Querido diário:
A figura que nos ilustra não é grande coisa, mas em seu esplendor, encontra-se
aqui, ao se campear entre as "Séries mais usadas". Que vemos? A tabela que eles juntam logo abaixo da figura permite-nos ver que, por exemplo, em 1900 (certo início do século passado), o PIB per capita a preços de 2012 era de R$ 0,71 mil, ou R$ 710. Quer dizer, se pudesse comprar telefones celulares, nosso bisavô -representante do brasileiro médio- lá em 1900, levaria dois ou três com o que ganhou durante todo o ano. Em compensação, se ele quisesse viver de arroz (R$ 2,00 por quilo em 2012, com 180 quilos) e feijão (R$ 5,00 por quilo no ano passado, com 70 quilos), estaria -digamos- alimentado, reservando ainda um troquinho para a bebida.
Em 1965, a renda per capita real medida a esses mesmíssimos preços de 2012, alcançou R$ 3.720. Passou-se muito tempo (quase todo meu horizonte de vida, by the way), mas ela também cresceu (e a minha também, hehehe). Dividindo 3.720 por 710, chegamos a 5,24. Extraindo a raiz de ordem 65 desses 5,24, chegamos a 1,0265. Pronto, a renda per capita cresceu 2,65% ao ano entre o início do século passado e 1965.
Em 2012, o brasileiro médio passou a ganhar R$ 11.610 durante todo o ano, quase R$ 1.000 por mês. Dá para comprar montes de celulares, arroz e feijão, pagando os preços de 2012, quando o feijão, sabidamente, já se tornara um produto da mesa dos ricos e o telefone celular, um quadradinho do bolso dos pobres. Sobra ainda dinheiro para a bebida. E uma camionete Brasília, um Corcel ou um Corsa se não os três. Dividindo 11.610 por 3.720 e fazendo a raiz 47, agora a encrenca cresceu 2,45% a.a. Perdeu dinamismo, mas acumulando tantos baixinhos, hemos chegado a um gigantinho. E a média entre 2,45 e 2,65? A aritmética, claro, 2,55% a.a., e a geométrica é 2,53% a.a. Se aqueles 2,55% a.a. fossem -não aritméticos, mas- geométricos, a renda per capita teria sido R$ 11.913,87 no ano passado: um ou dois telefones celulares per capita. Tudo isto são ganhos reais: melhor comer mais feijão do que menos, ter mais celulares que do menos.
Em números absolutos, temos, talvez, mais clareza:
.a. a renda per capita cresceu 3,12 vezes entre 1965 e 2012
.b. quer dizer, agora são necessárias menos pessoas para gerar ainda mais bens e serviços do que em 1965.
Aprendemos que, em 1965, cada grupo de 100 trabalhadores sustentava a si e a mais 90 mandriões. Esta cifra baixou para 100 trabalhadores sustentando apenas 50 lá pelo ano passado. E ela vai subir novamente. O computador central (ver Isaac Azimov) vai sustentar toda a turma, que não precisará trabalhar, ou seja, dia chegará em que os indivíduos terão empregos de apenas alguns segundos durante seu curso de vida. E as máquinas lhes darão sustento, inclusive imprimindo novas naves espaciais, sempre que uma turminha decidir deslocar-se da grande família moradora de outra nave.
Quando uma janela, demográfica ou não, recebe uma cortina, o que se vê é bem o que o dono da cortina quer: menos sol ou até distorções relativamente ao que ficou para ser visto do lado de fora da janela.
Em compensação, a Veja (revista do Clube da Direita Raivosa) de 23/abr/2014, nas páginas 59-62 tem uma reportagem de Giuliano Guandalini e Bianca Alvarenga que começa mal: não sabe Shakespeare: "Todo está bem quando acaba bem, diz o ditado." Ditado?
