Tenho uma coleção de traduções do livro "Ulysses", que leva a assinatura de James Joyce e publicado no dia do aniversário do autor, ou seja, 2.2.22, ou melhor, dois de fevereiro de 1922. Leio-o por pirraça, pois leio e mais leio e mais leio e nada entendo. Lembra-me aquela piada de, parece, de Woody Allen, ao dar o relato do resultado de um curso de leitura dinâmica em que o objeto do estudo era "Guerra e Paz": no caso, tinha a ver com dezenas de irlandeses.
Quando leio os comentadores, cada vez menos entendo, cada vez menos me entendo e cada vez mais me acho estranho por prolongar essa aventura que está muito, muito longe de terminar. É que cada vez aparecem mais comentadores e minha desiderata já tem uma centena de livros e artigos sobre o tema.
Por uma questão de razões estranhas, decidi ler a tradução da editora Relógio D'Água, de Portugal, isto que a primeira que li foi a de Bernardina da Silveira Pinheiro, brasileira. Por quê estranha? Simplesmente é que a leio apenas nas salas de espera daqueles locais em que ainda dão boa acolhida a seres humanos, como consultórios médicos, filas de acesso às repartições públicas e, em breve, na espera de comida nos restaurantes mais procuradinhos.
Então: na página 159 da versão de:
JOYCE, James (2014) Ulisses. Lisboa: Relógio D'Água. Tradução de Jorge Vaz de Carvalho.
podemos ler, sem disfarces:
Bom Deus, o vestido dessa pobre criança está em farrapos. Parece subnutrida também. Batatas com margarina, margarina com batatas. É depois que se ressentem. Prova dos nove. Mina-lhes a constituição.
O romance foi publicado em 1922, retratando o dia 16 de junho de 1904, uma quinta-feira. 1904 ou 1922, vemos o bem de Giffen ali retratado precisamente com a dupla batata-manteira. Sabemos que aquela turma da pobreza irlandesa era tão pobre que precisava basear sua alimentação na batata. Quando tinha alguma melhoria na renda, abandonava a batata e passava a comer pão. Mas quando o preço da batata subia, a negadinha que já era pobre torna-se paupérrima e aquele pãozinho do dia do aniversário de algum membro da família, ao invés do pão, vinham mais batatas.
O único elemento consolador dessa tragédia lá daqueles tempos é que, hoje, a renda per capita da Irlanda é de US$ 53,570, ao passo que a do Reino Unido é de US$ 40,600, tudo corrigidinho pela paridade do poder de compra. Ao mesmo tempo, o que vemos é Joyce fazendo uma apologia da sociedade igualitária: desigualdade gera pouca renda para os pobres, pouca disponibilidade de ingerir uma dieta saudável e, assim, trabalhadores fracotes, como é o caso dos brasileiros contemporâneos. Tudo cheio de batata frita e pouco hamburguer.
DdAB
P.S. Decidi copiar aqui o verbete da Wikipedia. No tradicional plano (q, p), isto é, a quantidade desejada no eixo horizontal e o preço correspondente no eixo vertical, vemos uma curva de demanda (procura) positivamente inclinada, ou seja, quanto maior o preço, maior será a quantidade consumida de... batatas. O interessante do verbete da Wikipedia é que ele fala exatamente o que Alfred Marshall pensava do caso: quanto maior a renda, menor seu consumo. A outra peculiaridade é que não é nada peculiar ao bem de Giffen, pois todos os bens e serviços, quando o preço sobe, mostram uma queda na quantidade de consumo planejada. É, parece, da natureza humana. É, parece, pelo menos, das economias monetárias.
Bem de Giffen
Em economia, um bem de Giffen é um bem inferior, ao qual grande parte da renda é destinada, e para o qual uma redução do preço faz diminuir a sua quantidade demandada. Este comportamento é diferente dos da maioria dos produtos, que são mais consumidos (ou comprados) à medida que seu preço cai. Em termos microeconômicos, sua curva de demanda é crescente e, por isso, sua elasticidade-preço da demanda é positiva. Outra repercussão microeconômica é que seu efeito rendaé maior que o efeito substituição.
As provas da existência de Bens de Giffen são debatidas. Um exemplo de uma situação em que pode ter existido um Bem de Giffen foi o pão na Irlanda do século XIX.[carece de fontes] Uma elevação moderada dos preços de pão levou a um maior consumo de pão, principalmente em famílias pobres, pois não havia outro bem barato e acessível capaz de substituir o pão na dieta das pessoas. Desta forma, maiores gastos no consumo de pão levaram a uma redução do consumo de outros produtos alimentícios, o que obrigou os mais pobres a consumir mais pão para sobreviver.
Descoberta[editar | editar código-fonte]
Essa classe de bens recebe esse nome em homenagem a Sir Robert Giffen, que foi citado no século XIX por Alfred Marshall como o criador da ideia.
Giffen imaginou uma família muito pobre, em que a sua renda seria de 100 unidades monetárias, sendo suficiente apenas para consumir arroz durante o mês. Havendo uma queda no preço da polenta, por exemplo, faria com que esta família não consumisse mais arroz, pois eles já estavam saturados deste produto e dariam preferência ao outro produto. Sendo assim, a variação da demanda é diretamente proporcional à variação do preço, e não inversamente, como no caso dos bens comuns.
P.S. Deixo um lembrete para ler atentamente o texto que nos encima, pois parece que falei em substituir o de maior preço relativo pelo de menor. Ou vice-versa, eis a questão.
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