Um negão de meu porte, ao especializar-se em Introdução à Filosofia, precisa dedicar uns bons momentos diariamente no afã de ser promovido à Filosofia Média, algo assim, nada a ver com o medievo tipo Agostinho, Anselmo, Tomás e Ockam. E de onde tirei esse quarteto? De um livro introdutório, claro:
MARCONDES, Danilo (1997, 2007) Iniciação à história da filosofia; dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar.
Esta obra já foi referida por mim em apoio a importante teorema (de minha autoria) aqui (https://19duilio47.blogspot.com/2020/01/o-primeiro-teorema-da-idade-versao.html).
Mas hoje quero falar em filósofos mais próximos a nós. Como que num proêmio, vou logo dizendo que sempre ouvi dizer que, para sermos bons economistas, devemos conhecer história. Nunca entendi bem o significado dessa afirmação. História da conquista da Gália pelos romanos? Vercingetórix? Isto sempre me agradou, pois tinha suporte bibliográfico na revista Asterix. Ou seria a história dos Estados Unidos, que Marx e Engels estudaram tão zelosamente? Ou a da Guerra do Paraguay? Ao longo dos quase 60 anos que me declaro cercando a ciência econômica (que até hoje ainda não se rendeu...), li pilhas de matérias históricas, claro. Mas somente agora, ao ler Danilo Marcondes é que consegui firmar um pé, um pé cheio sobre terreno sublime, na importância da história para entendermos exatamente onde estamos e para onde vamos, o lado que precisa ser escavado dentro da formação econômico-social capitalista para realmente desfrutarmos seu lado alegre.
Hegel e a História
Pois então. Marcondes tem um capítulo que inspirou a presente postagem, não fosse outro capítulo... Falo inicialmente do capítulo 7 "Hegel e a Importância da História". Na página 223, vemos a seção B "Consciência e História", em que Marcondes inicia citando o próprio Hegel, um trecho do livro "Filosofia do Direito". Hegel:
O que quer que aconteça, cada indivíduo é sempre filho de sua época: portanto, a filosofia é a sua época tal como apreendida pelo pensamento. É tão absurdo imaginar que a filosofia pode transcender sua realidade contemporânea quanto imaginar que um indivíduo pode superar seu tempo, saltar sobre Rodes.
Primeiro, lembrei Edmund Wilson, citando (?) Michelet, que disse que "o indivíduo tem mais a cara de seu tempo que a de seu pai". Segundo, até merecia uma nota de rodapé aquele "saltar sobre Rodes". Ao ler, lembrei que aprendi essa expressão lendo "O Capital", de Karl Marx. Agora voltei a ela via Wikipedia (minha tradução):
Hic Rhodus, hic salta - querendo dizer: "prove o que você pode fazer aqui e agora."
E, na minha tradução e ligeira edição do mesmo verbete, segue-se:
A frase surge da forma latina das fábulas de Esopo [...], traduzida do grego antigo "Αὐτοῦ γὰρ καὶ Ῥόδος καὶ πήδημα" (literalmente) "Aqui está Rodes, pule aqui!". Na fábula, um atleta arrogante se gabava de ter alcançado um salto estupendo em competições na ilha de Rodes. Um espectador o desafia a dispensar os relatos das testemunhas e simplesmente repetir sua realização no local onde agora se encontra: "Aqui está Rhodes, pule aqui!"
Ok, chega de Rodes, voltemos a Hegel. O comentador diz:
A reflexão filosófica deve partir, portanto de um exame do processo de formação da consciência. Na verdade, através da consciência crítica de nossa situação histórica, podemos entender o próprio processo histórico as 'leis da história', seu sentido e sua direção e, apenas desta forma, podemos ir além da consciência de nosso tempo.
Há em Hegel um compromisso com a ideia de progresso humano, mas este progresso é sempre julgado do ponto de vista dos que o alcançaram, i. e., de um ponto de vista específico.
[...]
Já nas "Lições de Iena", que contêm material postumamente desenvolvido e reelaborado na "Fenomenologia do Espírito", Hegel formula sua concepção de processo de formação da consciência. Trata-se de um tríplice processo, Ou de uma tríplice dialética, consistindo em três elementos básicos:
1) as 'relações morais', isto é, a família, ou a vida social;
2) a linguagem, ou os processos de simbolização; e
3) o trabalho, ou a maneira como o homem interage com a natureza para dela extrair seus meios de subsistência, elemento que será valorizado fundamentalmente por Marx.
