19 setembro, 2019

Ulysses: sobre os títulos das três partes e 18 capítulos

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Proêmio: Quem bebe comigo na birosca do boi barroso do bairro sabe que volta e meia alego a condição de especialista na primeira sentença do "Ulysses", de James Joyce. Mas minha vontade de entender tudo o que fosse possível sobre ela levou-me a ler muitos comentadores, além dos que escrevem prefácios ou posfácios para as diferentes edições que vou colecionando. E, numa dessas, li o correspondente ao que Makoto Itoh chama de plan problem, dirigindo-se à obra magna de Karl Marx. Existe, como já veremos, um verdadeiro problema do plano da obra também no que diz respeito ao "Ulysses".

Primeiro: Joyce escreveu pilhas de cartas e memoranda durante a redação do romance feita entre 1914 e 1921, publica. Como lembramos, o romance teve sua primeira edição declarada pronta no dia 2 de fevereiro de 1922, aniversário do autor. Antecedeu-a um enorme número de correções e adições feitas por Joyce nas provas que sucessivamente lhe enviava o editor Maurice Darantière, da cidade de Dijon, na França, trabalhando para a Editora Shakespeare and Company, de propriedade da americana Sylvia Beach. Desde então, até 1936, Joyce mexeu e remexeu no texto, talvez nunca se declarando satisfeito, mas por essa época devia estar absolutamente assoberbado com o fechamento de sua última obra, o "Finnegans Wake", enfim publicado em 1939. Ou seja, trabalhava nesse último, mas não deixava de revisar provas daquele primeiro... Houve anteriormente a esse 1922, já sabemos, publicações de partes, capítulos em versão preliminar, que Joyce vendia para fazer uns trocados... Todos lembramos que Otto Maria Carpeau (foi ele?) classificou "Vidas Secas" de "romance desmontável". Ao ler uma biografia de Graciliano Ramos, entendi que ele pensava no romance, mas ia fazendo-o desmontado, um capítulo vendido para cá, outro vendido para lá. Até que chegou uma hora de colocar tudo junto, dando à obra o formato pelo qual nós, jovens, conhecemos.

Entre os memorandos de James Joyce a que me refiro, costuma-se mencionar a existência de dois planos bem assemelhados de leitura, enviados a dois amigos -diferentes, claro. Em setembro de 1920, ou seja, pelo menos um ou dois anos antes da publicação, Joyce escreveu a seu amigo Carlo Linati, montando um esquema que vai muito além do que falarei em seguida. Em 1921, o mesmo esquema também foi usado por Stuart Gilbert e, em sequência, na "biografia" do "Ulysses" que o próprio Gilbert escreveu em 1930. Eu disse "o mesmo esquema"? La verità é que os desdobramentos feitos individualmente para os dois amigos, tratando do esquema original são super diversos. Talvez um dia eu centre uma postagem discutindo-os. Talvez não...

Segundo: Pois esta data de 1922 é importante para o próximo assunto, a divisão da obra em partes e capítulos. A edição original, tanto quanto sei (por comentadores, que nunca nem cheguei perto dela), não tem divisões nem em partes nem em capítulos. É muita informação, fazendo-me confuso sobre as fontes. Seja como for, no presente momento, estou seguro que Don Gifford deu nome às três partes dentro das quais todo mundo distribui 18 episódios (contrastando com a obra parodiada, nomeadamente a "Odisseia", que tem 24 capítulos. Então chegamos, colando daqui e dali, às três partes de Don Gifford e aos 18 capítulos dos esquemas Linati e Gilbert, com traduções minhas ou de Bernardina da Silveira Pinheiro. Vejamos o meta-esquema que segue:

PARTE I: Telemaquia (e a personagem Stephen Dedalus, "filho adotivo" de Leopold Bloom)
Episódio  1. Telêmaco (o próprio Stephen; e tu sabes que se pronuncia "Stíven"?)
Episódio  2. Nestor
Episódio  3. Proteu

PARTE II: Odisseia (a história de Odisseu, id est, Ulysses, incorporado por Leopold Bloom)
Episódio  4. Calipso
Episódio  5. Os Lotófagos (comedores de lótus)
Episódio  6. Hades
Episódio  7. Éolo
Episódio  8. Os Lestrigões (antigas tribos da Córsega e Sardenha, tutti buona genti)
Episódio  9. Cila e Caribde
Episódio 10 As Rochas Ondulantes
Episódio 11 As Sereias
Episódio 12 Os Cíclopes
Episódio 13 Nausicaa
Episódio 14 O Gado do Sol
Episódio 15 Circe

