08 maio, 2020

Meus CDs e a Pandemia: sorrisos e lágrimas


Melhor dizendo, desdizendo o título: meus 394 CDs mexidos nesta tarde de confinamento domiciliar, causaram-me tristeza, rapidamente substituída por incontida alegria. Minha postagem atende ao marcador "Vida Pessoal", mas -falando rapidamente em capacidade ociosa- poderia também ser "Economia Política", que é o marcador modal. Que capacidade ociosa? Primeiro, é que ouço apenas um de cada vez, ficando, portanto os outros 393 completamente ociosos. Segundo, especialmente agora que permanecerão sob meu teto, a capacidade ociosa de todos os 394 será total. Um dia, quem sabe, eles vão a um museu?

Tudo começou com intenções nutridas bem antes da classificação desta gripe matadora pelo presidente da triste república do Brasil como gripezinha. Olha o absurdo do cara que, quando escrevi "gripezinha", o corretor de texto sublinhou, está fora do léxico do velho Google. Aliás, Bolsonaro também é sublinhado em vermelho. Como diz o versinho da infância:

Diz o vermelho perigo,
O verde pode passar.
O amarelo, nosso amigo,
Nos aconselha a esperar.

Espero que ele renuncie, contrariamente -já vou falar- ao que hoje decidi: não renunciar a meus CDs deu-me incontida alegria. A verdade é que devem ter-se passado já uns 72 anos que não ouço nenhum deles. Isto que, entre minhas "iguarias", tenho uma coleção de uns 40 Concertos de Aranjuez, com diferentes violonistas. Um dia, irreverente, pensei -e nunca fiz, mas ainda há tempo- em fazer uma análise da variância entre os tempos dos três movimentos executados pelos diferentes violonistas. Creio que, com esse resultado seriam esclarecidas aquelas questiúnculas menores (para o presidente da república, lógico) sobre de onde viemos e para onde vamos.

Pois então, e apenas então. Comecei a "folhar" aquelas embalagens minimalistas (comparadas com os bolachões, lógico), muitas delas apenas miniaturizando as capas das velhas gravações. A intenção era lançar todas ao lixo seco. Olha que te olha que de repente comecei a curtir, a lembrar de diferentes momentos de minha vida (estimativa conservadora: mais de 394 momentos), em muitos casos até o instante da compra, outros, o sublime instante em que ganhei um ou outro de presente. Outros ainda evocaram-me incríveis situações prazerosas proporcionadas pelo prazer de lembrar, cantarolar canções ou movimentos dos vários CDs contendo música de câmara. E meus tangos, também uma coleção de uns 50 exemplares?

A questão -the question, como diriam William Shakespeare e Aristóteles- passou a ser: selecionar tantos bons momentos, proxies de felicidade sublime e sideral. Mas aí veio-me uma ideia da manutenção do plano original: tristeza profunda ao dar-me conta de que havia CDs e canções que me lembraram maus momentos, por exemplo, quando estava para voltar ao Brasil do paraíso (Oxford). O lindo "Apesar de Você" de minha ligeira pós-adolescência. A vingança com "Vai passar", de meados dos anos oitenta. Tanta coisa que comecei a selecionar entre os que já estavam na lista do matadouro aqueles que, -on second thoughs, como diriam Winston Churchill e Elisabeth Regina, herself- mereciam ficar. Ao selecionar todos, alcançou-me a incontida alegria que tenho anunciado desde o início destas românticas reflexões. Consolidada a decisão, achei que todos os demais mereciam ser examinados com a mesma intenção. E surgiu a moral da história: ficaram todos. Mudaram de lugar na casa, a fim de não incomodar o cotidiano, mas é certo que todo dia 8 de maio de todos os anos que me restam vou examiná-los, ouvir algumas peças e... ser feliz.

DdAB
P. S. A imagem, sei que não é eterna, pois os links também são finitos, é de um filmezinho de "She's a rainbow", dos Rolling Stones e do disco "Their Satanic Majesties Request", de 1967, ano em que iniciei minha série de exames vestibular para a faculdade de arquitetura. Esta faceta de minha vida pessoal conto-a outro dia. As marcas que lembram o YouTube são de lá mesmo e você a encontra clicando aqui. De todos meus agora já proverbiais 394 CDs o que tem esta canção é o preferido, pois guarda a canção preferida entre todas as canções dos 73 anos incompletos.

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