Primeirão: então ficamos sem qualquer dúvida sobre aquela encrenca thatcheriana sobre o indivíduo ser mais importante que a sociedade. Sem família, não se pode falar em vida social. Thatcher e a turma neo-liberal desejosa de estado mínimo. Eles não leram o livro de contabilidade social que eu mesmo editei em co-autoria com Vladimir Lautert. Lá falamos com muita ênfase no tripé da organização institucional da sociedade como: mercado-estado-comunidade. Ou seja, se o estado é uma das partes estruturante da vida societária, que diabos poderiam autorizar a enquadrá-lo como necessitando ter tamanho mínimo?
Segundo: a linguagem, tá na cara, tem tudo a ver. E o ativista Noam Chomsky está aí mesmo para dizer que aqueles macacos lá de trás experimentaram uma mutação física em seu cérebro que lhes permitiu fazer frases. Eu mesmo, se não falo de parentes, lembro os macacos bonobo que, pelo que leio em biólogos mais ardentes que Chomksy, têm um vocabulário de 10 palavras. Mas admito que "falar" não é apenas isto, que linguagem não é apenas registrar pensamentos dentro de um léxico mais curto que coice de porco (fonte do dito que digo fora de contexto: http://19duilio47.blogspot.com/2020/02/ditos-gauchos-velhos-novos-e-inventados.html).
Terceiro: o comentador fala que o terceiro elemento estruturante é o trabalho. E passa a discorrer o que ele-Hegel entende por isso: a relação que o homem estabelece com a natureza para tratar de sua sobrevivência e, já vou eu acrescentando, para tratar de sua própria escalada evolucionária, quando - bem sabemos - deixamos ser aqueles macacões que habitavam o... sul da França. Bicharocos que precisaram de "pão e rosas" para seguir rosnando e evoluindo, gerando o velho Vercingetórix e a linda Catherine Deneuve.
História e a vitória sobre as necessidades
Não é à toa que a incompreensão de alguns economistas que desprezam tudo o que maus professores ensinaram na faculdade de economia tinham que inserir em tal desprezo o descarte da reflexão sobre as chamadas "questões fundamentais da economia" que tratam, claro, de toda atividade produtiva humana, mas que nos levam a pensar exatamente nos bicharocos pré-colombianos, super-pré-colombianos:
Primeira: o que, quanto produzir - vai ter mais milho assado ou mais semente resultando de cada safra. Se tiver muita semente, há promessas de que as muié maia, no período seguinte, possam surgir com mais milho assado. Se comerem tudo, ano que vem, as coroas começam do zero. Uma luta na apropriação do meio ambiente.
Segunda: como produzir - elas vão usar as mãos ou alguma daquela turma de mulheres excepcionais vai inventar de catar uma varinha no chão que servirá para fazer as covas e nelas depositar as sementes. Depois veio a enxada e, em seguida, a agricultura de precisão, com satélites e tratores. Uma luta para controlar o meio ambiente.
Terceira: como distribuir a produção:: uma luta de cada pós-macaco com os demais, ou de grupos de pós-macacos com outros grupos. Até hoje esta luta não dá sinal de serenar. Talvez não serene nunca, mas tenho a fornida crença que uma sociedade social-democrata, ou a nova-social-democracia, poderá dar um jeito. Hoje vemos a contradição principal forjada entre desempregados e empregados, claro que tudo sob a égide da distribuição original: entre trabalhadores e capitalistas-e-rentistas. E hoje sabemos que nunca mais haverá, se é que algum dia houve, emprego para todos. E hoje, ao invés de reduzirem a jornada de trabalho para criar empregos para todos, o grandioso sonho de enormes parcelas da sociedade é precisamente aumentar a produtividade do trabalho para botar mais pós-macacos na rua - fire them, no dizer americano.
Lado Alegre do Capitalismo (não me interprete mal)
O mais famoso capítulo do volume I d'O Capital é, óbvio, o primeiro. Mas, depois de vencido aquele pesado conteúdo, o leitor se deleita com o capítulo 26 (que, dependendo da edição, tem outro número). Encontrei o trecho que desejo realçar aqui:
https://www.marxists.org/archive/marx/works/download/pdf/Capital-Volume-I.pdf
Este é o lugar para voltar a uma das grandes façanhas da apologética econômica. Deve-se lembrar que, se através da introdução de máquinas novas ou da extensão de máquinas antigas, uma parte do capital variável é transformada em constante, o apologista econômico interpreta essa operação que 'fixa' o capital e por esse mesmo ato 'libera' os trabalhadores, exatamente na maneira oposta, fingindo que libera capital livre para os trabalhadores. Somente agora é possível entender completamente o descaramento desses apologistas. O que é libertado não são apenas os trabalhadores imediatamente despejados pelas máquinas, mas também seus futuros substitutos na geração em ascensão e o contingente adicional de que, com a habitual extensão do comércio na antiga base, seria absorvido regularmente.
