Querido diário:
No outro dia, estive discutindo os quatro direitos fundamentais cogitados por John Locke: vida, saúde, liberdade e propriedade. Parecem óbvios: como posso viver sem vida (e confortavelmente sem comida e, ergo, saúde? Como posso viver livremente sem que todos sejamos livres, como posso ser livre vendo escravos a meu redor? E como posso despir-me de propriedades e ainda manter-me vivo e livre? Escravos pagam impostos? E para que pagar impostos, para sustentar os sinecuristas do governo e seus asseclas?
Parece que a questão localiza-se por este lado: nada há a reclamar da vida nem da liberdade. Até devemos adjetivar a primeira: vida digna, vida feliz, vida plena de significado (à la Maslow). E devemos qualificar a segunda, mais ou menos na linha de que nos fala John Rawls: a maior liberdade compatível com a dos demais. A escravidão é incompatível tanto com a liberdade do escravo quanto com a de seu proprietário. Escravidão não pode! Aliás, nem servidão, pois o servo não tem o direito de ir-e-vir, para não falar de outras baixezas.
Se bem leio comentadores, a retomada na ênfase que se dá à propriedade privada tem origem no pensamento de Ayn Rand, ou seja, uma liberal de direita que confronta as posições da filosofia econômica e mesmo da filosofia política que entendo e absorvi. E nem sei se a coroa leu John Locke (coisa que, aliás, nunca fiz mais que diagonar).
Como bem sabemos, vejo o mundo alicerçado naquele tripé do mercado-estado-comunidade. Reconheço e aceito a existência de falhas no funcionamento de cada um deles. Dada a existência do duo estado-comunidade, entendo que é a eles que se as fraquezas do mercado devem ser delegadas (por exemplo, a provisão dos bens públicos pela comunidade ou a regulamentação dos monopólios pelo estado). E ainda mais, sigo a máxima da "substituição do governo dos homens pela administração das coisas". Ou seja, numa sociedade de um futuro longínquo, vejo as necessidades humanas debeladas por meio da ação de máquinas, praticamente despidas de conteúdo de trabalho humano e, como tal, sem estado e sem mercado.
Sobre a propriedade privada e a tributação, a questão é escorreita: é preciso haver um estado para prover bens públicos (segurança pública, ar puro, essas coisas). E alguém precisa financiá-lo. E este alguém só pode ser a população do país (ou mundial, no caso do governo mundial, né?). E aí pode haver impostos diretos ou indiretos. E sobre a propriedade. Trata-se de uma questão normativa cuja solução é encaminhada pelo processo político. No Brasil, o fim-da-picada acompanha desde o descobrimento os menos aquinhoados. A tributação, tal como emergiu -para não falar de milhares de anos atrás- da constituição de 1988, é escandalosamente regressiva. E não há sinais de que isto venha a mudar nos próximos tempos. {E aliás a encrenca é tão grande que seria necessário um programa de reconversão progressiva desenrolando-se no tempo por uns 20 anos}.
É bem verdade que estou aceitando um desafio (vou levar anos para vencê-lo) de ler o livro de Robert Nozik (Anarchy, state and utopia), que dizem ser avassalador no papel de condutor do pensamento anti-estatizante e elogioso ao princípio da intangibilidade da propriedade privada. Vou pagar para ver, mas duvido que ele remova minha ideologia de proteção aos menos aquinhoados e consagrar as virtudes da sociedade igualitária.
Imagem aqui. Por não-sei-quê busquei a imagem para ilustrar-nos com "Ayn Rand" e veio esta pérola do pensamento lá de cima. Evocou-me "a maior liberdade possível compatível com a dos demais", ou seja, John Rawls (e eles ambos que não me ouçam).
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