Jurei, não faz muito tempo, talvez uns dois ou três anos, que jamais leria "Finnegans Wake", de James Joyce, nem em inglês e, menos ainda, em português. Creio que isso compensa, com galhardia, a concessão que fiz ao autor irlandês quando decidi colecionar diferentes edições (português, espanhol, inglês e até um PDF italiano) do "Ulysses". Aliás, das traduções que adquiri no português (Brasil e Portugal), apenas a de Caetano Galindo grafa o "Ulysses" com esse "y" que acabamos de ver, que fora cassado do vernáculo em, creio, 1943, e recuperado em 2009. Minha tradução preferida, da dame Bernardina da Silveira Pinheiro pouco fala em "Ulysses".
Nunca me envergonhei de mostrar minha ignorância em diversas dimensões. E, agora que a memória fraqueja, nem tento esconder as tibiezas. Por exemplo, li, no contexto do que vou falar adiante sobre comentadores de Joyce, "entre parto e morte". Trata-se do artigo, como veremos, de Caetano Waldrigues Galindo. Isto levou-me a evocar a canção "Cabaret", quando ouvi (citando de memória): #Start by admiting from cradle to tumb #It is not such too long a stay..." E, se minha parada não é tão longa, por quê iria forçar-me a ler o tal "Finnegans Wake"? Começa pelo título: pelo que li aqui e ali, aquele "wake" bem pode ser ou "enterro" ou "acordar".
Voltando ao "Ulysses", para minha alegria, depois de anos de tentativas de ler a tradução de Antônio Houaiss, fui capaz de ler a da profa. Pinheiro. A cada parágrafo, acorria-me enorme alegria por ter lido mais um parágrafo... Na hora em que terminei, fiquei estupefato: "então era isso o que eu tanto queria ler e é isto?" Parece que fui cético quanto à qualidade da fama de Joyce. E estou há anos lendo a tradução portuguesa da editora Relógio D'Água. Mas devo confessar que gosto mesmo é de ler os comentadores da dupla "Ulysses" e "Finnegans Wake". Gosto e me divirto, pois entre um deles que sempre cito e não lembro mais de onde veio, li que, para o "Ulysses", faltou um editor. E isto me iluminou a autoestima e especialmente a compreensão de que o "Ulysses" é impenetrável em sua totalidade. Tem, claro, passagens?interessantes e até brilhantes, mas o todo me cheira mesmo a anotações para a redação de um romance. E o "Finnegans Wake", pelo que li dos comentadores, é dificílimo. E de tudo isto incorporei a tese que li no comentador Donaldo Schüller indagando se "Joyce era louco", acossado que foi pela sífilis que tanto lhe prejudicou a visão. A propósito, Schüller fala que o livro começa com o substantivo/advérbio "stately" e termina com "yes" do monólogo de Molly Bloom, as inciais da palavra "sífilis", o que o velho Hoauiss mantém em português: "sobranceiro" e um plural para sim: "sims".
Claro que esta compreensão limitadora que faço das últimas obras de Joyce não é compartilhada pela maioria dos comentadores que li. Ao contrário. E tem gente que passa a vida estudando cada uma de suas obras ou seu coletivo. Já citei aqui mesmo (neste blog) a professora Dirce Nogueira Galvão (aqui) da UFSC. E depois me chegaram aos olhos dois exemplares da formidável revista "Qorpus", publicados em dezembro de 2019 e junho de 2022 pela UFSC.
As revistas:
Qorpus. V, 9 n. 3 Dez de 2019 Edição Especial: James Joyce. UFSC/PGET.
e
Qorpus. V, 12 n. 2 Jun de 2022. PGET/UFSC.
Nas páginas 151-157, podemos ler o artigo "Auto & Muto; um excerto do Finnegans wake", de Caetano Waldrigues Galindo. Lá, além de falar naquele "vida entre parto e morte". Com cinco parágrafos introdutórios (um deles é de uma única sentença; "Isto pode parecer também denso, também opaco." Para saber o que é "isto", recomendo que o leitor leia o parágrafo anterior, que não vou citar aqui, mas o número da revista encontra-se na internet e se chega a ela clicando aqui.
O trecho a seguir, recortado das páginas 15 a 18 do Finnegans Wake, contém uma das mais famosas 'cenas' da abertura do romance. Como quase tudo neste trecho do livro, o diálogo entre Mutt e Jute aparece do meio do nada. Ele encena a conquista da Irlanda pelos povos germânicos (os Jutos, nesse caso, possivelmente vindos da península dinamarquesa que até hoje se chama Jutlândia), além de vários outros conflitos entre 'estranhos', que moldaram a história (e a pré-história) da terra de Joyce. Além disso, as personagens também ecoam os cartuns de Mutt e Jeff, populares entre 1907 e 1983 (!) [sic], que tiravam seu humor das inadequações recíprocas dos dois personagens.
Seguem-se os soit disant cinco parágrafos. Na ilustração da postagem de hoje, citei um trechinho da tradução de Galindo, fazendo-a acompanhar-se do original.
DdAB
P.S. E, por isso, vivo relendo os comentadores que, obviamente, já li. E sempre me mantenho em estado de alerta para campear novos comentadores.
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