Agora eles estão 'liberados', e cada nova partícula de capital que procura emprego pode eliminá-los. Se atrai a eles ou a outros, o efeito sobre a demanda geral de mão-de-obra será nulo, se esse capital for suficiente para retirar do mercado tantos trabalhadores quanto as máquinas lançadas sobre ele. Se empregar um número menor, o dos supranumerários aumentará; se empregar um valor maior, a demanda geral por mão-de-obra aumentará apenas na extensão do excesso de empregados em relação aos 'libertados'. O impulso que o capital adicional, buscando uma saída, de outra forma teria dado à demanda geral de trabalho, é, portanto, sempre neutralizado na medida em que os trabalhadores são demitidos pela máquina. Ou seja, o mecanismo da produção capitalista administra questões que o aumento absoluto do capital não é acompanhado de aumento correspondente na demanda geral por trabalho. E isso o apologista pede uma compensação pela miséria, pelos sofrimentos, pela possível morte dos trabalhadores deslocados durante o período de transição que os bane para o exército da reserva industrial! A demanda por trabalho não é idêntica ao aumento de capital, nem a oferta de trabalho com aumento da classe trabalhadora. Não é o caso de duas forças independentes trabalhando umas nas outras. Les dés sont pipés. [Os dados estão lançados, DdAB]
O capital trabalha de ambos os lados ao mesmo tempo. Se seu acúmulo, por um lado, aumenta a demanda por trabalho, por outro, aumenta a oferta de trabalhadores pela "libertação" deles, enquanto ao mesmo tempo a pressão dos desempregados obriga os empregados a fornecer mais trabalho e, portanto, torna a oferta de trabalho, em certa medida, independente da oferta de trabalhadores. A ação da lei da oferta e demanda de trabalho nesta base vem a completar o despotismo do capital. Assim, logo que os trabalhadores aprendem o segredo, como acontece que, na mesma medida em que trabalham mais, produzem mais riqueza para os outros e à medida que o poder produtivo de seu trabalho aumenta, também na mesma medida até sua função como meio de auto-expansão do capital se torna cada vez mais precária para eles; assim que descobrem que o grau de intensidade da competição entre si depende inteiramente da pressão da população excedente relativa; assim que, pelos sindicatos, tentam organizar uma cooperação regular entre empregados e desempregados, a fim de destruir ou enfraquecer os efeitos ruinosos dessa lei natural da produção capitalista sobre sua classe, e logo o capital e seu bajulador, a Economia Política, clamam pela violação da lei 'eterna' e, por assim dizer, 'sagrada' da oferta e demanda. Toda combinação de empregados e desempregados perturba a ação 'harmoniosa' desta lei. Mas, por outro lado, assim que (nas colônias, por exemplo), circunstâncias adversas impedem a criação de um exército de reserva industrial e, com ele, a dependência absoluta da classe trabalhadora à classe capitalista, capital e seu lugar-comum, um desses Sancho Pança, revolta-se contra a 'sagrada' lei da oferta e demanda e tenta verificar sua ação inconveniente por meios forçados e interferência do Estado.
Lado alegre do capitalismo, eu disse alegre? Não é o que entendemos no trecho de Marx que acabo de reproduzir. Mas algo vai mais além. A substituição do trabalho por máquinas, trabalho vivo por trabalho morto, é a maior virtude do capitalismo, isto é, o aumento da produtividade do trabalho, desde que controlado para a distribuição. Sempre entendi, ou melhor, hoje entendo que o capitalismo tem esse lado alegre a oferecer: a libertação do trabalho rotineiro. Basta o proletariado conscientizar-se de que precisa votar em partidos social-democratas.
Ok, chega de Rodes, voltemos a Hegel. O comentador diz:
A reflexão filosófica deve partir, portanto de um exame do processo de formação da consciência. Na verdade, através da consciência crítica de nossa situação histórica, podemos entender o próprio processo histórico as 'leis da história', seu sentido e sua direção e, apenas desta forma, podemos ir além da consciência de nosso tempo.
