Querido diário:
Segue-se aqui um paper que nunca cheguei a concluir. Agora retiro apenas os erros mais grosseiros, mantendo espaços para preenchimentos que nunca serão feitos, ou melhor, alguns espaços da versão anterior a esta publicação no blog foram preenchidos. Por exemplo, faltava o nome do livro de George e Joll que terei lido antes de 1988, mas cuja referência que agora encontrei na própria internet é de 1994. E referências ainda mais modernas, como o livro de Besanko, da Bookman, que li e amei em 2007 durante meu pós-doutorado em Berlim.
Considerações sobre o Papel da Diferenciação do Produto na Indústria
Porto Alegre, Abril de 1988 (o que é abril/1988? meu primeiro ano integral como professor de dedicação exclusiva na UFRGS, depois do período nov/1978 a jun/1980).1. Introdução
2. O papel da
diferenciação do produto
3. Classificação
dos mercados e o grau de diferenciação
Notas
l. Introdução
A contribuição da moderna indústria
brasileira para o processo de desenvolvimento econômico tem sido avaliada sob
inúmeros aspectos. Discutem-se questões tais como a propriedade do capital, o
grau de complexidade do parque industrial, a importância da indústria no
processo de substituição de importações, a questão da absorção da mão-de-obra,
e tantas outras. Sob o ponto de vista mais restrito do que o da economia do
desenvolvimento, o da economia (organização) industrial também estuda uma
miríade de aspectos.
Entre estes, pode-se destacar o
debate sobre o ingresso de capital internacional, a concentração industrial, as
barreiras à entrada de novas firmas nas indústrias, aspectos da conduta de
mercado, e tantos outros. Tantos são, na verdade, os aspectos a se considerar
para o estudo do setor industrial que a construção de um objeto de estudo
adequado torna-se fortemente uma questão de opção pessoal por parte do
pesquisador. O presente trabalho é fruto de um experimento didático em que foi
colocado um tema de pesquisa para um conjunto de estudantes de graduação e
deste tema deveria surgir uma monografia de cerca de dez páginas, em que
aparecessem aspectos teóricos e empíricos da diferenciação do produto por parte da empresa.
De que tema se trata, em termos mais
amplos, pode-se responder ser de Economia Industrial. Mais especificamente,
trata-se de discutir aspectos estruturais e de conduta de mercado. Ainda mais
fielmente ao título geral, busca-se investigar a diferenciação do produto em
algum tipo de mercado local de produtos industriais. Tem-se em mente a possibilidade de o estudante
fazer uma pesquisa teórica (bibliográfica) e testar até que ponto pode
aproximar-se empiricamente dos conceitos sugeridos pela teoria. Critérios
arbitrários levaram à escolha dos eletrodomésticos, em outubro de 1987 e abril
de 1988 em Porto Alegre.
Tal nível de especificação do objeto
de estudo ainda é bastante vago. Fogão e vídeo-cassete fazem parte do
"ramo duro", mas divergem entre si como a água do vinho. Por outro
lado, não apenas o "ramo mole" fica totalmente afastado, como também
fica assentado que não se estão estudando insumos, como o cimento, a soda
cáustica ou o fermento.
Ingressando mais especificamente na
área da organização (economia) industrial, busca-se auscultar os ruídos
emitidos pela turbulenta esfera do mercado. Para efeito de breve classificação,
podemos dizer que existem dois tipos de - dando por conhecido este conceito
- mercado: aqueles em que são
transacionados produtos homogêneos e outros em que os produtos são
diferenciados. O texto seguinte trás nas entrelinhas a seguinte questão
relacionada ao desempenho geral da indústria: qual a racionalidade de uma
sociedade possuir simultaneamente diversos produtos como substitutos próximos,
preços diferenciados e ... falta de alimentos.
É possível que uma questão assim tão
aberta não levasse a respostas sensatas em tempo razoável. Um primeiro elenco
de respostas para questões mais restritas encontra-se nas linhas abaixo. A
seção 2 estuda o papel da diferenciação do produto na descrição da estrutura e
da conduta da indústria. A seção 3 investiga a importância da diferenciação do
produto dentro da classificação usual dos mercados. Por fim, a seção 4 examina
alguns elementos da promoção de vendas como um dos elementos característicos do
comportamento industrial.
