14 novembro, 2009

Crack: prá pensar

Querido Blog:
Primeiramente, devo declarar que uso óculos bifocais há mais de 22 anos. Não havia crack naquele tempo, o que não me impediu de sempre ter a sensação de milagre quando -ao lavar os óculos, que a própria gordura do ar os deixava fora de combate- percebia que ensaboava apenas um lado de cada lente e -em instantes- ambos os lados de ambas estavam ensaboados. Anos depois, já havia crack considerado como epidemia na sociedade brasileira contemporânea e -claro que independentemente disto- vim a descobrir que nada havia de milagre.

Todos sabemos que uma mão lava outra. Mal comparando, no caso, um dia, eu usava os óculos A e lavava os óculos B. Neste caso, a "resolução" visual do que eu fazia com as mãos, o sabão, os óculos e a torneira (e outros ingredientes não especificados) permitiu-me entender o fenômeno do ensaboamento de ambos os lados das lentes. Resolveu-se o mistério, fiquei mais velho mais de 22 anos, o crack tornou-se epidemia. O jornal Zero Hora lançou a campanha "Crack, nem pensar!".

Deuxièmement, hoje, o jornal Zero Hora, em um dos artigos assinados da página 17, cujo título é "Crack... como assim?", lemos o parágrafo final: "Acredito que, nesse sentido, temos que pensar o crack, sim, para que não continuemos a gerar outras armas de destruição de massas, como essa." Parece mentira. A postagem Crack e o MAL* e outras falam coisas similares. Em particular, lançou-se o dístico: "Crack? Vamos pensar nesta droga!!", ganhando em exclamações das interrogações por 2 x 1.

Se meus óculos não estão obnubilados pelo sabão, pela gordura do meio ambiente e por outras determinantes da opacidade do Universo Conhecido, estarei vendo na figura do Google Images que selecionei para ilustrar-nos nesta manhã nubladinha porto-alegrense um guri de, digamos, 9 anos de idade, mal saído da primeira infância. Mão direita, portando o que não seria um frasco de iogurte e mão esquerda está segurando um isqueiro Ronson & Ronson. As sandálias havaianas exibem, pelo que intuo, bom estado de conservação. A bermuda de bolsos laterais sugere que há uma camiseta ambas de boa qualidade literária, esta frase é que não nos saiu lá essas coisas. Manchas na parede de fundo sugerem que por ali esconde-se uma fuga dágua, ou -ao contrário- uma inflitração.

Troisièmement, torna-se claro onde quero chegar: ao final desta postagem. Não pretendo fazê-lo sem deixar claro como a foto e a frase misturam-se indissociavelmente em torno do conceito de Brigada Ambiental Mundial. Por que pensar na droga que é o crack? Premièrement, crack não deixa ninguém louco, a não ser um fumante de segunda mão. Ao contrário, podemos aceitar que neguinho com seus problemas psicológicos -ergo, desequilibrado- é que procura o crack como um alívio para as mazelas que lhe causa o sentimento de estar-no-mundo, como dizem os filósofos alemães (e todos os demais). Deuxièmement, o caminho da liberdade não é impedir a ocorrência de pensamentos deste quilate (claro que há técnicas cognitivas que poderão auxiliar-me a evitar certos pensamentos -digamos- desagradáveis). Ao contrário, o caminho da liberdade aponta para o enfrentamento da ameaça do crack, o exame criterioso das explicações para o funcionamento de seu mercado: oferta (crime, second hand smoking nos banheiros sociais do Grêmio Futebol Porto-Alegrense) e demanda (neguinho angustiado, neguinho já viciado, neguinho induzido, neguinho chantageado, neguinho enganado e todos os demais neguinhos relevantes, not to speak of determinates convencionais, como o preço, a renda dos consumidores, o número de consumidores, essas coisas que o estudante de Introdução à Economia deve sair sabendo a partir da primeira aula). Troisiemement, vício por vício, é melhor trocar o exercício da angústia existencial de estar-no-mundo pela angústia esportiva de superar-se, de progredir sempre. Num país que deseja o galardão de global player, é bastante irônico que as crianças (de sandálias havaianas, camisetinhas etc.) sejam jogadas a terem aulas dentro de containers, tenham 39 coleguinhas de aula, professorinha despida de maiores cuidados quanto à formação, à auto-estima etc.. No dia em que Garcia e Zorro puderem conviver harmonicamente, iniciaremos a equacionar o problema da educação fundamental, a base da criação de hábitos libertários ou escravitários, a base do consumo de crack ou de esporte. Quatrièmement, o crime organizado -que se nutre do dinheirinho do guri acima e milhões de outros- tem muito mais impacto numa sociedade de segundo time como a brasileira, comparativamente às sociedades de primeiro time, como a francesa. Cinquèmement, quem sabe contar até cinco com uma mão, que come mamão, que usa tênis, que visita a Disneyworld, que sabe francês, inglês e australiano, que conhece Bach, Bethooven, Bitels, Borodin e Rimsky-Korsakov não se vicia em crack nem em políticos ladrões.
DdAB

2 comentários:

maria da Paz Brasil disse...

Duilio, aproveitando o tema, passei o último fim de semana em São Paulo e estarreci com a quantidade de pessoas que se drogavam pelas ruas, a céu aberto e de um belíssimo azul. Incrível! a cena é dantesca. Isto ocorreu no sábado pela manhã, no Centro, e pelas 4 da tarde em uma estação do metrô que não lembro o nome agora. Na volta, conversando com minha filha sobre o assunto, ela disse, sem emoção:“Mamãe, o crack chegou pra equilibrar o excedente populacional do mundo atual” . Estarreci novamente. Simples assim. Emoção zero: Darwin. Sempre o pobre Darwin!

MdPB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

gente! eu tenho pensado sobre este ponto. o crack e seus sucessores de daqui a 10 anos são a salvação. no outro dia, comecei a pensar no que ocorre com um padre, digamos, fumante de segunda mão de uns eflúveos lançados pelo sacrisão entre um erguer de cibóreo e baixar de hóstia. cheirou, viciou, não é mesmo? o vilão é o tráfico. o vilão o tráfico é a repressão. o vilão da corupção é o enorme prêmio por causa do crime. e o crime é resultado da visão obtusa dos políticos (ergo, ladrões).
DdAB