Querido diário:
Melhor votar num ser humano do que num rinoceronte? Hoje em dia, rinocerontes não mais podem ser candidatos a cargos eletivos no Brasil (mas aqui podiam, sabidamente o rinoceronte Cacareco, que inspirou até canção de carnaval). Mas tem muito bicho muito louco que ainda pode, como é o caso de Jair Bolsonaro. Costumo sugerir que os candidatos a tais cargos sejam obrigados a fazer um curso de teoria da escolha pública. Se esta lei já estivesse em vigor, tenho certeza de que João Amoêdo fugiria do tribunal eleitoral, fazendo-se acompanhar de Jair Bolsonaro.
E de onde me vem o título da postagem? Quem me lê sabe que estou falando do livro
SOUZA, Jessé (2015) A tolice da inteligência brasileira; ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa.
A palavra "inteligência" é usada por Jessé no sentido do latim ao russo de intelligentsia. E sua visão da cultura brasileira é que os intelectuais em geral são tolos, pois não conseguem entender que o verdadeiro problema do Brasil é a desigualdade. Eu sempre me esmero em tentar explicar que a chave da sociedade igualitária é o emprego. E, como não há a menor chance de se criarem empregos do setor privado para todos, a solução para se chegar ao igualitarismo é a criação de empregos públicos. Neste mundo, costumo dizer que o emprego do guarda de trânsito ao rapaz que poderia ter caído no tráfico de drogas não apenas pode ter-lhe salvo a vida, mas também ajudou a educar seu filho que tinha um talento extraordinário para o clarinete. O professor do clarinete, por seu turno, colocou seu pimpolho no curso de direção defensiva que emprega uma garota cuja filha estuda balé, e assim por diante, com a professora de balé e seu filho caçula...
Em compensação, nem falo de Bolsonaro. Mas falo de Amoêdo. Aqui o indigitado candidato a presidente da república diz:
O que queremos combater: combater a pobreza e não necessariamente a desigualdade. Somos, felizmente, diferentes por natureza. O combate à pobreza se faz com o crescimento e com a criação de riqueza, e não com sua distribuição.
Realmente imagino que nem ele acredita nessa ladainha. Na verdade, sei que há muitos economistas que nela acreditam e até há gente que vai votar nele precisamente por este tipo de visão do desenvolvimento econômico nos países de desenvolvimento institucional precário, como é o caso do Brasil contemporâneo. Quero dizer, tem gente que acha que, em combatendo a pobreza, então a distribuição da renda não carece de políticas públicas voltadas a redistribuições (como é o caso do gasto público em educação e saúde e da tributação progressiva). Por um instante, imaginemos que um governo neo-liberal conseguisse acabar com a pobreza no Brasil e deixasse as demais variáveis, como as que referi e tantas outras que têm esse viés de desigualdade: mais presos pobres que ricos proporcionalmente à população, mais doentes, mais analfabetos, tudo que é mazela é enviesada contra os pobres. Ainda assim, as medidas de desigualdade acusariam, reduzindo-se um tantinho. Claro que isto não iria adiantar absolutamente nada, um juiz seguindo ganhando 50 ou 100 vezes mais que um salário mínimo.
Ainda assim, nada melhor para acabar com a pobreza que a implantação da renda básica da cidadania de que nos fala a lei 10.835/2004, do segundo ano do primeiro governo Lula, que nem começou a ser implementada, pois houve um cochilo da macacada governante de então.
Aquela conversa de que "somos diferentes por natureza" lembra-me aquela manjadíssima comparação entre os sexos, o que modernamente nos permite falar na turma LGTBI+. Obviamente quem é da esquerda moderna adora a diferença, mas não os escandalosos desníveis na distribuição da renda. E qual é a legitimidade de retirar renda daqueles a quem o mercado ou o governo destinaram estipêndios escandalosos? É que, como já mostrei, quem gera renda (valor adicionado) não é o trabalho, nem o capital, nem os insumos. