Especializando-me em introdução à filosofia, li, tempinhos atrás, o livro
RUSSELL, Bertrand ([1912], 2018) Os problemas da filosofia. Lisboa: EDIÇÕES 70.
Velhinho, né? Mas, já que estamos no assunto da wing do tema da biblioteca de que me encontro divorciado (motivo covid-19, mas que haverá reencontro em breve), vai um outro introdutório e maravilhoso. Diferentemente daquele mr. Marcondes que citei no dia 3 de maio, Thomas Nagel não fala em história da filosofia, mas seleciona alguns temas, dando interessantes respostas filosóficas sob o ponto de vista contemporâneo, contemporâneo dele. Além de um capítulo introdutório de seu livro, temos:
Como sabemos alguma coisa?
Outras mentes
O problema mente-corpo
O significado das palavras
Livre-arbítrio
Certo e errado
Justiça
Morte
O significado da vida
NAGEL, Thomas (2007) Uma breve introdução à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. [Título original: What does it all mean? O título em português foi retirado do primeiro parágrafo da Intrudução]
Voltando a Russell, quero citar um trechinho, associar com Isaac Azimov (citarei de memória) e fazer um comentário edificante sobre o futuro do presidente da república. Eu disse Russell, páginas 215-6:
[...] Há muitas questões - e entre elas as que são do mais profundo interesse para a nossa vida espiritual - que, tanto quanto podemos ver, têm de continuar insolúveis pelo intelecto humano a menos que os seus poderes passem a ser de uma ordem diversas diferente do que são agora. Tem o universo alguma unidade ou plano ou propósito, ou é uma confluência fortuita de átomos? É a consciência uma parte permanente do universo, dando a esperança de um crescimento sem fim em sabedoria, ou é um acidente transitório num pequeno planeta no qual a vida terá de acabar por se tornar impossível? São o bem e o mal importantes para o universo ou apenas para o homem? Tais questões são levantadas pela filosofia, e respondidas de modos diversos por filósofos diversos. Mas parece que, sejam as respostas susceptíveis de ser descobertas de outro modo ou não, nenhuma das respostas sugeridas pela filosofia são demonstrativamente verdadeiras. Contudo, por mais pequena que seja a esperança de descobrir uma resposta, faz parte da actividade filosófica continuar a considerar tais questões, para nos tornar cientes de sua importância, para examinar todas as suas abordagens e para manter vivo aquele interesse especulativo no universo que é susceptível de sr liquidado, se nos confinarmos ao conhecimento que pode ser definitivamente estabelecido.
Actividade? Susceptível? Só pode ser mesmo português de Portugal, tanto é que a editora 34 tem sede em Lisboa... Seja como for, imagino Bolsonaro lendo este trecho do antigo livro introdutório de um dos grandes filósofos do século XX. Foi Russell um dos que contribuiu substantivamente para a união definitiva da lógica e da matemática. E, no final da vida, tornou-se um ativista da causa da paz mundial, como é o caso de Noam Chomsky nos dias que correm. Imagino Bolsonaro militando a favor da paz mundial: aí mesmo é que guerras e mais guerras é que iriam rolar.
Por todas as conquistas comprovadas do intelecto de Bolsonaro, torna-se patente que, ao ler o trecho que selecionei, além de dar berros, urros e rugidos de ódio de sua condição de imbecil, ele também diria tratar-se de uma abordagem comunista, pois - argumentaria ele - leitura complicada e coisa de Moscow.
Deixando avaliações sobre o presidente do Brasil de lado, passo a comentar alguma coisa da passagem selecionada. Hoje sabemos que, seguindo a sequência principal, o Sol vai tornar-se uma anã branca. Quando essa contração começar, é provável que o sistema planetário sofra calorões inauditos. E, dando sequência a essa situação, ao transformar-se em estrela gigante vermelha, o calor da expansão é capaz de acabar com o que ainda restava de seu sistema planetário. Se a Terra ainda estivesse na órbita que conhecemos, ela seria torrada como minhoca no café dos bêbados, uma simpatia bem antipática para eles deixarem a birita.
E daí? Daí vem Isaac Azimov para nos salvar. Primeiro, ele provavelmente em algum de seus livros de ficção científica problematizou a questão do abandono do planeta. Eu mesmo já andei dizendo que "viver em planeta é perigoso", antevendo o momento em que a humanidade construirá naves espaciais enormes, acomodando famílias inteiras, comunidades inteiras e flanará fagueira pela imensidão do espaço.
Seja como for, ainda em seus movimentos terráqueos, Azimov escreveu um conto intitulado "A última pergunta", integrante do livro "Nove amanhãs" (memórias que merecem conferência, pois meu livro está alheio a meu confinamento). A história começa com dois engenheiros, um tanto embriagados na comemoração de um evento cibernético, digamos, um novo e potente computador, quando um indaga ao outro: a entropia pode ser invertida? Entropia como sabemos é o estado de desorganização da matéria. O melhor exemplo que chegou a mim é pensarmos no sistema formado por um ovo: casca, clara e gema. Então seu estado de organização é máximo. Imagine que o ovo se quebra, a entropia sobe significativamente, ou seja, aquela matéria bem organizada deixa de sê-lo. E nunca mais se poderá montar novamente aquele ovo. Perdeu-se organização, aumentou-se a entropia.
Nenhum dos engenheiros sabe a resposta e deslocam a pergunta ao computador. Este faz uns barulhinhos, range dentes (dentes?), etc., e manda um bilhetinho: não tenho dados suficientes para responder. À medida que os computadores vão evoluindo, volta e meia, alguém torna a indagar ao mais moderno deles: a entropia pode ser invertida? E assim a humanidade evoluiu, sempre expandindo seu conhecimento e mantendo-se incapaz de responder a essa simples pergunta. Os próprios seres humanos começaram a se transformar, tornando-se espécies de seres gelatinosos que se comunicam por telepatia, sei lá. Quando eles já não têm razão para viver, pois evoluíram para uma espécie de beco sem saída, dotados de um conhecimento deles próprios astronômico e do funcionamento do próprio universo, que praticamente está em desorganização absoluta. No momento em que estão prestes a encerrar a trajetória pós-humana, um deles indaga novamente: a entropia poderá ser invertida?
E a resposta que não seria dada nem pela ministra Damares nem pelo próprio presidente Bolsonaro é: faça-se a luz!
DdAB
P.S. Aquela maçaroca lá do início é para reproduzir duas galáxias se encontrando. Eu a selecionei pois pareceu-me ter tudo a ver com o atual governo brasileiro e seu intelecto privilegiado (no mau sentido).
P.S.S. Informantes do Palácio do Planalto levaram-me a crer que, quando o presidente da república ler esta postagem e aquela referência à página do livro de Russell que citei, ou seja, páginas 215-6, ele exclamará: "Que animal! Ao invés de citar a página 209, fica mandando a gente usar a máquina de calcular para ver qual é mesmo a página citada."
Nenhum comentário:
Postar um comentário