Há em Hegel um compromisso com a ideia de progresso humano, mas este progresso é sempre julgado do ponto de vista dos que o alcançaram, i. e., de um ponto de vista específico.
[...]
Já nas "Lições de Iena", que contêm material postumamente desenvolvido e reelaborado na "Fenomenologia do Espírito", Hegel formula sua concepção de processo de formação da consciência. Trata-se de um tríplice processo, Ou de uma tríplice dialética, consistindo em três elementos básicos:
1) as 'relações morais', isto é, a família, ou a vida social;
2) a linguagem, ou os processos de simbolização; e
3) o trabalho, ou a maneira como o homem interage com a natureza para dela extrair seus meios de subsistência, elemento que será valorizado fundamentalmente por Marx.
Primeirão: então ficamos sem qualquer dúvida sobre aquela encrenca thatcheriana sobre o indivíduo ser mais importante que a sociedade. Sem família, não se pode falar em vida social. Thatcher e a turma neo-liberal desejosa de estado mínimo. Eles não leram o livro de contabilidade social que eu mesmo editei em co-autoria com Vladimir Lautert. Lá falamos com muita ênfase no tripé da organização institucional da sociedade como: mercado-estado-comunidade. Ou seja, se o estado é uma das partes estruturante da vida societária, que diabos poderiam autorizar a enquadrá-lo como necessitando ter tamanho mínimo?
Segundo: a linguagem, tá na cara, tem tudo a ver. E o ativista Noam Chomsky está aí mesmo para dizer que aqueles macacos lá de trás experimentaram uma mutação física em seu cérebro que lhes permitiu fazer frases. Eu mesmo, se não falo de parentes, lembro os macacos bonobo que, pelo que leio em biólogos mais ardentes que Chomksy, têm um vocabulário de 10 palavras. Mas admito que "falar" não é apenas isto, que linguagem não é apenas registrar pensamentos dentro de um léxico mais curto que coice de porco (fonte do dito que digo fora de contexto: http://19duilio47.blogspot.com/2020/02/ditos-gauchos-velhos-novos-e-inventados.html).
Terceiro: o comentador fala que o terceiro elemento estruturante é o trabalho. E passa a discorrer o que ele-Hegel entende por isso: a relação que o homem estabelece com a natureza para tratar de sua sobrevivência e, já vou eu acrescentando, para tratar de sua própria escalada evolucionária, quando - bem sabemos - deixamos ser aqueles macacões que habitavam o... sul da França. Bicharocos que precisaram de "pão e rosas" para seguir rosnando e evoluindo, gerando o velho Vercingetórix e a linda Catherine Deneuve.
História e a vitória sobre as necessidades
Não é à toa que a incompreensão de alguns economistas que desprezam tudo o que maus professores ensinaram na faculdade de economia tinham que inserir em tal desprezo o descarte da reflexão sobre as chamadas "questões fundamentais da economia" que tratam, claro, de toda atividade produtiva humana, mas que nos levam a pensar exatamente nos bicharocos pré-colombianos, super-pré-colombianos:
Primeira: o que, quanto produzir - vai ter mais milho assado ou mais semente resultando de cada safra. Se tiver muita semente, há promessas de que as muié maia, no período seguinte, possam surgir com mais milho assado. Se comerem tudo, ano que vem, as coroas começam do zero. Uma luta na apropriação do meio ambiente.
Segunda: como produzir - elas vão usar as mãos ou alguma daquela turma de mulheres excepcionais vai inventar de catar uma varinha no chão que servirá para fazer as covas e nelas depositar as sementes. Depois veio a enxada e, em seguida, a agricultura de precisão, com satélites e tratores. Uma luta para controlar o meio ambiente.
Terceira: como distribuir a produção:: uma luta de cada pós-macaco com os demais, ou de grupos de pós-macacos com outros grupos. Até hoje esta luta não dá sinal de serenar. Talvez não serene nunca, mas tenho a fornida crença que uma sociedade social-democrata, ou a nova-social-democracia, poderá dar um jeito. Hoje vemos a contradição principal forjada entre desempregados e empregados, claro que tudo sob a égide da distribuição original: entre trabalhadores e capitalistas-e-rentistas. E hoje sabemos que nunca mais haverá, se é que algum dia houve, emprego para todos. E hoje, ao invés de reduzirem a jornada de trabalho para criar empregos para todos, o grandioso sonho de enormes parcelas da sociedade é precisamente aumentar a produtividade do trabalho para botar mais pós-macacos na rua - fire them, no dizer americano.
