30 novembro, 2020

Manuela 1 x 0 Cidade

 

Estou certo que a cidade perdeu a eleição para Sebastião Melo. A cidade, com todas as intermediações colocadas pelas circunstâncias aziagas do confinamento da população por causa da pandemia covid-19, não entendeu que precisava ir votar para eleger Manuela d'Ávila. Não elegeu Manuela, dando-lhe apenas 45% dos votos, relegando a Melo os demais 55%. É casca!

O 'pombrema', como ouvi no rádio da boca de Melo, é a falta de educação. Dele, em sua campanha e em sua militância. No dizer de Simon e Garfunkel, "lack of education". E, no dizer de Tony Blair, faltou a pelo menos 6% dos eleitores de Melo mudarem o voto: education, education, education. Não é pouco: três vezes sem educação geraram um povo anão. E o nanismo grassou por todo o território nacional. Eu diria isto se Manuela tivesse ganho? Estaria em outro clima, claro, mas não desprezo a preocupação com a construção "da manhã desejada".

E por quê education, education, education? Já falei inúmeras vezes: mal cheguei em Oxford para fazer meu doutorado, ouvia muito rádio, a fim de melhorar meus ouvidos, e entendi alguém dizendo: "apenas com educação é que vais descobrir teu objetivo na vida e angariar forças para lutar por ele!"

E que mais? Mergulhado na tristeza que me infligiu a derrota, fui procurar alento nos livros, sempre os livros, livros, livros. Ainda no trancão da pandemia, achei entre meus guardados o seguinte: 

LESSING, Doris (c. 1980) O carnê dourado. São Paulo: Círculo do Livro. 626p. Tradução de Sônia Coutinho e Ebréia de Castro Alves.

E, na introdução do romance cuja leitura estava iniciando após a derrocada de mais um sonho de mudança, defrontei-me com a rima a este mote da education, education, education. Nossa amiga Doris falava, na página 15 infra, limitação que a educação provoca num expressivo grupo de críticos literários:

   Como na esfera política, ensina-se à criança que ela é livre, é democrata, dispõe de vontade própria e mente livre, mora num país livre e pode tomar suas próprias decisões. Ao mesmo tempo, ela é prisioneira das suposiçoes e dos dogmas de sua época, que ela não questiona, porque nunca lhe disseram que eles existiam. Quando um jovem chega à idade em que precisa escolher (continuamos a aceitar, sem discutir, que a escolha é inevitável) entre as artes e as ciências, costuma escolher as artes porque julga que nesse campo há humanidade, liberdade e opção. Ele não sabe que já se amoldou a um sistema, não sabe que a própria escolha é resultado de uma falsa dicotomia enraizada no coração de nossa cultura. Os que o percebem e que não querem submeter-se a mais padrões temdem a ir embora, num esforo meio inconsciente e institintivo de encontra tudas as nossas instituçoes, que vao desde a polícia até a academia, desde a medicina até a política, prestamos pouca atenção às pessoas que se afastam - um processo de eliminação que prossegue sem cessar e que exclui, muito cedo, os que são originais e reformadores, deixando os atraídos para uma coisa porque é isso o que eles já são. Um jovem policial  abandona a polícia porque afirma não gostar do que tem de fazer. Um jovem professor deixa o ensino e abandona o próprio idealismo. Esse mecanismo social ocorre quase sem ser percebido, mas é uma força poderosa na manutenção rígida e opressiva de nossas instituições.

Bonito, né? Terrível, né? Ainda assim, um tanto alheio à realidade brasileira tão avara em prover à população bens públicos (segurança, saneamento, etc.) ou bens meritórios (educação, saúde, etc.). Ou melhor, a realidade é que é avara em deixar de prover coletivamente essas amenidades.

E, claro, não estamos falando do eleitorado porto-alegrense, pois aqui a "plebe rude" não é ensinada at all. Temos uma plêiade de analfabetos funcionais que nunca leram este blog nem qualquer outro ou qualquer outro livro e menos ainda estudaram introdução à filosofia naqueles belos livros de que tenho falado e que fazem parte -exatamente- do ensino médio. Ou seja, há ensino raso, se é que há. E, para não fazermos feio na eleição que -tomara- se avizinha para 2020, precisamos de

education, education, education.

DdAB

P.S. das 18h18min de hoje mesmo... Não sei se deixo claro que, para entender os confrontos que alguns podem chamar da polaridade esquerda-direita, falo em social-democracia (e a promoção da sociedade igualitária) e neo-liberalismo (que quer estado mínimo, venda do patrimônio estatal, essas coisas). E por isso mesmo é que não posso conceber que a -então assim chamada- social-democracia é incapaz de convencer os 90% mais pobres que eles, ao romper suas cadeias ideológicas, "não têm nada a perder, mas um mundo inteiro a ganhar"...