2. O papel da
diferenciação do produto
Ao se entender a moderna empresa
capitalista como sendo o locus da acumulação do capital, parte-se, de um
lado, para trilhar as vielas da microeconomia e, de outro, procura-se explicar
como a acumulação de capital - questão
fundamental da macroeconomia - pode ser
analisada em seu nascedouro. Ambos os lados levam a que se insira a
problemática da diferenciação do produto como um capítulo do crescimento da
empresa. Com efeito, a diferenciação do produto constitui um dos elementos
fundamentais para a descrição tanto da estrutura das diferentes indústrias como
da conduta das empresas no mercado. Sob o ponto de vista da estrutura
industrial, diferenciar o produto significa erigir barreiras à entrada de novas
firmas na indústria, não favorecendo a desconcentração.
No que diz respeito à conduta,
estudar a diferenciação do produto remete ao entendimento de uma das maneiras
que a empresa tem de expandir seu poder de mercado e, portanto, ganhar algum grau de poder de monopólio. Significa isto a permissão de lançarmos um olhar pela
janela indiscreta do capitalismo. Deixando de lado a porta de entrada da
fábrica, estudar a diferenciação do produto como elemento da conduta de mercado
permite que se apreenda algo com a turbulenta esfera da circulação, ambiente em que a concorrência se mostra visível com a maior nitidez.
Falar em concorrência, no presente
contexto de maior ou menor grau de monopolização, implica trazer do umbral a
questão da instabilidade e incerteza características do capitalismo. De acordo
com Thompson*1 (p.41), podemos destacar os seguintes fatores como criadores de
instabilidade no mundo econômico: a) mudanças na tecnologia, b) deslocamentos
nos gostos e preferências do consumidor, c) ingresso de novos concorrentes no
mercado da firma, d) incertezas políticas, no que diz respeito a novas
legislações, manutenção de tarifas e quotas de importação, e) impactos das
políticas fiscal e monetária, g) variações nos insumos, preços, taxa de
salários, disponibilidade de mão-de-obra, e outras.
Os fatores causadores de
instabilidade, por se localizarem fora do controle da empresa, criam-lhe um
mundo de incerteza, cuja melhor forma de combater é o próprio crescimento.
Expandindo-se horizontal e verticalmente e se diversificando, dentro de certos
limites, a empresa reage mais apropriadameente a essas pressões desestabilizadoras, o que se
traduz em verdadeira compulsão a crescer. "Acumulai, acumulai!",
descreveu Marx.
Ao escrever o Volume 2 d'O
Capital, Marx dedicou explícita atenção à circulação das mercadorias. Mesmo
dizendo que seu "salto mortal" se dava dentro da fábrica, atribuiu à
circulação funções decisivas no processo de desenvolvimento capitalista.
Discutiu ele explicitamente a questão dos estoques, da contabilidade e do, em
nossas palavras, departamento de compras*2. Aqui, contudo, interessa discutir
outro departamento, o de vendas.
Com efeito, no mundo das
mercadorias, é fundamental produzirem-se bens e serviços que atendam às
necessidades humanas. Ocorre que, à medida que mesmo as necessidades biológicas
assumem contornos definidos pela sociedade, não basta a existência da
necessidade para que se efetive o consumo. Isto porque o consumo só pode
ocorrer após ao menos duas transações de mercado: a venda de uma mercadoria que
propicie dinheiro, o qual será gasto na aquisição da mercadoria destinada ao
atendimento da necessidade a ser debelada. Na sociedade que engendrou uma teia
de relações sociais voltada à acumulação de mercadorias, estas concorrem entre
si. Mais exatamente, os donos de mercadorias concorrem entre si, no sentido de
colocar sua produção nas mãos do consumidor, em troca de seu dinheiro*3. Por
isto é que os bens e serviços que são levados ao mercado necessitam de uma
campanha de promoção de vendas.
Nestas circunstâncias, interessa-nos
aprofundar o entendimento da concorrência que tem lugar entre os produtores.
Esta pode ocorrer com base nos preços, situação em que um preço mais baixo é mais
competitivo do que um mais alto. Os economistas (Galbraith:187)
falam em um preço de mercado, um líder de preços, etc., enquanto que o fato
observado é que praticamente cada produto tem um preço diverso dos demais. Não
obstante, pelo menos desde os anos 20, discute-se a questão da rigidez de
preços, isto é, até que ponto as empresas competem entre si reduzindo seus
preços. Também neste caso, há evidência de que existem reduções de preços no
mundo dos negócios, haja vista as liquidações de fim de estação, as
"ofertas da semana", "queimas de estoques", e similares.