Lado Alegre do Capitalismo (não me interprete mal)
O mais famoso capítulo do volume I d'O Capital é, óbvio, o primeiro. Mas, depois de vencido aquele pesado conteúdo, o leitor se deleita com o capítulo 26 (que, dependendo da edição, tem outro número). Encontrei o trecho que desejo realçar aqui:
https://www.marxists.org/archive/marx/works/download/pdf/Capital-Volume-I.pdf
Este é o lugar para voltar a uma das grandes façanhas da apologética econômica. Deve-se lembrar que, se através da introdução de máquinas novas ou da extensão de máquinas antigas, uma parte do capital variável é transformada em constante, o apologista econômico interpreta essa operação que 'fixa' o capital e por esse mesmo ato 'libera' os trabalhadores, exatamente na maneira oposta, fingindo que libera capital livre para os trabalhadores. Somente agora é possível entender completamente o descaramento desses apologistas. O que é libertado não são apenas os trabalhadores imediatamente despejados pelas máquinas, mas também seus futuros substitutos na geração em ascensão e o contingente adicional de que, com a habitual extensão do comércio na antiga base, seria absorvido regularmente.
Agora eles estão 'liberados', e cada nova partícula de capital que procura emprego pode eliminá-los. Se atrai a eles ou a outros, o efeito sobre a demanda geral de mão-de-obra será nulo, se esse capital for suficiente para retirar do mercado tantos trabalhadores quanto as máquinas lançadas sobre ele. Se empregar um número menor, o dos supranumerários aumentará; se empregar um valor maior, a demanda geral por mão-de-obra aumentará apenas na extensão do excesso de empregados em relação aos 'libertados'. O impulso que o capital adicional, buscando uma saída, de outra forma teria dado à demanda geral de trabalho, é, portanto, sempre neutralizado na medida em que os trabalhadores são demitidos pela máquina. Ou seja, o mecanismo da produção capitalista administra questões que o aumento absoluto do capital não é acompanhado de aumento correspondente na demanda geral por trabalho. E isso o apologista pede uma compensação pela miséria, pelos sofrimentos, pela possível morte dos trabalhadores deslocados durante o período de transição que os bane para o exército da reserva industrial! A demanda por trabalho não é idêntica ao aumento de capital, nem a oferta de trabalho com aumento da classe trabalhadora. Não é o caso de duas forças independentes trabalhando umas nas outras. Les dés sont pipés. [Os dados estão lançados, DdAB]
O capital trabalha de ambos os lados ao mesmo tempo. Se seu acúmulo, por um lado, aumenta a demanda por trabalho, por outro, aumenta a oferta de trabalhadores pela "libertação" deles, enquanto ao mesmo tempo a pressão dos desempregados obriga os empregados a fornecer mais trabalho e, portanto, torna a oferta de trabalho, em certa medida, independente da oferta de trabalhadores. A ação da lei da oferta e demanda de trabalho nesta base vem a completar o despotismo do capital. Assim, logo que os trabalhadores aprendem o segredo, como acontece que, na mesma medida em que trabalham mais, produzem mais riqueza para os outros e à medida que o poder produtivo de seu trabalho aumenta, também na mesma medida até sua função como meio de auto-expansão do capital se torna cada vez mais precária para eles; assim que descobrem que o grau de intensidade da competição entre si depende inteiramente da pressão da população excedente relativa; assim que, pelos sindicatos, tentam organizar uma cooperação regular entre empregados e desempregados, a fim de destruir ou enfraquecer os efeitos ruinosos dessa lei natural da produção capitalista sobre sua classe, e logo o capital e seu bajulador, a Economia Política, clamam pela violação da lei 'eterna' e, por assim dizer, 'sagrada' da oferta e demanda. Toda combinação de empregados e desempregados perturba a ação 'harmoniosa' desta lei. Mas, por outro lado, assim que (nas colônias, por exemplo), circunstâncias adversas impedem a criação de um exército de reserva industrial e, com ele, a dependência absoluta da classe trabalhadora à classe capitalista, capital e seu lugar-comum, um desses Sancho Pança, revolta-se contra a 'sagrada' lei da oferta e demanda e tenta verificar sua ação inconveniente por meios forçados e interferência do Estado.
Lado alegre do capitalismo, eu disse alegre? Não é o que entendemos no trecho de Marx que acabo de reproduzir. Mas algo vai mais além. A substituição do trabalho por máquinas, trabalho vivo por trabalho morto, é a maior virtude do capitalismo, isto é, o aumento da produtividade do trabalho, desde que controlado para a distribuição. Sempre entendi, ou melhor, hoje entendo que o capitalismo tem esse lado alegre a oferecer: a libertação do trabalho rotineiro. Basta o proletariado conscientizar-se de que precisa votar em partidos social-democratas.
