12 abril, 2023

Schopenhauer e o Igualitarismo


   Todos sabemos que leio, li, lia, lera, leria, lerei livros de introdução à filosofia, área em que me doutorei enquanto autodidata. Nesta Páscoa e dias que a sucederam, li, leio, lerei o professor britânico do livro que há poucos dias já referi nestas paragens:

WARBURTON, Nigel (2022) Uma breve história da Filosofia. Porto Alegre, L&PM. Coleção Pocket, n. 1086.

Na manhã de hoje, acabo de concluir o capítulo sobre Arthur Schopenhauer, o filósofo um tanto enviesadamente conhecido por seu pessimismo. São seis pagininhas (da 147 até a 152) lotadas de informação. Quase ao final delas, vi o realce implicado por Schopenhauer à filosofia do igualitarismo. Mas, antes de citar Warburton, preciso falar em mim (hehehe). Lendo o livro de introdução à dialética de Carlos Roberto Cirne-Lima (com várias postagens referindo-o), cheguei aos conceitos de R³ e Ri.

Não juro de maneira jurada, nem mesmo de pés juntos, que

R³, que defino como a realidade realmente real (na linha de Cirne, claro, o conceito, mas não o símbolo): a mais absoluta clareza na definição do que é o mundo inteiro, o universo, os espaços supralunares, essas coisas. Tudo, tudo o que podemos ver, sentir e mesmo imaginar encontra-se dentro do conjuntão R³, que a tudo abarca, inclusive nós mesmos. E esta continência é um tanto estilo Uroburo, pois, se estamos dentro do R³ e o estamos pensando, que fica para o Ri?

Ri, é o mundo da realidade imaginada: o Ri nos dá a dimensão que somos, enquanto seres pensantes, capazes de ver, sentir, e mesmo intuir que "moramos" no R³.

Assim a Ri é a visão que formamos da R³, naturalmente capturando apenas uma fração -eu até diria- ínfima da R³. E a R³ é a realidade realmente real, aquela que não pode ser negada, ainda que não a conheçamos (e talvez nunca venhamos a conhecer in totum) todas as suas facetas, por exemplo, o que acontece com ela quando o tempo acaba.

Ainda faço o registro da opus magnum do filósofo americano:

RORTY, Richard (1988) A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote.

sobre quem postei aqui. Pois relendo as partes fáceis alguns dias atrás vi minha anotação precisamente sobre o significado do título. À página 90, Rorty diz: "o conhecimento humano [é] um espelho da natureza." Naturalmente, ele fala naquilo que, inspirado por Cirne-Lima chamei de Ri, aquele mundo da realidade imaginada. Ou seja, existe um mundo, a realidade realmente real que a tudo abarca, inclusive o conhecimento humano. E os seres cognoscentes, ou seja, ourselves e outros bichos que habitam o Terceiro Planeta de Sol não são capazes de ir além de espelhar um subconjunto de R³.

Vejamos agora o que Warburton atribui a Schopenhauer sobre sua concepção de mundo (p.148-149):

   Seu livro mais importante, O mundo como Vontade e Representação, foi publicado em 1818, mas continuou trabalhando na obra durante anos, o que gerou uma versão mais longa em 1844. A principal ideia no cerne da obra era bastante simples. A realidade tem dois aspectos. Ela existe tanto como Vontade quanto como Representação. A Vontade é a força propulsora cega, encontrada em absolutamente todas as coisas que existem. É a energia que faz as plantas e os animais crescerem, mas também é a força que faz as bússolas apontarem para o norte e os cristais se formarem nos compostos químicos. Ela está presente em cada parte da natureza. O outro aspecto, o mundo como Representação, é o mundo como o experimentamos.

   O mundo como Representação é a nossa construção da realidade em nossa mente. [...] O que você experimenta pelos sentidos é o mundo como Representação. É a sua maneira de dar sentido a tudo, e ela requer a consciência. Sua mente organiza a experiência para dar sentido a toda ela. O mundo como Representação é o mundo no qual vivemos.

Agora temos tudo para compreender esse traço igualitarista que se encontra na visão schopenhaueriana do mundo. Nas p.151-152, lemos:

   Schopenhauer não descreveu apenas a realidade e nossa relação com ela. Ele também tinha ideias sobre como deveríamos viver Uma vez que percebemos que todos fazermos parte de uma força energética e que as pessoas enquanto indivíduos existem somente no nível do mundo como Representação, isso devia mudar o  que fazermos. Para Schopenhauer, causar mal aos outros é também causar mal a si próprio. Este é o fundamento de toda a moral. Se eu mato você, destruo uma parte da força vital que une todos nós. Quando alguém causa o mal a outra pessoa, é como uma cobra que morde a própria cauda sem saber que está fincando as presas na própria carne. Desse modo, a moral básica de Schopenhauer ensinava era a compaixão. Dito de forma mais clara, as outras pessoas não são externas a mim. Eu me importo com o que acontece com você porque, de certa maneira, você faz parte daquilo de que todos nós fazemos parte: o mundo como Vontade.

A essa visão de condenação de fazermos o mal a terceiros, pois isto reflete em nosso próprio bem-estar evocou a frase que ouço ser atribuída a Confúcio: não faças aos outros aquilo que não queres que te façam.

DdAB

P.S. A imagem que hoje nos ilustra veio daqui. O Uroburo em ilustração de um site italiano está na ilustração do capitulinho, mas não é referido no texto. Mas não duvido que Warburton saiba mais sobre ele que eu. Aquele "en to pan" significa "o todo é uno", algo assim. E o site diz: "Simbolo dell’eterno ritorno e dell’incessante rigenerarsi della vita, rappresenta l’eternità."

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