Esta problemática tem, até os dias
atuais, gerado celeuma, mas foge ao escopo do presente trabalho
discuti-la em maior profundidade*4. O que importa reconhecer aqui é que também
existe um grande potencial de concorrência entre as empresas, que se dá por meios diversos da política de preços. Aliás, se houvesse concorrência apenas com
base em preços, é possível que permanecessem na indústria apenas as empresas de
grande escala, com muito mais nítida tendência à concentração. Parece, assim,
que quanto menor o grau de diferenciação, maior a possibilidade de
monopolização. Considerando que o capitalista individual foge da concorrência
como, por assim dizer, o diabo da cruz -
na medida que esta reduz os lucros monopolísticos - é natural que tenham surgido formas menos
letais de diferenciação do produto que não as associadas à guerra de preços.
Deste modo, é lícito sustentar que a
diferenciação do produto aparece como um elemento da conduta industrial
enquanto destinada a reduzir as pressões no sentido de rebaixar os preços, o
que - tal como o fênix - faz surgir nova forma de concorrência: aquela
que não se baseia em reduções de preços. Ao contrário, a diferenciação do
produto bem feita torna cada produtor um monopolista, situação em que ele pode
... elevar os preços.
Mesmo as indústrias mais
circunspectas, como é o caso da produção de aço, oxigênio, cimento, ácido
sulfúrico e outras, cujo produto não é fisicamente diferenciável, com
frequência se lançam a promover as vendas. É o que informa, por exemplo Caves
(abcz), ao mencionar um estudo que
refere os gastos com clientes em clubes noturnos. Tais gastos, na classificação
adiante referida, receberá o título de relações públicas. Não é difícil
contabilizar-se tal tipo de gasto deve ser descarregado no preço do produto,
elevando-o.
3. Classificação
dos mercados e o grau de diferenciação do produto
No texto acima, foi mencionado
diversas vezes o termo indústria. Dada sua importância não menor que ambiguidade,
é forçoso apresentarem-se algumas considerações sobre ele, mesmo que isto
implique em novas considerações sobre o conceito de produto. Com efeito, as
definições de indústria e produto são complicadas e sujeitas a amplas
controvérsias. Todavia, é pacífico que o conceito de mercado deve auxiliar no
entendimento da questão.
O conceito de indústria operado por Alfred Marshall informa que se pode tratar homogeneamente ao conjunto de empresas que produz um
produto similar, lançando mão de um processo similar. A primeira crítica a este conceito
apareceu em 1925, originando-se do economista italiano Piero Sraffa. Mencionar
o argumento sraffiano, lançando mão do trabalho de Clifton, implica reconhecer que as empresas
produzem bens substitutos, mas que dada a inter-relação entre suas demandas
pelo mesmo elenco de insumos, as variações na demanda pelo produto de uma delas
hão de repercutir nas curvas de custos das demais. Isto implica a destruição do
conceito de oferta da firma e, por consequência, na destruição marshalliana da
própria curva de oferta de mercado. Não havendo oferta de mercado, tampouco se
pode conceber a existência de uma indústria, no sentido de Marshall.
Independentemente de Sraffa, por
essa época, Chamberlin (abcz) chegava a conclusões similares, que estão
expostas no livro A teoria da concorrência monopolística. Enfatizando o
papel da diferenciação do produto como prática corriqueira no mundo real,
Chamberlin substitui o conceito marshalliano de indústria pelo conceito mais
restrito de grupo, que pode ser definido a partir da magnitude do conceito de
elasticidade cruzada da demanda*4.
No atual contexto, pode-se
estabelecer o conceito de indústria como sendo o conjunto de empresas que
produz um produto relativamente homogêneo, utilizando processos produtivos
relativamente homogêneos. Deste modo, por exemplo, mais correto do que referir
a indústria do calçado é especificar que se trata dos produtores de pares de
calçados de couro para homens. Isto exclui não apenas calçados para mulheres,
mas também calçados de borracha. Sem mencionar os calçados de couro sintético,
de qualquer modo, ainda permanece a heterogeneidade do produto, dado que
sapatos de couro para homens podem assumir tamanhos diversos.
Usando um outro exemplo, pode-se
pensar na indústria do material de transporte, e situar apenas o transporte
rodoviário, o que leva à menção de pelo menos cinco produtos: automóveis,
caminhões, motocicletas, ônibus e tratores. A rigor, trata-se de cinco
indústrias diversas, pois fisicamente caminhão e motocicleta são
diferentes. Dependendo dos objetivos, também existe uma grande diferença entre
um caminhão com motor a explosão de gasolina de outro movido a álcool e de um
terceiro cujo combustível é óleo diesel. E o mesmo se pode fazer ao falar de
automóveis como o Santana e o Chevette.
