Nos dias que correm, o mundo já nem sabe mais o que falar. Aqueles ideais iluministas de progresso ilimitado são ameaçados por outros ideais de desprezo à ciência e à tecnologia. Especificamente, falo daquela gente que ainda acredita que a Terra é plana. Mas poderia estar falando, tema fashion, da recusa de outros, talvez os mesmíssimos, em tomar vacinas e proibir seus filhos de fazê-lo.
Pois foi na pandemia que voltei a folhar meu querido
CIRNE-LIMA, Carlos Roberto (2003) Dialética para principiantes. 3ed. São Leopoldo: Unisinos. [Já tem mais outras edições também da Unisinos.]
e defrontei-me, em sua página 77, com um trecho avassalador:
Aristóteles, exímio observador das coisas, já sabia que a terra em que vivemos é redonda. No tratado Sobre o céu, ele escreve que os eclipses da lua são causados pela posição da terra. A terra, em seu movimento, se interpõe entre o sol e a lua, causando assim o eclipse. Como a sombra que o sol projeta sobre a lua é sempre redonda, há que se concluir que a terra é redonda. Se a terra fosse um disco, com a maioria dos pensadores de seu tempo imaginava, a sombra da terra projetada sobre a lua não poderia ser redonda.
Ao ler aquela parte do "se a terra fosse um disco" e comecei a problematizar o que a mente dessa turma anti-iluminista pensa: admitamos por um instante que a terra seja plana. Mas plano que é plano é bidimensional ou já não podemos falar em planura. Nesta linha, a reta é unidimensional e o ponto não tem dimensão. Então suponhamos que uma pessoa pudesse equilibrar-se sobre um único ponto, ou seja, sem dimensão: nada de equilíbrio, não se pode parar sobre um ponto. Por contraste, se pensarmos num sólido, uma espécie de paralelepípedo mais fininho que uma caixinha de CDs, se não outro formato de um sólido irregular, precisamos indagar a esses luminares da escuridão qual é a espessura da encrenca.
De minha parte, no ensino hoje chamado de fundamental, eu não lera Aristóteles (o que, as a matter of fact, não fiz até hoje...). Por isso, talvez, tive que recorrer a alguma outra prova da forma esferoide do planeta. Lá na imagem que nos encima, há uma prova razoavelmente irrefutável. Quando um navio está chegando ao porto (parte inferior da imagem), vemos inicialmente as velas e logo após o casco. Por contraste, ao sair, quem desaparece em primeiro lugar é precisamente o velame, deixando à vista apenas o casco, até o desaparecimento completo. Aquela água do mar calmo ou de um enorme lago plácido parece-nos, mesmo se estamos embarcados, completamente plana, até perder-se de vista: a linha do horizonte. E nela é que observamos o fenômeno dos barcos chegando e partindo.
Quem fugiu da escola, como é o caso do atual presidente da república, não chegou a estudar este raciocínio sobre a forma da Terra. E agradeço a Cirne-Lima por ter-me mostrado aquela prova inferida por Aristóteles.
DdAB
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