Just Shakespeare! Mas se fosse apenas isto, tudo acabaria mal, não é mesmo? É que eles escreveram algo debochado sobre o Brasil: "Velho antes de ficar rico". E dizem que rumamos para a ruína, pois gastamos excessivamente em assistencialismo, indo além do que (na p. 61) classificam como "assistencialismo necessário" (ainda que nada definam, mas alinhem os R$ 24 bilhões do Programa Bolsa Família (50 milhões de mandriões) a outros programas, como Farmácia Popular e Saúde não tem Preço, Minha Casa Minha Vida, Pronatec, Renda Mensal Vitalícia, Pronaf, FIES, Prouni e Bolsa Pescador. Cá entre nós, são R$ 167,2 bilhões de um PIB de R$ 4,84 trilhões (
aqui), ou seja, o preocupante gasto social do governo é de 3,5% do PIB!
Haverá alguma coisa oculta que nem o governo nem a Veja sabe o que é que faz com que o número por ela apresentado para as "Despesas da 'grande folha' (funcionalismo, previdência e assistência social em % do PIB)", que chega a 13,7% em 2013. Ou seja, o funcionalismo e a previdência social representam apenas 10% do PIB. E aí vem o golpe: se nada mudar, esta cifra sobe para 28,5% do PIB em 2040 (ano em que o crescimento vegetativo da população passa a ser negativo). Mas pode-se salvar a pátria com a reforma, quando estes gastos alcançarão modestos 13,1% do PIB. Cá entre nós, a incompetência e a má fé são algo estonteantes!
Se meus 3,5% do PIB estão certos (pois temo ter sido induzido ao erro pelas cifras da Veja (e emburreça), o grande problema de 2040 será que não teremos maiores problemas. Mas, sem a reforma, a Veja é que poderá estar em maus lençóis, pois os beneficiários de seu lobby, essas coisas, é que estarão sem chances de promover excessiva "previdência privada".
E que seria do Brasil se parte da despesa pública se destinasse à renda básica universal? Digamos que fossem R$ 800,00 mensais por brasileiro. Vejamos 12 x 800 x 200.000.000 divididos por 4.840.000.000.000, o que dá 40%, ou seja, com o milagre da renda básica universal, ainda sobram 60% do PIB para outras coisas! Temos então duas opiniões antagônicas:
.a. eu - com 40% do PIB destinado à renda básica universal, rapidamente alcançaremos o paraíso
.b. Vito Tanzi (citado por Veja na p.62): "Segundo o economista, gastos públicos ao redor de 35% do PIB são suficientes para alcançar os objetivos realisticamente esperados de um governo em uma economia de mercado."
Por que a divergência? É o conflito bem-mal. O bem vê possível a ampliação dos atuais ridículos 3,5% do PIB para até 40% do PIB. Já falei neste blog diversas vezes: o primeiro teorema do PIB diz que o PIB é igual a 100% do PIB. Devemos ter presente que esses 40% dão renda a todos, todinhos os brasileiros, bebezinhos, velhinhas, trabalhadores, capitalistas, e tudo o que pudermos pensar na condição de gente brasileira. Muitos destes pagam algum imposto de renda e deveriam pagar até mais. Com isto, abateriam seus R$ 12.000 anuais do imposto devido e ainda assim a arrecadação poderia subir, pois aqui existe uma concentração da renda desgraçada. E pensar em usar os padrões mentais de Vito Tanzi para organizar o futuro do Brasil é o mesmo que colocar na mão da família Civita a chave do cofre do sr. Patinhas!
DdAB
P.S. 1 Há umas diferencinhas nos números devido à adoção de dois anos para os cálculos. Os do IPEA versus os da revista Veja e jornal Estado de São Paulo.
P.S.2 Acrescento 12 horas depois da postagem: aquele gráfico da página 62 com os gastos públicos explicando o IDH de diferentes países é um elogio da falta de critério dos 35% do velho Vito. Os maiores IDHs são da Austrália, EUA, Japão, Alemanha, Suécia e Itália, todos com shares públicas superiores a35%. Outro altão IDH com gasto público de, digamos, 22% é a Coréia do Sul, a única exceção, o único dos "países invejáveis" atendendo ao critério Tanzi.
P.S.3 Idem: tem muita gente burra que pensa que há problemas insolúveis nas burras governamentais enquanto estiver em vigor o primeiro teorema do PIB. Não podemos esquecer que, na Malásia, as exportações representam mais de 100% do PIB, né?