Em outras palavras, em certo nível
de aderência ao mundo real, alguns produtos são homogêneos e outros são
diferenciados. Tangenciando a questão da investigação empírica, o mesmo se pode
dizer dos eletrodomésticos. De acordo com a classificação usada por seus
vendedores ao consumidor, eles fazem parte do "ramo duro", na
companhia de mobília e panelas, em oposição a verduras ou bebidas, que habitam
o universo do "ramo mole".
A constatação de que as empresas
diferenciam seus produtos é bastante antiga, embora apenas com Chamberlin e
Sraffa ela tenha chegado a incorporar-se à teoria. O próprio Chamberlin (p.272)
reproduz uma referência de 1742, dizendo que "cada vendedor particular tem
sua marca ou selo particular". Isto nos remete à República Veneziana
(conf.), que reconhecia não apenas o direito de o inventor explorar com
exclusividade seu invento, patenteando-o, como também o papel das marcas.
Sweezy (abcz) menciona que Sombart também identifica a
crescente tendência à diferenciação do produto. Ademais, Baran e Sweezy
(abcz:123), citando terceiros, trazem a seguinte passagem de um periódico de
1905, o Printer's Ink:
"Estamos
na época áurea das marcas registradas -
uma época em que quase todos os fabricantes de um produto digno podem
estabelecer as linhas de uma procura que não só crescerá com os anos, além de
qualquer coisa que se tenha conhecido antes, como também se tornará, em certas
proporções, um monopólio."
Também Marx identificara este
fenômeno, a julgar por sua referência à "fantasia dos vendedores ou
fabricantes de termômetros". Parece que se está referindo a certo poder,
ainda que temporário, dos ofertantes. Ver Guatarri.
A obra de Chamberlin vai além da
identificação do fenômeno, como já foi dito. Além disso, autores como Bain
(1967) dizem que se encontra implícita
em sua obra a classificação dos mercados que hoje molda o aprendizado em todos
os paradigmas. Como se trata de discutir um tipo particular de poder, o de
mercado, pode-se pensar que tal poder é uma função do número de vendedores.
Assim, há basicamente três grandes grupos de mercados: os com muitos
vendedores, os com poucos vendedores e aqueles com apenas um vendedor.
Os primeiros podem ser divididos em
mercados de concorrência pura (ou perfeita, caso se queira) e monopolística. Os
mercados de poucos vendedores são os oligopólios puros ou homegêneos e os
heterogêneos*5. Ainda segundo Bain (1967:268), o número de vendedores é
absolutamente grande quando há mais de cem empresas. É claro que este é um
número tentativo, que não contesta o conhecimento de estatística*6.
Ao analisar a obra de Chamberlin,
Bain (1967:279) chama a atenção para outro aspecto, fundamental para o
presente contexto. Trata-se da formulação de uma teoria do preço (ou do valor,
como diz o subtítulo do livro de Chamberlin) que contemple também os custos de
vendas como variáveis a serem levadas em conta, ao lado das tradicionalmente
apontadas na análise marshalliana.
A contribuição do professor de
Berkeley para a história da teoria da firma reside na criação do conceito de
condição à entrada. No caso extremo de concorrência pura, como se sabe, o
produto é homogêneo e seu preço visto como um parâmetro pelos produtores, os
quais têm controle sobre uma única variável - a quantidade a ser produzida.
Neste mercado, a concorrência é tão acirrada que a empresa é levada da desejar maximizar
sua eficiência produtiva. Com o preço dado, sua única possibilidade de auferir
lucros extraordinários é ter um nível de custos inferior ao da média que produz
os produtos substitutos (perfeitos) dos seus. No extremo oposto, onde não há
produtos substitutos, o monopolista pode estabelecer uma combinação de preço e
quantidade produzida que o levam a uma posição sobre sua curva de demanda cuja
distância à curva de custo médio é a maior possível, o que o leva a alcançar o
objetivo de maximizar lucros.
Deixando de lado os chamados
monopólios naturais, que têm uma componente técnica indiscutível (e.g., não é
razoável imaginar-se a existência de vinte empresas prestando serviços
telefônicos convencionais num mesmo local), o mundo real é avaro em fornecer exemplos duradouros
de monopólios. Isto leva a que a atenção seja centrada sobre as práticas de
diferenciação do produto em mercados de concorrência monopolística e
oligopólio. Cabe insistir que não se trata aqui de explicar o preço de mercado,
mas sim o que leva as empresas a terem um preço de quase monopólio*6.