Voltando à importância da História, agora para Marx
Sigo citando o livro de Marcondes:
[...] Segundo a análise de J. Habermas [...], Hegel teria, em suas Lições de Iena, levado em conta três dimensões da formação da consciência: a vida moral, as formas de simbolização (linguagem) e o trabalho, sendo que Marx viria a privilegiar o trabalho como a mais fundamental.
O próprio Marx diz que seu objetivo é 'inverter o homem de Hegel', que tem os pés na terra e a cabeça nas nuvens, mostrando que sua cabeça, i.e., suas ideias são determinadas pela 'terra', ou seja, pelas condições matriais de sua vida. A consciência que é considerada livre e autodeterminada passa a ser vista como condicionada pelo trabalho. Hegel, ao contrário de Kant, já admitia o conhecimento como socialmente determinado, existindo formas de consciência que correspondem a momentos históricos determinados. Só a partir da consideração da totalidade pode-se fazer a reconstrução dessas diferentes forma.s A alienação consiste em uma visão parcial, a partir de uma única forma, ou de um único momento. Isto, no entanto, segundo Marx, é ainda manter-se exclusivamente no plano das ideias e da cultura, o que consiste também em uma forma de alienação. [Diz Marx:]
Minha pesquisa me levou à conclusão de que as relações legais e as formas políticas não poderiam ser explicadas, seja por si mesmas seja como provenientes do assim chamado desenvolvimento geral da mente humana, mas que, ao contrário, elas se originam das condições materiais da vida ou da totalidade que Hegel, segundo o exemplo dos pensadores... do século XVIII engloba no termo 'sociedade civil'. (Contribuição à crítica da economia política, 1859, [...].
[Prossegue Danilo Marcondes]
A questão central da análise de Marx passa a ser portanto o trabalho [sic, DdAB], questão, aliás, praticamente ausente da análise dos filósofos desde a Antiguidade. O trabalho é uma relação invariante entre a espécie humana e seu ambiente natural, uma perpétua necessidade natural da vida humana. Esse sistema de ação, instrumental,, contingente [contingente, sô? DdAB], surge na evolução da espécie, mas condiciona nosso conhecimento da natureza ao interesse no possível controle técnico dos processos naturais. O processo autoformativo da espécie humana é condicionado, o que vai contra a ideia hegeliana de um movimento do Absoluto. Depende assim de condições contingentes da natureza. O Espírito não é , como queria Hegel, o fundamento absoluto da natureza, mas, ao contrário, a natureza é o fundamento do 'Espírito'. no sentido de uma processo natural que dá origem ao ser humano e ao meio ambiente em que vive. Ao reproduzir a vida nessas condições naturais, a espécie humana regula sua relação material com a natureza através do trabalho, constituindo assim o mundo em que existimos. As formas específicas segundo as quais a natureza é objetificada mudam historicamente, dependendo da organização social do trabalho. Só temos acesso à natureza através de categorias que refletem a organização de nossa vida material. No processo de trabalho não só a natureza é alterada, mas [também] o próprio homem que trabalha, não havendo assim uma essência humana fixa. "A História é a verdadeira história natural do homem', diz Marx. Seu materialismo histórico.[sic, DdAB], portanto, pretende ser uma teoria científica da história. Marx analisa então os diferentes estágios, caracterizados através da noção de 'relações de produção', que levaram a humanidade desde a sociedade primitiva, passando pela sociedade escravocrata e pela sociedade feudal, até a sociedade burguesa de sua época.
Podemos considerar, de certa forma, a filosofia de Marx como uma 'filosofia do fim da filosofia'. Isto quer dizer que a filosofia, tal como concebida tradicionalmente, está esgotada e é incapaz de realizar efetivamente a crítica a que se propõe. Para Marx, a filosofia indica a necessidade da prática revolucionária, de 'transformar o mundo', nas palavras da XI tese sobre Feuerbach, citada acima. A análise filosófica tradicional deve dar lugar assim a uma análise econômica, política, histórica e sociológica. E a reflexão filosófica teórica deve dar lugar a uma prática revolucionária transformadora, através de uma concepção de unidade entre teoria e prática.