28 novembro, 2020

Engels: 200 anos

 

Hoje completam-se 200 anos do nascimento de Friedrich Engels (28 de novembro de 1820 – 5 de agosto de 1895). Pela foto que nos encima, parece que ele é 200 anos mais novo que o carinha a sua esquerda. Mas não é! Karl Marx nasceu em 05.05.1818, ou seja, dois anos e meio mais velho que Engels. Hoje parece-me que a dupla Marx-Engels só perde em popularidade para Lennon-McCartney, se não exagero. Na economia há outras duplas famosas: Hall-Hitch e Sweezy (teoria da curva de demanda quebrada) , Keynes e Kalecki (princípio da demanda efetiva), Joan Robinson e Edward Chamberlin (teoria da concorrência monopolística). Paolo Sylos-Labini e Franco Modigliani (teoria do preço-limite), Harrod e Domar (teoria do crescimento econômico). Quem, amad@s leitor@s lembra de mais gente?

Era 1977 ou já entrado em 1978 quando, em plena respiração do ar da Vila Falmer, em Brighton, em Sussex, na Inglaterra, no Reino Unido foi que, na própria livraria central da universidade de Sussex, adquiri a biografia de Karl Marx (Karl Marx: his life and thought) escrita por David McLellan para a Macmillan Publishers). Nesse livro eu e meus 30 anos de idade aprendemos montes sobre, bem como diz o título, a vida e o pensamento de Karl Heinrich Marx. A vida, por exemplo, tem os os pileques e a camaradagem com Helene Demuth (* 31 de dezembro de 1820; + 4 de novembro de 1890), alegadamente gerando um filho que foi reconhecido por... seu amigo dileto Friedrich Engels. E sobre o pensamento muito aprendi, o que me facilitou novas incursões sobre as obras da própria dupla Marx-Engels.

Naquele mundo encantado do conjunto habitacional Park Village do campus da universidade, curioso com o que li sobre a vida e camaradagem entre eles, adquiri um livrinho de biografia de Engels escrito pelo mesmíssimo David McLellan, agora na coleção Fontana. Também muito aprendi sobre a vida e a obra de Engels, um gentleman, sua vida em Manchester (Salford, na verdade), sua longlasting relationship com a irlandesa Mary Burns (não se casaram "de papel passado", pois ambos contestavam o "casamento burguês").

Mesmo antes de conhecer a biografiazinha de Engels, ainda em Porto Alegre, eu lera "As origens da família, da propriedade privada e do estado". E fui andando além, em outras obras. E, já depois de velho, depois de ter até inserido em minha lista de leitura num curso de economia marxista ministrado na UFRGS, digamos, no segundo semestre de 1987, o livro "Manuscritos Econômicos e Filosóficos" de Karl Marx (publicado em 1844), voltei a Engels. Num anexo a essa obra, foi publicado o "Outlines of a Critique of Political Economy", que me parece dizer tudo o que aqueles 56 volumes das obras completas da dupla depois disse mais alongadamente. Exceto, se consigo coibir estes dois exageros, a teoria do valor-trabalho. Engels não fala nela, mas estou certo de que, depois de encetada a cooperação intelectual com Marx, ele ajudou a equacioná-la.

200 anos é uma longa vida, um dos homens mais inteligentes já produzidos pela humanidade, ladeando Marx. Por voltar a falar em Marx, fiquei alguns anos anunciando, no dia de seu nascimento, festejos privados sobre seu aniversário. Bem na linha dominante, nunca festejei o nascimento de Engels. Faço-o agora, seguindo uma dica, quem mais seria?, do prof. Adalmir Marquetti, que, assim, entra na dança!

DdAB
P.S. Tirei da Wikipedia:
While in Manchester between October and November 1843, Engels wrote his first economic work, entitled "Outline of a Critique of Political Economy." Engels sent the article to Paris, where Marx published it in the Deutsch–Französische Jahrbücher in 1844.

P.S.S. Pelo que de melhor posso julgar, aqui temos a tradução ao brasileiro de 1979. Parece óbvio que, se eu soubesse naquele dia o que sei agora, teria inserido-a na lista de leituras daquele curso em que pontificava o livrinho "Introdução à Teoria Econômica Marxista", de Ernest Mandel (você pode baixá-lo clicando aqui). 