Dando como suficientemente
explicadas as políticas de preço-quantidade pelos modelos de concorrência e
monopólio, o aspecto peculiar dos modelos "imperfeitos" ou
"monopolísticos" é a questão genérica da promoção das vendas. Isto
não implica dizer que as empresas não usam o preço para diferenciar seu
produto. Elas o usam tanto para barrar a entrada de novos concorrentes, como
para isto, mesmo sabendo - e por isto
mesmo - que há produtos de outras
empresas que são substitutos próximos: várias empresas produzem automóveis, mas
apenas a, por exemplo, Volkswagen produz (ou produzia) o "Fusca, o carro
mais querido do Brasil". Seu monopólio, porém, é relativo, pois a Ford, a G.M., a Renault, a Mazda e outras também produzem automóveis.
Resumidamente, pode-se dizer que há
três formas de diferenciar o produto. A primeira diz respeito à diferenciação
com o preço, o qual pode exprimir também diferenciais de qualidade com relação
aos produtos concorrentes. As outras duas dizem respeito à diferenciação de
caráter objetivo (e.g., desenho e outras propriedades físicas da mercadoria) e
à de caráter subjetivo (e.g., a publicidade persuasiva e o desenho da embalagem).
As duas últimas formas de
diferenciar o produto implicam a elevação do preço, ou deliberadamente, devido
ao aproveitamento da lealdade à marca, ou imposta pela elevação do custo médio
de produção. Não se deve confundir a utilização de mecanismos de diferenciação
diversos da manipulação do preço com a existência de um preço único no mercado:
evadir a concorrência com o preço não implica necessariamente a existência de
um preço único. Com efeito, a concorrência sem
nenhuma diferenciação de preço torna-se cada vez mais rara, e terá lugar, com
base na classificação acima, em elementos objetivos ou subjetivos vinculados a
um produto específico, à marca e/ou certas comunalidades a certos elencos de
produtos, por exemplo, terem o padrão Gradiente.
Existem duas funções importantes
associadas à publicidade em particular e a outras formas de promover vendas*7.
A primeira delas consiste em transferir informação ao comprador e, mais
especificamente, ao consumidor, no que diz respeito às características do
produto e, portanto, do que o torna diferente dos demais. Costuma-se reconhecer
que esta forma de diferenciação carrega claros benefícios para a sociedade.
Isto não implica dizer que esta informação será passada gratuitamente. Ela pode
elevar custos e preços, uma vez que, cada vez mais, a informação se transforma
em nova modalidade de capital*8. Aquilatar se o que se está referindo é um benefício líquido
só pode ser julgado caso a caso*9.
A segunda função consiste em
reforçar as preferências do consumidor, isto é, persuadi-lo a adquirir certo
produto. Desde Marshall, tal prática é vista como provocadora de distorções
alocativas e distributivas. De acordo com Leibowitz e Post (abcz:7), a
propaganda de caráter persuasivo se baseia no suposto psicológico de que
"a percepção depende em parte das expectativas do observador". Por
isto, é visível a inter-relação entre os anúncios e as modificações no
comportamento dos compradores. Neste contexto, pode-se dizer que as mensagens
mal-sucedidas podem ser modificadas e transformadas em novas campanhas de vendas,
o que gera novos hábitos, e assim por diante.
Esses dois aspectos da diferenciação
levaram à criação do adágio que diz que "a propaganda é a alma do
negócio". Com efeito, a criação de lealdades a marcas*10 eleva as
barreiras à entrada na indústria, aumentando o poder de monopólio das empresas
que diferenciam. A curva de demanda da empresa promotora de vendas desloca-se
para a direita, experimentando uma rotação que a deixa mais inclinada. Por isto
é que se pode afirmar que a tentativa de deixar a curva mais inelástica é a
própria tentativa da empresa em se tornar "mais" monopolista.
A seguir, apresenta-se uma longa
listagem, entremeada de breves comentários, das formas correntes de se
diferenciarem produtos. A realidade, porém, se encarrega de mostrar que essas
formas de diferenciação aparecem, muitas vezes, como complementares. A forma mais direta de promover
vendas consiste na criação de um departamento de vendas na empresa produtora, o
qual se incumbe de estabelecer a política geral a ser seguida. A atividade mais
diretamente controlável da promoção de vendas consiste na criação de um quadro
de vendedores da própria empresa, incumbidos de identificar o comprador e lhe
apresentar o produto. Esta é a forma mais usual e efetiva da promoção de
vendas de insumos e bens de capital, cabendo esclarecer que também é adotada
para a comercialização de produtos finais. Neste caso, deve-se mencionar a
empresa Avon, que utiliza os vendedores como praticamente o único elo com os
consumidores de suas perfumarias e cosméticos.
