Querido diário:
Eu podia saber desde antes, o fato é que tornou-se claro em minha mente apenas agora. Henrik Ibsen é autor de... bem, deixemos a Wikpedia falar:
Hedda Gabler é uma peça teatral escrita pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Publicada pela primeira vez em 11 de dezembro de 1890, pelo inglês William Heinemann, em Londres, na língua norueguesa, com uma tiragem de apenas 12 cópias, 5 dias depois foi publicada pela Gyldendalske Boghandels Forlag (F. Hegel & Son), em Copenhague e Christiania, em 16 de dezembro de 1890, com uma tiragem de 10000 exemplares.
Que tenho eu a ver com isto, que tem 'Ulysses' a ver com isto? Falemos em mim, como dizem, o burro vem primeiro. Eu achei estranho que a primeira edição desta peça teatral tenha tido apenas 12 cópias. 12? Apenas 12? Isto parece a Editora GangeS, cujas edições nunca excederam 1,000,000 exemplares. E falando mais em mim: não acredito que, em 1890, em pleno 1890, a Noruega, que hoje tem 5,2 milhões de habitantes, tenha feito aquela edição em língua vernácula de dez mil exemplares. Então quase 30 anos depois, a primeira edição de 'Ulysses', de James Joyce, teve apenas seus 2.000 exemplares parisienses. Dizem os comentadores de meus livros que se trata de uma editora chamada Shakespeare & Company (rue de l'Odeón, número 7, Paris), de propriedade da americana Sylvia Beach.
Pois agora entramos no título da postagem. Gabler? Que é Gabler? Que é Penguin? Isto já sabemos ao ler aqui. Que é Gabler, repito? Não é 'que', mas 'quem'. É um ser humano, um alemão que ficou famoso por seu trabalho de edição sobre os incontáveis materiais já publicados sobre 'Ulysses', inclusive as edições de diferentes editoras. E, como tal, não se pode deixar a S&C de lado, pois o próprio Joyce leu e corrigiu várias provas e fez pilhas de correções sobre elas nas edições de 1926, 1932, 1935 e 1936.
E Gabler? Aí voltamos a minha pessoa. Precisamente no dia 17 de junho de 2015, uma destemida quarta-feira, fui buscar um livro que encomendara no Beco dos Livros da Rua da Ladeira e, na saída, vi uma edição de 'Ulysses' que me pareceu desconhecida. Não era, pois apenas variava a capa de alguma outra em inglês, que vou chamar de Penguin/B. Quando me dei conta de que era o que não era, ou melhor, era o que eu não queria, informei ao livreiro de meu interesse nulo, mas ele redarguiu avisando sobre a disponibilidade de outro exemplar. E simplesmente mostrou-me este que ora trago em mãos, a famosa obra editada em 1986 por Hans Walter Gabler e publicada pela Vintage Books de Nova York. Comprei-o, claro, afinal, estamos no mundo em que o progresso da sociedade marca-se por uma imensa acumulação de mercadorias, eis que esta -em particular- poderia revelar seu segredo... E não vou dizer aqui o preço, para não matar de inveja alguns não-resolvidos leitores do blog (raríssimos, pelo que pude constatar na pesquisa que conduzi com um grupo focal). Ao mesmo tempo, na condição de especialista em comentadores (alguns, claro), vim a perceber que uma tropilha destes odeia este "Corrected Text". Segui, porém, sobranceiro, majestoso, essas coisas da primeira palavra, o primeiro adjetivo.
Por oportuno (inopinadamente inoportuno?), registro que 'palavra' é um conjunto que se contém a si mesmo, um substantivo que contém todas as categorias gramaticais, pois estas são constituídas por palavras. Já 'sobranceiro' é um adjetivo, e o substantivo 'adjetivo' não está contemplado na classe dos adjetivos. (Devo apagar isto, meu senhor do bom-fim? Mas que dizer da frase 'aquele adjetivo é mesmo adjetivo' ou aquele título do livro de arquitetura 'o substantivo e o adjetivo' (editora Perspectiva), que até hoje me deixa perplexo. Apago?)
Como sabe meu leitor, sou especialista na primeira sentença da obra máxima do século XX (descontando Borges e Cortázar, claro. E até Machado de Assis, que publicou em 1908. E, por arredondamento da ABNT, o 1899 de 'Dom Casmurro' já cai em 1900). Cito de memória:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
Vejamos agora o que diz Gabler na página 3:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
Igualzinho, né? Pois fui conferir com meu arquivo da obra completa em TXT e não me decepcionei:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
Tudo igual. Já ficando mareado com a óbvia parecença, olhei meu texto em PDF:
Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.
'Então, é tudo uma grande mesmice', pensei. Meus paralelepípedos retângulos, no entanto, sentenciaram que, para um especialista apenas na primeira sentença da obra máxima de Joyce, eu estava sendo um tanto sobranceiro, ou melhor, um tanto atrevido, para não dizer afobado. Considerando que 'sobranceiro' é uma palavra que entrou em meu vocabulário via a tradução para o português feita pelo pernóstico Antônio Houaiss, achei que talvez eu devesse dar seguimento a minha especialização e começar a decorar a segunda sentença.
Neste momento, chegaram novidades. Gabler tem-na como:
A yellow dressinggown, ungirdled, was sustained gently behind him on the mild morning air.
Então parece que achei algo. Achei? Milhares de comentadores da edição Gabler acharam antes, não é não? Mas minha alegria de ter achado este algo antes de lê-los é para dar-me novelos de alegria. Escrevo isto e fico a indagar-me como é que 'novelo' foi parar como unidade de medida de 'alegria'. Um dia explicarei em uma postagem específica de cujos rascunhos já enchi uma gaveta (pequena). E que achei? Olha a Penguin/B, na página 1:
A yellow dressinggown, ungirdled, was sustained gently behind him by the mild morning air.
Teu olho notou a diferença? Na sentença de Gabler, temos "
Vejamos agora o que diz a tradução de Caetano Galindo, na edição Penguin brasileira:
Um roupão amarelo, com cíngulo solto, era delicadamente sustentado atrás dele pelo doce ar da manhã.
Galindo, sabido, obedeceu o original da Penguin/A, mas também não desdiz o Gabler, pois
Um penhoar amarelo, desamarrado, flutuando suavemente atrás dele no ar fresco da manhã.
Temos diferenças sintáticas, sintéticas e sinaléticas importantes entre ela e Galindo. E aquele 'cíngulo' de Galindo, como será que Houaiss di-lo-ia (gostou da mesóclise?)? Vai lá, Houaiss, página 9:
Seu roupão amarelo, desatado, se enfunava por trás à doce brisa da manhã.
Pois não é que isto diz que me desdiz? O Houaiss é mais simples até que a Bernardina no que diz respeito ao penhoar/roupão, mas volta a ser ele mesmo com o flutuando/enfunava. Que direi agora? Devo buscar explicações na tradução da Relógio Dágua. Mas, bem pensado, talvez a melhor aplicação de meu tempo seja mesmo começar a ler a terceira sentença.
DdAB
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