PARTE III: Nostalgia (doença, saudades de casa; "The homecoming") [tudo a ver com Penélope]
Episódio 16 Eumeu
Episódio 17 Ítaca
Episódio 18 Penélope [aqui encontramos o maior monólogo da história de James Joyce]

Terceiro: Meu paradigma, como sabemos, é a tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, que me parece mais seguidora de Gabler do que do Penguin. Dito isto, acrescento que, para um bom tradutor, a diferença -parece que horrenda- entre uma e outra edições não é tão relevante. As milhares de correções de um lado e outro anulam-se no processo de tradução. A macróbia dá destaque com as páginas numerádas com algarismos arábidos como Parte I (página 25), Parte II (página 81) e Parte III (página 655). Com esta sequência de 25, 81 e 655, num total de 839-25+1=815, vemos enormes assimetrias entre o número de páginas de cada parte. Estas diferenças se acentuam quando consideramos os capítulos. Parece que Joyce, à medida que ia escrevendo, dava-lhes chá de crescimento. Muitos chegaram a pensar que o livro não acabaria nunca, mas estavam errados...

Este procedimento joyceano contrasta com o de John Hicks em seu clássico "Valor e Capital". Como Fernando Cardin de Carvalho chamou a atenção numa conferência tipo 1987 na faculdade de economia da UFRGS, Hicks era um cara que tinha o conteúdo de sua -talvez- obra prima de tal forma organizado na cabeça que despendeu aproximadamente o mesmo número de páginas em todos os capítulos.

Quarto: Além da tradução de Bernardina, dou destaque à primeira tradução brasileira, obra que adquiri, digamos, em 1968. Dela consegui ler apenas a primeira sentença (aquele "Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan..."), mas passei-lhe os olhos tantas vezes que cheguei a sabê-la de cor. A tradução de Antônio Houaiss foi publicada pela Editora Civilização Brasileira. Pois talvez uma das razões me impediu de ler de cabo a rabo a tradução que acabo de indicar, sob a responsabilidade de Antônio Houaiss, é que ele não dá nenhuma dica sobre nada. Ora, nada saber para ler aquela encrenca toda não estimula um guri. E só fui virar adulto há poucos anos, com a tradução da profa. Bernardina. Ou seja, Houaiss apresenta, suponho que contrariado, a divisão nas três partes, sem títulos e, menos ainda, assinala ou divide nos 18 capítulos. La verità é que Houaiss foi absolutamente fiel às intenções finais de James Joyce, pois removeu os títulos dos capítulos (e das partes, claro) em certa altura de suas reedições. Isto é o que nos diz a renomadíssima biografia escrita por Richard Ellman cuja tradução para o espanhol faz parte de meu acervo. Lá ele diz isto na página 557-8. E a "turma do Pasquim" espalhou que Antônio Houaiss gastou mais anos traduzindo o "Ulysses" que James Joyce escrevendo-o.

Quinto: Tá na cara que o tema é palpitante. Aqueles leitores que gostam de encrenca podem conferir tudo o que falei nesta postagem e, eventualmente, vão encontrar erros ou imprecisões. Eu mesmo voltarei ao tema num futuro discernível em meu mapa astral.

DdAB
Imagem: não posso garantir que aquele boi malhado (bos taurus) seja o próprio boi barroso, companheiro do boi pitanga. Mas não tenho dúvida de que aquele vivente trajando a camiseta da seleção deve ter sofrido barbaridade com o afamado 7x1. E aproveito para dizer que entendi que a brasileirada sofreu mais com o 1x0 de 1950 do que com os 7x1 do capitão Filipão. E , neste dia 19 de setembro, véspera do boi barroso, sofro com a perda do título do campeonato brasileiro pelo Sport Club Internacional, eu que sou mais do Grêmio, mas também um tanto internacionalista e que o vi ser campeão em 1975. Rubens Minelli era o treinador. E foi bicampeão. E depois veio Ênio Andrade e foi campeão invicto.
P.S.: a imagem do boi barroso não é perene. Aí troquei-a por a deste cavalo, parece-me que da professora Márcia Teston.

Um comentário:

Leandro disse...

Queria achar a divisão em capítulos no livro (não leio a versão do Galindo nunca, nem mordendo), acontece isso mesmo aqui na versão do Houaiss que tenho (essa sim)...
Mas se olhar muito bem, tiver boa vista, vai notar que um parágrafo tá mais espaçado que outro, ali pode se arriscar que é um capítulo
É com base nisso que tô numerando meu livro, mas queria tirar a dúvida