Uma estratégia usual adotada pelo
departamento de vendas consiste em fazer demonstrações nos locais das vendas a
varejo. Também é um elemento importante da promoção de vendas a instalação de
postos de vendas da própria fábrica, referendando a legenda: "do produtor
ao consumidor". Uma forma um pouco mais hostil para o bem-estar público
consiste em realizar o que se tem chamado de "vendas casadas", as
quais se caracterizam por forçar o varejista a adquirir produtos de menor
procura, acompanhando os produtos de maior colocação no mercado. Por fim, cabe
mencionar as subvenções aos varejistas como instrumento de fazê-los deslocar a
colocação de produtos concorrentes pelo da empresa promotora.
Sem dúvida, a forma de promover
vendas que alcança um público mais variado consiste na divulgação de mensagens
publicitárias. Estas, por apresentarem grandes vazamentos (nem todo o receptor
é consumidor), reúnem uma notável massa de recursos. Apesar desses vazamentos,
contudo, a publicidade é comprovadamente um meio eficaz de deslocar a demanda
pelo produto da firma e reduzir-lhe a elasticidade. A publicidade utiliza
amplamente os meios de comunicação social, como o jornal, o rádio, a televisão,
e outros, como o cinema, cartazes (outdoors), folhetos, etc., mas também outros instrumentos, abaixo detalhados, no local da compra.
Podemos agrupar a terceira forma de
promover vendas num conjunto de táticas vinculadas aos aspectos objetivos do
produto. A problemática da pesquisa e desenvolvimento se enquadra neste grupo,
como responsável pelas inovações em produtos, tanto sob o ponto de vista
tecnológico (e.g., o degelo automático de um refrigerador), como sob a
perspectiva de seu desenho, variação em seu aspecto, o uso de novas formas e
cores (por exemplo, no caso do refrigerador, o uso utilitário da parte interna
da porta), etc. Esta forma inclui-se a própria qualidade do produto como
elemento diferenciador com relação aos concorrentes. Isto, é claro, pode ser
reforçado por outros meios de promover vendas, utilizando e reforçando o
prestígio da marca. Muitas vezes, o uso de embalagens vem a constituir-se em
poderoso instrumento de diferenciação, em virtude das possibilidades de seu
reaproveitamento, características anatômicas, ou mesmo a apresentação artística
de dizeres e desenhos*11. Por fim, é oportuno referir a controvertida questão
da obsolescência planejada, que induz ao consumo de novas unidades do produto
ao estabelecer algumas das mudanças aqui referidas nos modelos (formas e cores
e outras alterações "cosméticas") e também ao reduzir deliberadamente
a vida útil dos componentes*12.
A quarta forma de diferenciar o
produto consiste em manipular a qualidade do serviço que o acompanha*13. A
legenda deste grupo estaria associada ao mote de que "informação é dinheiro",
o que é mais facilmente discernível na publicidade do que neste grupo. Lá, o
caráter do malefício social é mais visível do que nesta forma. Prestação de
serviços exige mão-de-obra menos qualificada ou facilmente treinável. Em outras
palavras, o custo com vendas mais rentável é aquele que usa menos trabalho
humano imputado do que os demais. Esta forma inclui a garantia de qualidade
sobre o produto inteiro ou certos componentes. Reduzindo a incerteza associada
à compra, principalmente dos chamados bens de experiência ou crença, predispõe
o consumidor a preferi-lo. Sua generalização entre esses bens e mesmo para
certos bens de busca (e.g., os dizeres de "melhor consumir até" tal
data) é o mais eloquente atestado de sua eficiência. Da mesma forma, a assistência
técnica garante, em geral, que o produto voltará às mãos de seu dono, pelo
menos em iguais condições à chegada (reduz-se o risco de
"depenagens", danos em outras partes não defeituosas). Esta pode ser
um bom elemento para aproveitar economias de escala dos consertos que escaparam
do controle de qualidade e levam à reparação garantida. Este serviço é de tanto
melhor qualidade conforme se situe o mais proximamente possível ao
consumidor*13.
Em ambos os casos, trata-se de
explorar em seu próprio benefício o conhecimento fornecido aos consumidores.
Uma forma um pouco diferente é a emissão de manuais de instruções. Também se
pode incluir nesta forma a gentileza do pessoal que atende o público, dos
motoristas dos veículos identificáveis com a empresa, de telefonistas, o uso de
uniforme, etc. Por fim, cabe referir as atividades de relações púbicas em geral
(incluindo o "serviço de assistência ao consumidor"), e as de
publicidade institucional e o patrocínio de atividades culturais, recreativas,
científicas e beneficentes. Trata-se de fazer gestos de boa-vontade que cativem
os consumidores reais e potenciais.
