Mais um apoio insuspeito a Fernando Haddad para o cargo de presidente do Brasil. Agora, vem-nos da Alemanha: Bertold Brecht (*10.fev.1898; +14.ago.1956). Trata-se do extraordinário poema "Aos que Vão Nascer", com tradução de Geir Campos. Penso tê-lo ouvido recitado numa daquelas peças de teatro político dos anos 1960 e também mantido contato com essa tradução publicada na Revista Civilização Brasileira daqueles tempos.
Aos que Vão Nascer
(Bertold Brecht)
I
Realmente, eu vivo num tempo sombrio.
A inocente palavra é um despropósito. Uma fronte sem ruga
denota insensibilidade. Quem está rindo
é só porque não recebeu ainda
a notícia terrível.
Que tempo é este em que
uma conversa sobre árvores chega a ser falta,
pois implica silenciar sobre tantos crimes?
Esse que vai cruzando a rua, calmamente,
então já não está ao alcance dos amigos
necessitados?
É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Porém, acreditai-me: é puro acaso. Nada
do que faço me dá direito a isso, de comer a fartar-me.
Por acaso me poupam. (Se minha sorte acaba,
estou perdido.)
Dizem-me: – Vai comendo e vai bebendo! Alegra-te com o que tens!
Mas como hei de comer e beber, se
o que eu como é tirado a quem tem fome, e
meu copo d’água falta a quem tem sede?
Contudo eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser um sábio.
Nos velhos livros consta o que é sabedoria:
manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve
deixar correr sem medo.
Também saber passar sem violência,
pagar o mal com o bem,
os próprios desejos não realizar e sim esquecer,
conta-se como sabedoria.
Não posso nada disso:
realmente, eu vivo num tempo sombrio!
II
Às cidades cheguei em tempo de desordem,
com a fome imperando.
Junto aos homens cheguei em tempo de tumulto
e me rebelei com eles.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minha comida mastiguei entre refregas.
Para dormir deitei-me entre assassinos.
O amor eu exercia sem cuidado
e olhava sem paciência a natureza.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
As ruas do meu tempo iam dar no atoleiro.
A fala denunciava-me ao carrasco.
Bem pouco podia eu, mas os mandões
sem mim sentiam-se mais garantidos, eu esperava.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minguadas eram as forças. E a meta
ficava a grande distância;
claramente visível, conquanto para mim
difícil de alcançar.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
III
Vós, que vireis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.
Vínhamos nós então mudando de país mais do que de sapatos,
em meio às lutas de classes, desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e revolta nenhuma.
E entretanto sabíamos:
também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o homem,
pensai em nós
com simpatia.
Não fica óbvio que Brecht também apoia Haddad?
I
Realmente, eu vivo num tempo sombrio.
A inocente palavra é um despropósito. Uma fronte sem ruga
denota insensibilidade. Quem está rindo
é só porque não recebeu ainda
a notícia terrível.
Que tempo é este em que
uma conversa sobre árvores chega a ser falta,
pois implica silenciar sobre tantos crimes?
Esse que vai cruzando a rua, calmamente,
então já não está ao alcance dos amigos
necessitados?
É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Porém, acreditai-me: é puro acaso. Nada
do que faço me dá direito a isso, de comer a fartar-me.
Por acaso me poupam. (Se minha sorte acaba,
estou perdido.)
Dizem-me: – Vai comendo e vai bebendo! Alegra-te com o que tens!
Mas como hei de comer e beber, se
o que eu como é tirado a quem tem fome, e
meu copo d’água falta a quem tem sede?
Contudo eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser um sábio.
Nos velhos livros consta o que é sabedoria:
manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve
deixar correr sem medo.
Também saber passar sem violência,
pagar o mal com o bem,
os próprios desejos não realizar e sim esquecer,
conta-se como sabedoria.
Não posso nada disso:
realmente, eu vivo num tempo sombrio!
II
Às cidades cheguei em tempo de desordem,
com a fome imperando.
Junto aos homens cheguei em tempo de tumulto
e me rebelei com eles.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minha comida mastiguei entre refregas.
Para dormir deitei-me entre assassinos.
O amor eu exercia sem cuidado
e olhava sem paciência a natureza.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
As ruas do meu tempo iam dar no atoleiro.
A fala denunciava-me ao carrasco.
Bem pouco podia eu, mas os mandões
sem mim sentiam-se mais garantidos, eu esperava.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minguadas eram as forças. E a meta
ficava a grande distância;
claramente visível, conquanto para mim
difícil de alcançar.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
III
Vós, que vireis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.
Vínhamos nós então mudando de país mais do que de sapatos,
em meio às lutas de classes, desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e revolta nenhuma.
E entretanto sabíamos:
também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o homem,
pensai em nós
com simpatia.
Não fica óbvio que Brecht também apoia Haddad?
DdAB
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