19 fevereiro, 2010

Empregos Privilegiados

querido blog:
nunca sepode confiar excessivamente na internet. eu juraria que estas costas são de David, de Michelangelo. eu juraria estar em Florença e juraria ter visto vendedores ambulantes e dezenas de outros trabalhadores informais. e juraria ter pensado, mais uma vez, no problema do emprego e nas condições que fazem o homem ser um não-gato. quando estive aqui pela primeira vez, já pensava que havia algo de errado com não-sei-bem-lá-o-quê, mas na linha do fim do comunismo e dos limites do próprio estado capitalista, que hoje chamamos de nacional-desevolvimentismo.

naquela época, devisei o slogan "informação e fiscalização" como sendo o binômio definitório da ação governamental. então, Bowles não escrevera seu livro de microeconomia, eu não o lera e não modelava com suficiente ardor o papel da comunidade na vida societária. seja como for, se o governo tornasse a informação grátis, da mesma forma que tornou grátis os serviços médicos no Reino Unido e em outras paragens, os médicos ainda desfrutando de um padrão de vida substancialmente diferenciado do restante da população (que eles atendem e com quem, portanto, não podem identificar-se), haveria uma substantiva expansão da fronteira de possibilidades de produção, com visíveis ganhos societários.

com fiscalização haveria menos fraudes de tudo o que é tipo, inclusive esta fraude que são os trabalhadores informais. eles não pagam impostos, eles sujam as ruas, eles não têm compromissos com o que quer que seja, informação, fiscalização, o que seja, eles não têm garantia para seus produtos, eles vivem à sombra de outra indústria ainda mais problemática, a que os abastece, que vive por causa deles.

estes senhores tomaram as ruas de Florença, Paris, Pescara e todas as cidades em que já pisei, piso e pisarei. eles deveriam ser subornados a aceitarem empregos decentes (no jargão da Organização Internacional do Trabalho). eles gostariam apenas de sobreviver, não necessariamente mostrando-se insistentes em ganharem esmolóides, ou seja, arremedos de esmolas.

parece evidente que, com os atuais arranjos societários, não há empregos para todos. o que há -sim- é renda para todos, pois o teorema fundamental da renda diz que a renda corresponde a 100% da renda. ou seja, o problema não é de produzir os 100% mas de criar regras que permitam distribuí-los de uma forma que seja virtuosa sob o ponto de vista social.

claro que, não fossem os incentivos monetários que recebi da PUCRS durante 10 anos, eu não teria sido professor-pesquisador daquela loja universitária. mas, ao mesmo tempo, não é óbvio que fui privilegiado pelo fato de ter podido contar com um emprego de dar inveja a muitos economistas? Bowles discutiu, pela primeira vez de meu conhecimento, um artigo que discutia a razão que impede as empresas de venderem empregos. pois, contemplando aquele derrière de David, eu fiquei pensando quanto alguém estaria disposto a pagar, de sorte a tornar-se o indivíduo credenciado a restaurar alguma parte daquele mármore sito em proximidade ao Rio Arno. ou restaurar a Mona Lisa, lá do Rio Sena. uma grana.

ou seja, já que não podemos dar empregos para todos, que garantamos o ócio remunerado de todos. e os fiscais de camelôs seriam atraídos com rendimentos superiores aos da renda básica universal, ou seja, a renda que os próprios camelôs ganhariam para não fazer nada, inclusive não chatear os turistas nem fraudar o governo, essas coisas.
DdAB

2 comentários:

maria da Paz Brasil disse...

Aê, Duilio, adorei o post de hoje! Acho tecnicamente corretas suas colocações sobre informação e fiscalização. O grande problema é que a fiscalização é, na maioria das vezes, feita por “humanos.” e aí o bicho pega porque os humanos...deixa pra lá. Estou começando a pensar que tudo vai ficar melhor quando as catástrofes, que já começaram a pegar pesado com nossa raça (rs rs rs), devastarem uma quantidade muito grande dos bichos humanos. Aí, sim, os que restarem vão ter que reconhecer sua (deles) incompetência em gerir o futuro deixando-se dominar pelo impulso da lei de sobrevivência. Se assim for, chances are que as coisas melhorem... isto, se houver tempo... Pelo andar da carruagem a fatura que a natureza está cobrando é tão cara que o sofrimento que vem por aí aparentemente vai superar o problema do desemprego.
Fatalista?
Sim, por enquanto.
MdPB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

oi, MdPB:
estava com saudades! então houve sobrevivente(s) no carnaval! vou continuar daqui a pouco aquele assunto do emprego apenas para os mais iguais. mas teu tema também poderia ser derivado para mais considerações. eu aprendi com Samuel Bowles a valorizar a conceitualização da sociedade humana por meio da tríade comunidade-mercado-estado. e vim a entender que há alianças, como mercado-estado (petrobrás), estado-comunidade (SUS e conselhos comunitários de saúde) e mercado-comunidade ("adote uma praça", era legenda do PT em Porto Alegre). tenho pensado que apenas a relação de equilíbrio entre as três é que pode impedir a destruição do planeta. epa: falei "destruição", mas não acho que tal possa ocorrer: não espereis demasiado do fim-do-mundo.
DdAB