Ufa! Transcrervi tudo até o fim da seção A. Que digo eu? Digo o que me disse meu colega Gerônimo Machado: "não queremos socialismo agora, apenas as reformas democráticas que conduzirão a ele". Eu digo que a humanidade não criou ainda (e talvez nem crie) as condições para se chegar ao socialismo. E talvez crie, por exemplo, em uma forma diferente de transformar a propriedade privada dos meios de produção em propriedade coletiva. Mas tem muita, muita água para rolar por baixo de todas as pontes já construídas e a construir.
Acrescentado em 6 de maio de 2020: e qual é mesmo o lado alegre do capitalismo? Uma de suas leis fundamentas de funcionamento é a concorrência: entre capitalistas e trabalhadores, entre capitalistas e capitalistas e também entre trabalhadores e trabalhadores. E que faz esta lei, sob o ponto de vista da produção? A concorrência entre os capitalistas leva a que estes desejem aumentar a maior fração possível de seu capital variável em capital constante. Ou seja, aumentar a produtividade do trabalho, ou seja, reduzir o número de trabalhadores por unidade de produção. Isto é, criar tempo ocioso. Se isto significa apenas aumentar o número de participantes daquelas reuniões da Plage des les Grèves, à beira do rio Sena em Paris, ou seja, aumentar o número de pessoas sem renda, trata-se de um traço amargo do capitalismo que deve ser suprimido por meio de políticas redistributivas, como a renda básica universal, incentivos à formação de empresários e outras.
Acrescentado em 6 de maio de 2020: e qual é mesmo o lado alegre do capitalismo? Uma de suas leis fundamentas de funcionamento é a concorrência: entre capitalistas e trabalhadores, entre capitalistas e capitalistas e também entre trabalhadores e trabalhadores. E que faz esta lei, sob o ponto de vista da produção? A concorrência entre os capitalistas leva a que estes desejem aumentar a maior fração possível de seu capital variável em capital constante. Ou seja, aumentar a produtividade do trabalho, ou seja, reduzir o número de trabalhadores por unidade de produção. Isto é, criar tempo ocioso. Se isto significa apenas aumentar o número de participantes daquelas reuniões da Plage des les Grèves, à beira do rio Sena em Paris, ou seja, aumentar o número de pessoas sem renda, trata-se de um traço amargo do capitalismo que deve ser suprimido por meio de políticas redistributivas, como a renda básica universal, incentivos à formação de empresários e outras.
DdAB
P.S. Onde se lê no parágrafo que sucede a primeira citação de Hegel, leia isto mesmo, Edmund Wilson: o autor de "Rumo à Estação Finlândia". É que agora corrigi, pois eu escrevera Edward Wilson, autor de biologia que muito aprecio, inclusive sua autobiografia "Naturalista". Claro que não apoio qualquer viajação racista, essas coisas.
P.S. Onde se lê no parágrafo que sucede a primeira citação de Hegel, leia isto mesmo, Edmund Wilson: o autor de "Rumo à Estação Finlândia". É que agora corrigi, pois eu escrevera Edward Wilson, autor de biologia que muito aprecio, inclusive sua autobiografia "Naturalista". Claro que não apoio qualquer viajação racista, essas coisas.
Original de Marx traduzido pela Wikipedia e revisado por mim:
This is the place to return to one of the grand exploits of economic apologetics. It will be remembered that if through the introduction of new, or the extension of old, machinery, a portion of variable capital is transformed into constant, the economic apologist interprets this operation which “fixes” capital and by that very act sets labourers “free,” in exactly the opposite way, pretending that it sets free capital for the labourers. Only now can one fully understand the effrontery of these apologists. What are set free are not only the labourers immediately turned out by the machines, but also their future substitutes in the rising generation, and the additional contingent, that with the usual extension of trade on the old basis would be regularly absorbed.
They are now all “set free,” and every new bit of capital looking out for employment can dispose of them. Whether it attracts them or others, the effect on the general labour demand will be nil, if this capital is just sufficient to take out of the market as many labourers as the machines threw upon it. If it employs a smaller number, that of the supernumeraries increases; if it employs a greater, the general demand for labour only increases to the extent of the excess of the employed over those “set free.” The impulse that additional capital, seeking an outlet, would otherwise have given to the general demand for labour, is therefore in every case neutralised to the extent of the labourers thrown out of employment by the machine. That is to say, the mechanism of capitalistic production so manages matters that the absolute increase of capital is accompanied by no
corresponding rise in the general demand for labour. And this the apologist calls a compensation for the misery, the sufferings, the possible death of the displaced labourers during the transition period that banishes them into the industrial reserve army! The demand for labour is not identical with increase of capital, nor supply of labour with increase of the working class. It is not a case of two independent forces working on one another. Les dés sont pipés.