P.S.S.S. E tenho aqui um índice das publicações em que comemorei os aniversários de Marx, desde 2013. Ao ligar-me agora nos 200 anos de Engels, fiz minha autocrítica: nunca pensei que Friedrich Engels fosse uma pessoa diferente de Karl Marx. O que vou fazer, assim como -presumo- milhares de outros terráqueos é procurar outra biografia de bom pedigree e lê-la compulsivamente. 

P.S.S.S.S. Acrescentei em 29/nov/2020: Tenho mais sobre Friedrich Engels e seu amigo Karl Marx e aquele apêndice aos "Manuscritos Econômicos e Filosóficos" e que pode ser visto ao clicar aqui.

26 novembro, 2020

Popper e os Ragtimes


Tinha um livro/romance perdido aqui em casa que dou as coordenadas com formatação acadêmica:

DOCTOROW, E. L. (2017) Ragtime. Rio de Janeiro: Record. Tradução de A. Weissenberg.

Localizei-o agora, durante a pandemia. Pois talvez emocionada com minha referência estilo ABNT, a página 127 (caput) traz uma citação 'puro Popper':

   O menino considerava o avô um tesouro abandonado. Aceitava as histórias como proposições que poderiam ser testadas. Encontrou provas, em sua própria experiência, da instabilidade tanto das coisas como das pessoas.

Agora não sei se quem aceitava apenas as provas "que poderiam ser testadas", se o menino ou o avô. Qualquer que fosse, podemos declarado um popperiano avant la lettre

Sigo sem saber se a frase continua referindo-se a um ou a outro. Aí é brabo: eu mesmo que sou um modesto seguidor do velho Karl Popper, arrepio-me ao ler:

Era capaz de olhar para a escova de cabelos no armário e fazê-la escorregar e cair ao chão.

Quero dizer, suponhamos, se foi o avô que falou este negócio da escova de cabelos e o guri que percebeu tal ser impossível nos tempos do ragtime, estamos no confortável mundo popperiano. Se foi o guri que estava narrando sua experiência cotidiana, depois levantando e baixando uma janela com empuxos do pensamento, só podemos dizer tratar-se de mais um seguidor (avant la lettre, sabe-se lá) da família Bolsonaro, basófia, oligofrenia, loucura, sonolência, onipotência, naiveté, asnice, rufionismo e onomatopeias. 

DdAB

P.S. Imagem selecionada por pura contingência (?). Estranha, mais estranha que os Bolsonaros.

23 novembro, 2020

Lugares Trocados: negros e pretos

 


Vou falar sobre o assassinato do negro João Alberto Silveira Freitas pela dupla de brancos covardes Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, funcionários do e no Supermercado Carrefour do bairro Passo d'Areia em Porto Alegre no dia 19 de novembro deste 2020 que corre sinuoso, ocorreu em plena véspera do Dia da Consciência Negra e do simbolismo a seu entorno atroz e pungente.

Esta postagem nem começou com o professor Sílvio Luiz de Almeida, brilhante intelectual que vim a conhecer na entrevista dada à TV CNN na sexta-feira (dia 20 de novembro de 2020) acessível ao clicar aqui. Mas começo falando nele. Depois de ver aquela deslumbrante entrevista, achei que deveria fazer algo. E escrevi à OAB-SP a seguinte mensagem cuja resposta vemos lá no início como imagem que escolhi para iluminar a postagem de hoje:

Em dom., 22 de nov. de 2020 às 07:59, Duilio de Avila Bêrni [,,,] escreveu:

Caros senhores:

Triste morador da cidade em que vimos o triste assassinato de João Alberto Silveira Freitas, assisti a uma entrevista do dr. Silvio Luiz de Almeida no canal de TV CNN na noite de sexta-feira. E tomo a liberdade de sugerir-lhes que, na primeira vaga de indicação da OAB para o cargo de desembargador, vs. indiquem esse nome que só poderá enobrecer a saber jurídico da corte e remediar um tanto as injustiças sofridas pelos negros do Brasil
Att, 
DdAB

Então já tenho outro candidato desembargador em São Paulo e a presidente da república. O primeiro candidato a presidente -pela ordem de entrada em meus manuscritos- é, segue sendo, o prof. Renato Janine Ribeiro. Estou certo de que ambos podem ajudar o Brasil a reaproximar-se (agora com mais qualidade) aos ditames da sociedade igualitária, com o governo sendo o empregador de última instância e gastando em bens de mérito (e.g., educação e saúde) e bens públicos (e.g., saneamento e segurança).

A minoria branca, contada pelo IBGE, que classifica a população em brancos, pretos, pardos e cablocos (depois substituídos por "Outros") (ver aqui) não entende que, sob o ponto de vista de um jogo, pode favorecer mecanismos que transformem o tradicional dilema de prisioneiro em um jogo cooperativo. Ao mesmo tempo, sempre tive dificuldade em saber se "negro" é politicamente correto ou errado. Até que, agora, entendi que ser negro é fazer parte de um conjunto que contem dois subconjuntos. Usando o sinal + como representando a operação união de conjuntos, temos

Negro = Preto + Pardo.

Agora, se bem entendi, nem todo pardo se reconhece como negro. Neymar, o eterno enfant terrible do futebol e da vida comunitária, ao chegar à Europa foi indagado sobre sua negritude. Na verdade teriam indagado a ele se sofreu discriminação racial no Brasil. Ele teria dito apenas que nada sentira precisamente por não ser negro. Como ele deve desconhecer a teoria dos conjuntos, nem recomendo que leia esta postagem... Mas, na verdade verídica, ele não está sozinho, pois pode ter entendido que segue aquele "ideal de branqueamento" de que falou Gilberto Freyre.

Mas tem até mais que ideal de branqueamento, uma argumentação que talvez à época até fosse verdadeira, mas hoje -pace o General Mourão- tá na cara que o Brasil é um país envenenado pelo que Sílvio Almeida chama de racismo estrutural. Conta-nos Sérgio Buarque de Hollanda que, lá naqueles tempos coloniais, um visitante alemão subia -não lembro se do Rio de Janeiro a Minas Gerais- e viram de longe um grupo se aproximando. Constataram ser uma guarnição do exército imperial e perceberam haver um militar (oslt) a cavalo e os demais na infantaria. O alemão indagou a seus guias "quem é aquele negro?", ao que estes responderam: "não é negro, é um capitão". Neste caso, vemos o branqueamento pelo cargo elevado que o personagem detinha.

Mas, talvez desde sempre, a literatura percebeu na normas sociais os chamados casamentos mistos. Inicio citando o casal Otelo e Desdêmona e vejo como inesquecível a patética personagem criada por Érico Veríssimo em "O Senhor Embaixador", srta. Glenda Doremus, americana branca de classe média mais racista que podemos imaginar, ainda que envolvida com o pardo Pablo Ortega.

Não foi à toa que a canção de John Lennon usou precisamente a carne negra para descrever a triste posição que a mulher (eu diria a mulher pobre) ocupa no mundo contemporâneo. Diz ele que que a mulher é o negro do mundo e -parece-me que Elsa Soares é que fala que "a carne mais barata do mercado é a negra".

Não vimos tudo do caso americano de George Floyd, mas parece que a tragédia do Carrefour foi protagonizada por indivíduos ainda mais covardes que os policiais que o mataram. Obviamente aquele ataque de ódio dos dois vigilantes não seria menos vil se aplicado contra um branco ou um índio, pois a diferença entre racismo e violência física é que os negros é que são submetidos a ela com mais frequência. Ainda assim, branco pobre não está 100% seguro de voltar vivo para casa, fruto da violência policial ou sua ausência, a violência praticada por criminosos comuns.

Nesta linha é que fiquei pensando que um treinamento decente para vigilantes deve privilegiar o mantra de que estes são proibidos de bater em quem quer que seja, nem mesmo alegando "legítima defesa". Na legítima defesa de um segurança cabe apenas defender-se da agressão e imobilizar o agressor. Um segurança que não consegue desmobilizar o agressor não pode ser chamado de vigilante e, enquanto tal, deve ser demitido. O supermercado Carrrefour é cúmplice da tragédia e, se houvesse justiça no Brasil, seria acusado, pelo menos, de homicídio culposo.

E que o igualitarismo tem a ver com isto? Diriam os truculentos governantes que os brancos também devem credenciar-se ao direito de serem assassinados por ferrabrases de todos os quilates, especialmente, vigilantes mal-preparados, milicianos de todos os jaezes, juízes e tantos outros brasileiros de dignidade conquistada por meios indignos. Menos amargo, entendo que, na sociedade igualitária, como referi há pouco, o governo é o empregador de última instância, o que torna tudo mais fácil para a reeducação da sociedade necessária para combater o racismo,

DdAB

20 novembro, 2020

Quando Pedro Fala sobre Paulo...



Quando Pedro fala sobre Paulo -diz-que-disse-Freud- sabe-se mais sobre Pedro que sobre Paulo. Aprendi esta frase há pouco tempo, mas já intuía sobre essa maneira de falar em si, ao falar de outrem. Então "Crivella diz que Paes levará pedofilia para as escolas." É um desesperado ao saber-se derrotado na eleição do próximo dia 29. Este tipo de manifestação merece repúdio das pessoas de boa-vontade, precisamente por ser uma daquelas fofocas que era muito censurada no mundo das fofocas. Como pode um homem adulto deixar-se embalar por sentimentos tão inferiores que passa a ofender os princípios mais elementares de racionalidade, para não falar em boas maneiras. Pedofilia para escolas? Acho brabo!

De outra parte, é um dia triste, ou melhor, ontem foi um dia trágico com a morte de um homem de 40 anos por seguranças do supermercado Carrefour, já famoso pela truculência de seu estilo. Andei falando por aqui nele, o Carrefour e um roubo de picanha muito mal encaminhado. Lá pelo fim da postagem, digo "uma lei impedindo a denúncia vazia". Esta denúncia do roubo da picanha pode ter sido baseada num flagrante forjado. E a do pastor Crivella, ou o que seja, fala mais de suas fantasias sobre a criançada. E acabo de ouvir na TV um videozinho do vice-presidente General Mourão informando que, no Brasil, não existe racismo. Só bebendo. Ou ele, que no outro dia, bem-humorado, falou que se protegia do covid-19 usando máscara, usando álcool nas mãos e botando álcool para dentro, só podia estar alcoolizado nas mãos, no esôfago, no estômago e no sangue. Ele, Mourão, agora, pura ideologia, diz algo bem na linha do velho Trump que ainda acha que venceu as eleições.

Não citei a cor do homem abatido por ferrabrases assalariados, pois tá na cara que só pode ser -no dizer do IBGE- preto. Em plena véspera do dia da consciência negra. Dia desnecessário, segundo nosso abilolado vice-presidente da república pela óbvia razão -segundo o general- de não existir racismo no Brasil. Ora, brincadeira tem hora...

Mas nem tudo são tropeços da espécie humana. No site da Carta Maior (aqui) temos um alento: a formação de uma frente de esquerda para a política nacional. Não que isto empane a tristeza das manifestações do pastor Crivella, do vice-presidente da república e dos próprios algozes de João Alberto Silveira Freitas. Mas dá esperança de que um dia a própria esquerda crie juízo e faça sua frente única. Dia de consciência negra e dia de consciência feminina:


Vamos! Vamos votar em Manoela para prefeita, em Fernanda para substituir Bolsonaro e Mourão e em Juliana para representante do Brasil na ONU!

DdAB 

13 novembro, 2020

Novidade Virando Rotina: candidaturas coletivas


(Globo: evolução das candidaturas coletivas)

Não lembro se já falei que não vou votar para prefeito. E não é por falta de candidatos, pois em Porto Alegre há milhares deles. Quem me conhece há 73 anos sabe que já estou no clube da elite do voto facultativo. E quem me conhece há menos tempo também pode saber disso. Sou favorável ao voto facultativo para todos. No Brasil, a lei do ventre livre e a lei dos sexagenários, na escalada pela libertação dos escravos, transformou-se em lei que dá direito de voto (facultativo) aos jovens de 16 a 18 anos, quando o voto se torna obrigatório. E Geisel, o general Geisel, tornou o voto facultativo para os maiores de 70 anos. Estou nessa, estou contra Geisel...

Sobre o 2020: eu, que estou me impedindo de votar para não aumentar a exposição ao covid-19, senti agora desabotinada vontade devotar (mas não vou), pois vi uma reportagem sobre as candidaturas coletivas. Acho que esta pode ser uma saída para esta democracia representativa que está com os dias contados: ver aqui.

Claro que só poderiam ser iniciativas da esquerda! Eu escolheria uma delas, mas mantendo a mesmíssima desconfiança dessa turma que não é capaz de formar uma frente única.

DdAB

A imagem diz tudo: nunca ouvira falar nas candidaturas coletivas até 2016. E muito feliz fiquei ao saber que agora há quatro delas em Porto Alegre.

11 novembro, 2020

Feira das Livrarias e Editoras



Caros: a diligente professora e economista Maria Lúcia Carvalho enviou-me o link de uma feira do livro promovida pela USP, com obras a 50% de desconto. Vou lá! Mas antes decidi fazer uma lista de todas as editoras do Brasil. Não trabalhei excessivamente no projeto, mas já posso colocar alguns defeitos. Primeiro: tem editoras que conheço e não estão expondo nessa feira uspiana, e.g., a Libélula de Lajeado-RS. Depois, tá cheio de universidades que também têm editora e não expuseram. Terceiro, acho que posso ter cometido erros de edição e colocação em ordem alfabética, como é o caso de, e.g., Martins Fontes, que -depois da primeira rodada- chegou-me -ou eu devia ter dito "chegaram"- como um Martins e outro Fontes. E talvez outros milhares de vacilos que nem sei contar.

Tá aqui o link: http://paineira.usp.br/festadolivro/#panel2. E aqui a listagem das 179 editoras expondo na feira do livro da USP:

42

Alameda

Alaúde

Aleph

Aletria

Aller/106

Almedina

Alta

Altamira

Anita Garibaldi

Annablume

Ape'ku

Arché

Arole

Ateliê

Attie

Autonomia Literária

Autores Associados

Balão

Bambolê

Bamboozinho

Bambual

Barbatana

Bazar do Tempo

BEĨ

Benvirá

Biruta e Gaivota

Blucher

Boitempo

Brasiliense

Brinque-Book

Caixote

Callis

Capivara

Carochinha

Casa de Letras

Cengage

Ciranda Cultural

Cobogó

Consequência

Contexto

Contracorrente

Contraponto

Cortez

Cosmos

Draco

Dublinense

Dueto

Duna

É

Editora 34

Editora FGV

Editora Fiocruz

Editora UEPG

Editora UFMG

Editora UFPR

Editora UFSC

Editora UnB

Editora Unesp

Editora Unicamp

Editora Unifesp

EdUFSCar

Edusp

Elefante

Érica

Escuta

Estação Liberdade

Évora

Excelsior

Expressão Popular

FiloCzar

Geração

GG

Girassol

Global

Graphia

Grua

Grupo Editorial Pensamento

Grupo Editorial Record

Grupo Editorial Summus

GrupoAutêntica

Harper Collins

Hedra

Hemus

Hucitec

Ideias e Letras

IMESP

Instante

Instituto Moreira Salles

Intermeios

Intermezzo

Jaguatirica

Jandaíra

Jujuba

Jus

Kotter

L&PM

Letramais

Lettera

Livraria da Física

Lote

Loyola

Malê

Maria Antonia

Marinho

Marsupial

Martins Fontes

Melhoramentos

Mino

Moinhos

MoMa

Monolito

Morro Branco

Mundaréu

Musa

Nós

Nova Aguilar

Nova Alexandria

Nova/Tabla

Numa

Odysseus

Oficina

Oficina de Textos

Olho de Vidro

Opala

Ouro sobre Azul

ÔZé

Palas Athena

Pallas

Panda

Papagaio

Parábola

Paulinas

Pausa

Peirópolis

Perspectiva

Pini

Planeta

Politeia

Pontes

Primavera

Pulo do Gato

Quatro Cantos

Raquel

Realizações

Reformatório

Relicário

Revan

Roça

Rovelle

Saber e Ler

Saraiva

Saraiva Uni

Scientiae Studia

Senac

Sesc São Paulo

SESI-SP

Solisluna

Sundermann

taschen

Telos

Temporal

Terra Virgem

todavia

Tordesilhas

ubu

Universo dos Livros

Valentina

Veneta

Vermelho

Versal

Via

Viajante do Tempo

Vozes

VR

WMF

Zagodoni

Zarabatana

Zouk


That's all, folks!
DdAB
P.S. A imagem que nos encima é um livrinho infantil da Editora Libélula, que não está presente nas 179 que acabo de listar.

09 novembro, 2020

Por Que, Por Quê, Porque, Porquê

 


Um dos marcadores que mais gosto é o "conradianas", que reproduzem conversas que mantenho com o prof. Conrado de Abreu Chagas sobre a filosofia da vida. Em particular, considero de interesse mais amplo as respostas a perguntas que lhe faço volta e meia. Perguntas, talvez, medíocres e respostas, invariavelmente, brilhantes. Pois dias atrás, vim a ler uma postagem longa que o professor fez no Facebook. ele falava das seis palavras que compõem o título desta minha própria postagem: quando usar os dois pares iniciais e as duas formas finais.

O endereço da página do Facebook é, naturalmente, Prof. Conrado. Seus Textos Didáticos também informam que "A página trata de língua e literatura". O endereço é:  https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=164694301998957&id=100905118377876 e foi publicado ante-ontem às 14h42min.


POR QUE DOS PORQUÊS?
Em português, “porquê” se escrevia sempre numa palavra só e sem acento, a não ser quando era substantivo:
(1) Não entendi o porquê de Joana ter se demitido.
Ou então quando fosse a última palavra de uma pergunta, com o sentido de “por qual razão?”
(2) Joana, você se demitiu porquê?
No primeiro caso, que é uso correto ainda hoje, devemos acentuar o “porquê”, pois é oxítona terminada em “e”. No segundo caso, desusado hoje, o acento se justifica pela tonicidade, pela prosódia da frase. Esse acento, como já veremos, se mantém ainda hoje com a palavra “quê” em posição final.
Assim, a não ser nesses dois casos, quando “porquê” vinha acentuado, nos demais casos de uso dessa palavra ela se escrevia sempre “porque”, sem acento e, observem, sempre numa palavra só.
Fazíamos como os italianos, com seu “perché”. Com a diferença de que, em italiano, a coisa é ainda mais simples, pois a palavra, além de não se separar em duas, é sempre acentuada, independente de sua posição na frase ou categoria gramatical.
Atualmente o uso do “porquê” é um pouco mais complicado. Tendo em vista os frequentes equívocos que vejo, é minha intenção neste texto explicar esse uso. Vamos lá.
REGRA 1
Se o “porquê” faz uma pergunta direta (e não é a última palavra da frase), escrevemos “por que”:
(3) Por que você se demitiu, Joana?
Caso, venha no final da frase, se escreve “por quê”, com acento, como mencionado acima:
(4) Joana, você se demitiu por quê?
Também se escreve separado o “porquê” quando a pergunta for indireta:
(5) Ninguém soube dizer por que Joana se demitiu.
Observem que, sendo interrogativa indireta, a frase não se termina por ponto de interrogação.
REGRA 2
Se o “porquê” responde a uma pergunta, é escrito numa só palavra. Imaginemos que Joana respondesse à pergunta em (3) e (4) acima:
(6) Me demiti porque passei num concurso.
Em (6) temos uma frase (um período, como se diz) com duas orações:
(6.a) Me demiti.
(6.b) porque passei num concurso.
Poderíamos iniciar a frase com (6.b), em vez de (6.a):
(7) Porque passei num concurso, eu me demiti.
Observem a pontuação. A oração iniciada por “porquê” vem, normalmente, depois da outra; porém, se ela inicia a frase, como em (7), então é costume colocar uma vírgula depois dela.
Contudo, a vírgula pode também preceder a oração iniciada por “porquê”. Isso ocorre quando essa oração explica a anterior, e não, como é o caso em (6), introduz uma causa ou razão para a primeira oração. Esse “porquê” que explica equivale a “pois” ou “porquanto”:
(8) Joana tem razão, porque o serviço público é estável.
REGRA 3
Se o “porquê” for um substantivo, ele se escreve junto e com acento, como já vimos em (1) acima.
(9) Não entendemos o porquê de Joana se demitir.
Esse “porquê” equivale a “motivo”, “razão”:
(10) Não entendemos o MOTIVO de Joana se demitir.
Com essas três regras básicas e levando-se em conta as observações que as acompanham, já muitos dos problemas que porventura se tenha quanto aos usos dos “porquês” se verão prontamente eliminados.
Há, ainda, alguns usos especiais. Vejamos.
REGRA 4
Consideremos a frase abaixo:
(11) Rezo muito porque Joana passe no concurso!
Esse “porquê” não explica nem apresenta causa ou razão. Indica, antes, a finalidade, equivalendo a “para que”. A ordem das orações pode também ser invertida:
(12) Porque Joana passe no concurso, rezo muito!
Observem, de novo, o uso da vírgula, que é costumeira no segundo caso, não no primeiro, e pelas mesmas razões comentadas acima acerca de (7).
Atualmente, o caso em (11) e (12) é um uso bastante raro do “porquê” em português. Mas existe e é necessário que o conheçamos.
REGRA 5
O “porquê” pode equivaler a “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais” e “pelas quais”. Nesse caso, escreve-se separado:
(13) Essa foi a oportunidade por que Joana esperou anos. [= PELA QUAL]
Esse “porquê” separado se usa também depois do advérbio “eis”:
(14) Ter se concentrado nos estudos, eis por que Joana passou naquele concurso.
Em (14) está subentendida a palavra “razão” (também “motivo”, “causa”):
(15) Eis A RAZÃO por que Joana passou naquele concurso. [= Eis a razão pela qual…]
REGRA 6
Considerem-se as frases abaixo:
(16) Paulo não sabe por que Joana passou no concurso.
(17) Paulo não sabe porque Joana passou no concurso.
A interpretação de (16) é:
(18) Paulo não sabe a razão por que [= pela qual] Joana passou no concurso.
Alguém poderia esclarecer Paulo, informando-lhe que Joana passou porque estudou muito.
A interpretação de (17) é:
(19) Paulo não sabe X, e a razão de ele não saber X é o fato de Joana ter passado no concurso.
Não temos o objeto de “saber”, acima representado por X: Paulo não sabe X. Em casos assim, tal objeto, que não está na frase, se depreende do contexto. Digamos que Paulo, filho de Joana, não saiba ainda se deverá mudar de endereço.
(20) Paulo não sabe [onde vai morar agora] porque Joana passou no concurso. Ela talvez tenha que assumir o cargo noutra cidade, etc.
No início deste texto, observei que em italiano há somente o “perché”.
Em latim há “cur” ou “quare” para a pergunta e “quia”, “quoniam” e “quod” para a resposta.
Em inglês temos “why” para a pergunta e “because” para a resposta.
O francês, igualmente, tem “pourquoi” para a pergunta e “parce que” para a resposta.
O espanhol, por fim, se comporta basicamente como o português, sendo necessário observarmos, no entanto, que o acento já aparece no “porqué” ainda quando este não esteja no final da pergunta:
(21) Por qué me miras si no me sacas para bailar?
Era isso por hoje.
Um abraço do
Prof. Conrado
Charqueadas, 07-11-2020