Outra forma de promoção de vendas
relaciona-se à utilização de mecanismos pecuniários. Além das ofertas especiais
e de fim de estação, que se associam mais diretamente à diferenciação com
preço, pode-se mencionar a condenável prática de suborno ao pessoal do
departamento de compras, e as vendas a crédito. Neste caso, a empresa torna-se
claramente um intermediador financeiro. Ainda outras formas de diferenciação do produto
incluem as vendas pelo reembolso postal e a recente "venda de fim de
semana", a distribuição de amostras-grátis e a possibilidade de o
consumidor, usar
experimentalmente o produto em sua própria casa ("satisfação garantida ou
seu dinheiro de volta").
Além do escrito nas entrelinhas do
texto acima sobre as desvantagens da diferenciação, cabe um parágrafo final
sobre elas. O modelo de Chamberlin e Robinson permite avaliar-se, sob o ponto
de vista estático, a maior desvantagem dos mercados cujos ofertantes têm algum
controle sobre a demanda: concorrência monopolística e oligopólio*14. Trata-se
do dilema entre utilizar plenamente a capacidade ou minimizar custos. Também se
reconhece como desvantagem da diferenciação a retirada do uso produtivo de um
certo montante de recursos, aplicando-o na promoção das vendas. Sem a promoção
das vendas, segundo Chamberlin (p.273), criar-se-iam "mais empregadores e
mais empregados". Por fim, também se reconhece que a diferenciação
excessiva também é perniciosa sob o ponto de vista do bem-estar social. Como
ilustração deste ponto, vale a pena mencionar o estudo de Marshak (abcz) sobre
a indústria de sabonetes americana, no qual refere a existência de uma empresa
produzindo os seguintes sabonetes: Camay, Cascade, Cheer, Comet, Dash, Dreft,
Duz, Ivory, Joy, Lava, Oxydol, Spic'n'Span, Tide e Zest.
Notas
1. Ver também
Chandler (apud Averitt). Este autor incluiria na lista acima a questão do
poder de mercado dos próprios compradores.
2. Não me parece
temerário dizer que Marx está discutindo o conceito de transaction costs,
incorporado pela teoria econômica acadêmica anos depois.
4. Blair (1972)
apresenta um bom resumo das controvérsias.
6. Sylos-Labini
fala também nos oligopólios concentrado-diferenciados. Vários outros autores
importantes, como Machlup, também trabalham com a classificação acima.
7. Para muitos
estatísticos, a partir do tamanho 30, as distribuições t passam a confundir-se
com as normais. Na linha do estabelecimento de números cabalísticos (mais ou
menos ajuizados), Archibald e Rosenbluth
sustentam que, quando um mercado conta com pelo menos quatro produtos
com características diferentes, suas curvas de demanda são independentes, e o
grau de independência é uma função direta do número de firmas. Conferir George e Joll, 1995:217-8, onde também se pode encontrar uma exposição moderna da
teoria da diferenciação.
8. Isto é feito
pela vertente da chamada teoria do preço-limite, cujas postulações originam-se
em Bain e Sylos-Labini e foram magistralmente reunidas por Modigliani. Esta
abordagem, por seu turno, permitiu o revigoramento de uma tradição que alia a
formulação da política de preço à do investimento.
9. Conferir Marshall (abcz).
10. Cf. Locksley abcz).
11. Costuma-se
arrolar à diferenciação do produto também um papel de desejabilidade pela
sociedade, invocando que esta confere estabilidade à indústria, uma vez que,
como resposta aos altos custos com a promoção de vendas, a participação das
firmas na demanda da indústria é estável.
12. Tão potente é
a ideia da marca para a percepção do consumidor, que entre as metonímias
reginais gaúchas encontram-se as de chamar cerveja de brahma e regrigerador de frigidaire.
11. Desperta
interesse a existência de proteção legal para a defesa da originalidade ou da
forma de apresentação das embalagens, através de patentes ou copy-rights.
12. Discutindo a
questão da obsolescência planejada, Chevalier (abcz:214), baseado em estudos de
terceiros, menciona que os aparelhos domésticos europeus lançados na década de
30 possuíam uma vida útil de 34 anos, a qual se reduziu a 8 anos na década de
60.
13. Tauille e
Locksley levam-me a crer que esta é uma forma extremamente eficaz de construir
a lealdade às marcas e com isto continuar vendendo algo ao consumidor: o
produto original, um sucedâneo próximo, ou outro, como é o caso do serviço.
13. Aliás, como o
local da venda (ou próximo ou acessível a baixo custo).
