09 agosto, 2015

Tudo pelos 49% mais Pobres


Querido diário:

A razão da nossa crise não é psicológica, é política e econômica, é óbvio. O Congresso é uma das instituições consideradas menos digna de confiança pela população. O Congresso se autonomizou com relação ao Executivo e passou a buscar uma pauta de temas que aparentemente fazem parte do imaginário pelo qual a opinião pública se move neste momento: maioridade penal, questões relativas ao mandato presidencial. O Congresso está adotando medidas populistas que não necessariamente vão ter efeito positivo a médio e a longo prazo.

Pois é: estamos referindo trechos de dois autores diferentes cujos artigos constam do caderno PrOA de Zero Hora de hoje. Um psicanalista, Mário Corso e um cientista político, José Álvaro Moisés. A primeira é do primeiro e a segunda é do segundo. Fui claro?

Quem quer aprender não se avexa de buscar associações. Mas vou centrar-me no psicanalista, duas ou três frases dele.

Quando eu era criança, o Brasil considerava-se pobre, de terceiro mundo, subdesenvolvido. Nada mudou essencialmente, as grandes reformas nunca foram feitas, mas passamos a considerar-nos ricos. Nossa exigência peremptória de instituições públicas melhores ignora o tempo, o investimento e a lenta construção que benesses como a saúde pública, a segurança e a educação de um povo requerem.. Poucos parecem se dar conta que a saída passa por gerar mais riquezas, inventar novas coisas, aprimorar as instituições, participar mais da vida pública e não apenas reclamar. A atual posição política do eleitor assemelha-se mais a uma queixa misturada à afirmação de que não temos responsabilidade pelo que acontece. A falha é sempre dos outros.
[...]
É importante lembrar que propostas totalitárias - cujo ápice foi o nazismo, mas também vale para Mussolini, Franco e Salazar, que levaram o mundo ao caos no século passado -, tiveram como combustível o abalo narcísico de povos economicamente arruinados. Temos que cuidar uns dos outros, admitir nossos problemas antes que a sedução da arrogância o faça.

Eu, primeiro, fiquei pensando no que pensa um adulto que sobreviveu à infância na rua, na cadeia, fora da escola, de mãe alcoólatra e pai desconhecido. Depois passei a pensar em quão longe estamos daquele tempo em que víamos tempo de sobre para tirarmos o Brasil do atraso em uma geração. Depois passou para duas gerações. Agora penso que a  tarefa é para mais duas ou três gerações.

Cuidar uns dos outros exige que eu trate bem meu vizinho, que o cumprimente no elevador, mas também exige que eu invente maneiras de me fazer ouvir politicamente, que eu faça saber aos políticos, todos eles, os apaniguados e os que tentam rebeliões condenadas ao fracasso, que eles fazem parte do mesmo drama que matou agricultor sem terra, que escravizou trabalhadores do cacau e da cana de açúcar.

A verdade é que a própria renda per capita brasileira elevou-se em alguma medida durante meu horizonte de vida. Mas mais verdade ainda é que a penúria que alcança os 49% mais pobres não lhes dá muito espaço para dizer que sua situação melhorou relativamente aos bisavós ou trisavós. E a verdade é que no presente momento não há como deixar de lamentar a falência absoluta do governo, o estrondoso fracasso da oposição parlamentar e a vergonhosa incompetência do poder judiciário. Sem falar, denunciando, os salários estratosféricos que esses senhores se fixaram nos últimos 50 anos. Não creio haver maior vergonha nacional que um funcionário público do porte dos juízes receberem mais de 20 ou 30 vezes o salário mínimo, ou seja, nababos julgando párias.

Por um lado, a saída passa radicalmente por uma nova constituinte, para dar credibilidade política a um novo projeto de país que não dependa tanto de uma estrutura política e de políticas públicas feitas com fins corruptos. Por outro lado, a reforma do poder judiciário em boa medida deve emergir até antes, para viabilizar eleições decentes, esfacelamento do poder econômico e principalmente inviabilizar que surjam partidos cujo objetivo é "sangrar o governo" para fortalecerem posições em futuras eleições.

O momento que vivemos é típico: como é que podemos ver sentido em uma coalizão oposicionista que deseja a mudança do governo já ou sangrá-lo por três anos e meio daqui para frente? Quando não penso em minha garrafa de cachaça (escondida na terceira gaveta da escrivaninha), penso em Tony Blair: education, education, education.

DdAB

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