim que Anibal Pinto e Maria da Conceição Tavares são os responsáveis pela quebra que meu pensamento teve com o que disse John Maynard Keynes e dele nutriu-se Raúl Prebish. mas levei talvez 30 anos para entender as transições e os enrustimentos de julgamentos de valor. [nota: obviamente julgamentos de valor não carregam nada de errado; quem pode errar é o cientista social que, ao carregar lá seus julgamentos de valor, perdem a capacidade de julgar-lhes as consequências].

todos sabemos e eu vivo repetindo que o valor adicionado é o blim-blim-blim criado pela sociedade, de sorte a avaliar a "produção líquida", ou seja, descontar os insumos do total produzido. [nota: output quer dizer produção e não produto, e aqui os desgarrados latino-americanos podem ter começado a colocar mel na sopa dos keynesianos de primeira hora, como Richard Stone e James Meade]. sigo repetindo que o valor adicionado tem três óticas de cálculo. e podia ter umas 25, 314, sei lá. o fato é que tem três e apenas três. e acho que o mal-entendido é que pensarmos que as três óticas de cálculo do valor adicionado são:
.a. independentes do próprio valor adicionado e
.b. independentes entre si.
pensar .a. é mostrar desconhecimento do primeiro princípio da filosofia: o ser é idêntico a si mesmo: se a ótica P é uma das formas de avaliar o VA, então segue-se que a ótica P é apenas uma das formas de avaliarmos o VA, não é isto?

no caso de .b., a situação é ainda pior. ou seja, quando queremos industrialização, pensamos que "produção" e "produto" são a mesma coisa. e que "produto" coloca a "renda" e a "despesa" na cadeirinha de praia do marcianinho de São Miguel do Gostoso. no outro dia, pensei que a equação da despesa Y = C+I fosse uma burrada de Keynes. rapidamente refiz-me e dei-me conta de que a burrada era minha mesmo: acho que o bom velhinho (se morreu jovem sempre foi jovem?) pensava algo como segue.

quero (diria lá ele, em português) o investimento, que aumenta a capacidade produtiva. investimento é ótica da despesa, então vou deixá-lo flanando solito (diria ele, se -ao invés de estudar em Cambridge-UK- tivesse estudado em Porto Alegre e Paris). e jogar tudo o mais que faz parte da ótica da despesa na letra C.

nada de errado. mas o que o Prof. Marcondes (nome fictício de um imbecil que ainda não aprendeu essa categorização interpretativa...) não entendeu é que, neste caso, devemos entender C como C+G+(X-M). ou seja, a absorção não-investimento. o próximo passo é pensarmos que a economia precisa investir para ser feliz, logo o governo precisa vender petróleo, sal grosso e o que mais seja, com cargos em comissão para políticos e seus sequazes. mas aí entra a turma chamada depreciativamente de input-outputers que não entendeu patavina. eles pensam que aumentar a produção implica necessariamente aumentar o produto.

quando ocorre o milagre de aumento da produção conduzir a aumento do produto (por exemplo, não houve incêndio nem terremoto), o que aconteceu não foi bem isto. o que foi?
.a. o emprego gerou produção
.b. a produção gerou valor adicionado
.c. o valor adicionado foi medido pela ótica do produto, da renda e da despesa e deu o mesmo valorzinho (não pode o produto dar 1.000, a despesa 999 e a renda 1.001, né, meu?).

uma coisa diferente é eu dizer que posso inventar um blim-blim-blim que diga que
.a. o produto é função dos fatores
.b. a renda é função de atributos humanos, oomo a educação, a inteligência emocional, a nutrição e seja lá que mais, além de baixarias como o gênero e a cor da pele.
.c. a despesa é função dos preços, da renda (mais rigorosamente, da receita, pois -como sabemos- sou aposentado e gasto em viagens internacionais) e de outros blim-blim-blins. por exemplo, de haver expediente no turno, como sei que Paris não me permitirá consumir na segunda-feira-matin, pois o comércio não abre.
não há nada de errado este tipo de modelagem; é o mesmo que dizer que, por exemplo, y é o número de cáries e x é a ingesta de açúcar e dizer que y=f(x). claro que o mundo não funciona assim, mas não podemos negar que é mais-ou-menos assim.

a verdade verídica, já disse várias vezes, é a seguinte: se a demanda final aumenta em $1, então o modelo de Leontief (que sabia contabilidade) te leva a achar um aumento de $1 no produto e outros (outros, no sentido de que ainda eram os mesmos, né?) $ 1 na renda. então por que colocar mais dinheirinho do Tesouro Nacional na produção de gasolina e não de escolas? acho que é porque ser diretor de escola paga menos do que ser gerente de posto de gasolina. e ser político que nomeia para diretor da Petrobrás tem mais poder do que político que nomeia para diretor de escola, compreendeu?

e se a negadinha gastasse em educação? a primeira consequência é que o valor adicionado cresceria da mesma forma que o faria na hipótese de que o gasto viesse a encaminhar-se à gasolina. e os cargos em comissão? estes começariam a tornar-se lugar comum, pois haveria abundância de gente educada, cairia o voto obrigatório, essas coisas. e a matriz de insumo-produto?

claro que gastar mais em, digamos, produção de gravatas tem menores linkages do que, digamos, automóveis. mas isto estaria apenas dizendo que há mais linkages, que se precisa de mais insumos por unidade de produto para gerar um automóvel do que uma gravata. mas segue a lógica do $1=$1=$1: o produto de uma gravata é igual à renda de um automóvel (e à despesa com esmolas) por unidade de produção.

o que eu lamento é que tem neguinho que é contra esmolas e a favor de cargos em comissão na Petrobrás para salvar o Brasil. e que um deles vai empalmar a presidência da república depois de Lula. e que a Petrobrás vai seguir dando cargos em comissão, que o voto seguirá sendo obrigatório, que não teremos orçamento (menos ainda sua universalização), essas coisas.

e que, como tal, o orçamento não vai ajudar a orientação da alocação dos recursos públicos na provisão de bens públicos e meritórios. eu disse "provisão" e não "produção". mas agora disse "produção" e não "produto", "renda" ou "despesa". essas coisas.

fazer um porta-aviões é bom. mas dar dinheiro para uma velhinha de São Miguel do Gostoso que -otherwise- não poderia manter-se equilibrada por 40, 60 ou 80 anos é uma baixaria inominável. e os linkages da velhinha, cedo ou tarde, levam ao porta-aviões. isto ensinaram-nos os pensadores pré-fisiocratas, os fisiocratas e todos os pensadores pós-fisiocratas. todos? não, não foram todos. essas coisas...

DdAB
p.s. podemos ver que não estou falando do Mar Adriático, pois encontro-me a menos de 1km de distância do Arroio Sena, este serpenteante curso dágua que atravessa Paris.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ainda me impressiono com as voltas em que seus textos dão em nossas mentes. Como pode pensar em escrever abaixo do céu, que imagino ser lindo, curtas as férias. hahahahah

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

é DSC: tá coberto de razão! olha a postagem de domingo. agora vou meter um rango e um trago no mercado de pulgas da Porte de Clignancourt oslt.
DdAB