IDEIAS NÃO USADAS NO
PAPER SOBRE DIFERENCIAÇÃO DO PRODUTO EM ELETRODOMÉSTICOS
As vezes, os ofertantes mudam a
unidade de medida para parecer oferta muito especial: toalha a quilo. Também há o recorte de três margarinas pelo preço de duas. As feiras de
antiguidades ainda trazem sobrevida ao salto mortal das mercadorias. Já anotei que os
varejistas dão seu nome a certos produtos? Zaffari com arroz, Budgen com
detergente, Panvel com protetor solar. Dont't forget price per hour, as in Berlin 's public transport: 2 hours and
consume all possible trips. The
same with food in some restaurants. Envelopes: um
pacote de 100 envelopes mais bonitos por um preço igual a 100. E outro mais
feio de mesmas dimensões com 25 unidades por 50. E' óbvio que levo o primeiro,
mesmo se quisesse apenas 10 envelopes. Falar sobre
flexible specialization e os produtos altamente diferenciados. Hoje sei que
isto é consequência do milagre japonês. Seria ridículo
pensar, dada a própria forma de grampeador contemporâneo, em vender grampos por
unidade, mas exagera-se ao invés de um pente, vender caixas que duram anos a
fio, ou são extraviadas. A inflação
atua como ajustador de preços: marca um preço alto, não vende, até que esta
reduza o preço relativo. Um ajuste de
quantidade é aumentá-la a um certo preço: e.g., paga o mesmo, mas a mulher
também viaja no mesmo avião. "A Revolução Industrial no fim do século XVIII possibilitou a produção em
massa de bens, o que permitiu criar economias de escala que mudaram toda a
economia, e a sociedade, de maneira que ninguém teria imaginado na época.
[...]"
REFERÊNCIAS
BAIN, Joe ( ). Barriers to New Competition: their character and consequences in manufacturing industries.
BESANKO, D.; DRANOVE, D.; SHANLEY, M.; SCHAEFER, S.. A Economia da Estratégia. 5ª Edição. Porto Alegre: Bookman, 2012.
CLIFTON, James A. Competition and the evolution of the capitalist mode of production. Cambridge Journal of Economics. Vol. 1, No. 2 (June 1977), pp. 137-151.
GEORGE, Kenneth D.; JOLL, Caroline; LYNK, E. L. Industrial Organization: competition, growth and structural change. London: Routledge, 1995.
MASON, E.S. Price and Production Policies of Large-Scale Enterprise. American Economic Review, v. 29, nº. 1, Supplement, Papers and Proceedings of the Fifty-first Annual Meeting of the American Economic Association, p. 61-74, Mar., 1939.
PORTER, Michael.E. Estratégia Competitiva. 7 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1986.
SYLOS LABINI, P. "Oligopolio e progresso tecnico, Einaudi, Torino; English translation: Oligopoly and Technical Progress." (1962).
THOMPSON Jr. Arthur. The theory of the firm. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
DdAB
BESANKO, D.; DRANOVE, D.; SHANLEY, M.; SCHAEFER, S.. A Economia da Estratégia. 5ª Edição. Porto Alegre: Bookman, 2012.
CLIFTON, James A. Competition and the evolution of the capitalist mode of production. Cambridge Journal of Economics. Vol. 1, No. 2 (June 1977), pp. 137-151.
GEORGE, Kenneth D.; JOLL, Caroline; LYNK, E. L. Industrial Organization: competition, growth and structural change. London: Routledge, 1995.
MASON, E.S. Price and Production Policies of Large-Scale Enterprise. American Economic Review, v. 29, nº. 1, Supplement, Papers and Proceedings of the Fifty-first Annual Meeting of the American Economic Association, p. 61-74, Mar., 1939.
PORTER, Michael.E. Estratégia Competitiva. 7 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1986.
SYLOS LABINI, P. "Oligopolio e progresso tecnico, Einaudi, Torino; English translation: Oligopoly and Technical Progress." (1962).
THOMPSON Jr. Arthur. The theory of the firm. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
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P.S.: Pleonexia? é o sentimento que o indivíduo patológico tem de pensar
que sua parte na divisão de algum bem ou serviço escasso está subestimada,
quando esta está perfeitamente avaliada (não estou falando que era x ou y mas
apenas que às vezes todos temos esta patologia, ontem, por exemplo, eu queria
ter comido dois torrones no avião, mas ganhei apenas um.
P.S.S: tá na cara que aquela torre da British Telecom pode ser feita tudinho por computador e plantada, com o terconite, sobre a coroa solar, sei lá aonde.
P.S.S: tá na cara que aquela torre da British Telecom pode ser feita tudinho por computador e plantada, com o terconite, sobre a coroa solar, sei lá aonde.
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