Capital works on both sides at the same time. If its accumulation, on the one hand, increases the demand for labour, it increases on the other the supply of labourers by the “setting free” of them, whilst at the same time the pressure of the unemployed compels those that are employed to furnish more labour, and therefore makes the supply of labour, to a certain extent, independent of
the supply of labourers. The action of the law of supply and demand of labour on this basis completes the despotism of capital. As soon, therefore, as the labourers learn the secret, how it comes to pass that in the same measure as they work more, as they produce more wealth for others, and as the productive power of their labour increases, so in the same measure even their function as a means of the self-expansion of capital becomes more and more precarious for them;
as soon as they discover that the degree of intensity of the competition among themselves depends wholly on the pressure of the relative surplus population; as soon as, by Trades’ Unions, and they try to organise a regular co-operation between employed and unemployed in order to destroy or to weaken the ruinous effects of this natural law of capitalistic production on their class, so soon capital and its sycophant, Political Economy, cry out at the infringement of the “eternal” and so to say “sacred” law of supply and demand. Every combination of employed and unemployed disturbs the “harmonious” action of this law. But, on the other hand, as soon as (in the colonies, e.g.) adverse circumstances prevent the creation of an industrial reserve army and, with it, the absolute dependence of the working class upon the capitalist class, capital, along with its commonplace Sancho Panza, rebels against the “sacred” law of supply and demand, and tries
to check its inconvenient action by forcible means and State interference.
This is the place to return to one of the grand exploits of economic apologetics. It will be remembered that if through the introduction of new, or the extension of old, machinery, a portion of variable capital is transformed into constant, the economic apologist interprets this operation which “fixes” capital and by that very act sets labourers “free,” in exactly the opposite way, pretending that it sets free capital for the labourers. Only now can one fully understand the effrontery of these apologists. What are set free are not only the labourers immediately turned out by the machines, but also their future substitutes in the rising generation, and the additional contingent, that with the usual extension of trade on the old basis would be regularly absorbed.
They are now all “set free,” and every new bit of capital looking out for employment can dispose of them. Whether it attracts them or others, the effect on the general labour demand will be nil, if this capital is just sufficient to take out of the market as many labourers as the machines threw upon it. If it employs a smaller number, that of the supernumeraries increases; if it employs a greater, the general demand for labour only increases to the extent of the excess of the employed over those “set free.” The impulse that additional capital, seeking an outlet, would otherwise have given to the general demand for labour, is therefore in every case neutralised to the extent of the labourers thrown out of employment by the machine. That is to say, the mechanism of capitalistic production so manages matters that the absolute increase of capital is accompanied by no
corresponding rise in the general demand for labour. And this the apologist calls a compensation for the misery, the sufferings, the possible death of the displaced labourers during the transition period that banishes them into the industrial reserve army! The demand for labour is not identical with increase of capital, nor supply of labour with increase of the working class. It is not a case of two independent forces working on one another. Les dés sont pipés.
Capital works on both sides at the same time. If its accumulation, on the one hand, increases the demand for labour, it increases on the other the supply of labourers by the “setting free” of them, whilst at the same time the pressure of the unemployed compels those that are employed to furnish more labour, and therefore makes the supply of labour, to a certain extent, independent of
the supply of labourers. The action of the law of supply and demand of labour on this basis completes the despotism of capital. As soon, therefore, as the labourers learn the secret, how it comes to pass that in the same measure as they work more, as they produce more wealth for others, and as the productive power of their labour increases, so in the same measure even their function as a means of the self-expansion of capital becomes more and more precarious for them;
as soon as they discover that the degree of intensity of the competition among themselves depends wholly on the pressure of the relative surplus population; as soon as, by Trades’ Unions, and they try to organise a regular co-operation between employed and unemployed in order to destroy or to weaken the ruinous effects of this natural law of capitalistic production on their class, so soon capital and its sycophant, Political Economy, cry out at the infringement of the “eternal” and so to say “sacred” law of supply and demand. Every combination of employed and unemployed disturbs the “harmonious” action of this law. But, on the other hand, as soon as (in the colonies, e.g.) adverse circumstances prevent the creation of an industrial reserve army and, with it, the absolute dependence of the working class upon the capitalist class, capital, along with its commonplace Sancho Panza, rebels against the “sacred” law of supply and demand, and tries
to check its inconvenient action by forcible means and State interference.
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