Parece ideia fixa: quase nunca ler, mas -ao fazê-lo- ficar sem palavras e, deste modo, partir para a escrita. Tanta enfatuação, tanta e tão larga visão estreita. Estou falando nos vieses do sr. Walter Lídio Nunes que, acabo de conferir, já tem duas entradas aqui neste blog. E nem posso dizer discordar de tudo o que ele diz. O que afirmo é que, em minha leitura cabrita de Zero Hora (pulo mais que os bichinhos na montanha), raramente leio o Walter.
Pois hoje é dia de minoria, isto é, exceção a meu padrão de pular a coluna que ele escreve. Quem é Walter Lídio Nunes, se não o conheceis? Ex ou atual presidente da ex-Borregard, afamada empresa que transformava florestas em pasta de celulose, atual vice-presidente da Associação Gaúcha das Empresas Florestais e, como inferimos, colunista de Zero Hora. Sem dúvida, uma das lideranças do meio empresarial sul-riograndense.
Sua coluna quinzenal, de hoje, tem o título de "Entraves para o Crescimento" e, como diriam os inspirados redatores do jornal, plantou-se na página 23. Se fosse crescimento dos preços, da taxa de câmbio, da distância do Sol à Lua, crescimento do que quer que seja, numa coluna assinada por ele, eu iria dar uma olhada. Seu tópico frasal me cativou, já no lado negativo do cativismo, tornou-me cativo, escravo, negativista:
Para termos um Brasil com mais igualdade social e qualidade de vida, precisamos desenvolver o ambiente de empreendedorismo sustentável. Uma país não resolve problemas sociais por meio de 'esmolas' assistencialistas, mas com empregos e iniciativas empreendedoras. Para promover a nossa inserção na economia globalizada e assegurar taxas de crescimento dignas de um país continental, o foco das políticas de Estado deve ser facilitar o empreendedorismo sustentável e a competitividade sistêmica.
Primeiro: então é o empreendedorismo sustentável que oferece "mais igualdade social e qualidade de vida"? Claro que este é um dos ingredientes da promoção da igualdade, se é que o Walter vai além e está pensando em crédito ao cidadão que apresente um bom projeto ao Sebrae, obtendo dele o financiamento para a implantação. Em minha visão, complementar?, à dele, o Sebrae deveria convidar a população interessada e oferecer-lhe bolsas de estudos, digamos, R$ 1.200 por mês para assistirem a cursos de empreendedorismo. Estudariam, até suas empresas passarem a gerar renda maior que R$ 200 mensais, quando o Sebrae passaria a pagar uma bolsa de R$ 1.000, a mesma esmola assistencialista que, por abrupto contraste com sua concepção de mundo moderno, eu recomendaria, em paralelo: a implantação da renda básica da cidadania estabelecida pela lei 10.835 de 2004.
Segundo: a que estará referindo-se o Walter ao falar em naquelas "esmolas assistencialistas"? Será ele contra a renda básica, a renda incondicional que representa, para o século XXI, o que a abolição da escravatura fez para o século XIX e o feminismo, para o século XX? [ideia de Phillipe van Parijs] . Bem, claro, seguramente, óbvio: ele se refere a uma taxa de investimento na economia que absorva aquele enorme exército de trabalhadores precários. Ele não se deu conta de que nunca haverá emprego para todos. Seus assessores economistas não são de confiança... E as iniciativas empreendedoras, como concebê-las para desvalidos sociais que não sabem diferenciar um tubo de pasta de dente de um tubo de cola?
Por fim, "competitividade sistêmica" num país de classe trabalhadora de rala incorporação de capital humano precisamente por causa de luminares do porte do Walter, que parece que fugiu dos livros de economia do desenvolvimento como as árvores sortudas escapam do machado de sua firma? Parece óbvio que o empreendedorismo em si está longe de ser o início da salvação nacional. Por contraste, o gasto público em educação, saúde, segurança, saneamento e previdência é que está na vitrine. E, naturalmente, o imposto de renda progressivo, o imposto sobre o patrimônio e o imposto sobre heranças ajuda a financiar esse gasto, também dando sua contribuição para reduzir a estonteante desigualdade que percola a vida social brasileira.
DdAB
Imagem: busquei no Google o título de um texto no livro de português que estudei em 1958 em Campo Grande, Matto Grosso. E veio aquela devastação deixando parte do mato sem cachorro.