Era só por hoje...
DdAB

P.S. Nesta postagem daqui (https://19duilio47.blogspot.com/2018/03/um-dicionario-mnemonico-e.html), copiei da internet duas exposições sobre o tema.

P.S.S. E minha imagem não poderia ser mais linda e delicada. Trata-se da tira "Armandinho", de Alexandre Beck. Não é à toa que digo que sempre leio Zero Hora. Nela aprendo a não ser reacionário e ao mesmo tempo aprendo tanta outra coisa que fico apesar do desespero de muit@s amig@s.

04 novembro, 2020

Zero Hora, 17 de junho de 1983

 


A pandemia, ah, pandemia, o covid-19, os guardados remexidos. Eu sou leitor do nanico Zero Hora há muitos anos. Já nem lembro se a troquei pelo Correio do Povo (que, àquelas épocas, tinha tamanho então convencional, um jornalão) por considerar o segundo muito conservador. Zero Hora passou a chamar-se em alguns momentos de Zerro Herra precisamente por seus desacertos editoriais, sem falar no caráter profundamente reacionário de sua linha dominante (com, claro, gente crítica em muitos setores). Então, foram-se mais de 37 anos que guardei um retangulozinho e que, agora, em plena pandemia, salta-me da gaveta aos olhos:

À francesa

   Evelyne Muxart, uma francesa de 20 anos, após sofrer de incessantes dores de cabeça durante 10 dias, descobriu após uma cirurgia que seu marido havia disparado uma bala de revolver contra ela enquanto dormia, que se alojou em seu crânio. Segundo a agência France Press na noite de cinco a seis de abril passado Bernard Muxart, um desempregado desesperado de Saint Étienne, decidiu suicidar-se depois de matar sua esposa para 'evitar que sofresse mais'. Esperou que ela dormisse e disparou a 30 centímetros da cabeça de Evelyne. O ruído a despertou e ao perceber um pouco de sangue nos cabelos foi lavar-se, voltando a dormir. Bernard desistiu do suicídio.

   No dia seguinte ela levantou-se normalmente e só sentiu forte dor de cabeça, porque a bala não afetou o cérebro. Após 10 dias a mulher consultou um médico e a radiografia posteriormente feita mostrou um objeto alojado no osso do crânio. Evelyne entendeu o que acontecera na noite e foi à Polícia. Chamado, Bernard confirmou a surpreendente história. Foi julgado e condenado.

Já falei que foi apenas depois de lecionar macroeconomia no curso de graduação da UFRGS, mas provavelmente a partir de 1984, que passei a conhecer um tanto mais sobre o funcionamento do mercado de trabalho, Conseguindo conciliar alguma leitura de economia marxista com -se bem lembro- o livro de Rudiger Dornbush e Stanley Fischer- passei a ver o mercado de trabalho como o verdadeiro centro do capitalismo. Nesta linha, não posso garantir se tirei lições desta notícia para recriminar o capitalismo francês, que deixou o monsieur Muxart desesperado. Mas, detentor de elevada auto-estima, ele achou que seu desaparecimento levaria dores terríveis a sua esposa, la jeunne Evelyne.

Tragédias terríveis, no capitalismo, também parecem comédias quando vividas por outros...

DdAB

P.S. A Wikipedia francesa não consigna o nome de Evelyne Muxart. Nem vou procurar o nome do criminoso, pois só falta terem-no enciclopediado.

P.S.S. A imagem, embora, no contexto, pareça um tanto mórbida, não tem nada a ver com os cabelos ensanguentados pela tentativa de feminicídio do passado não tão remoto.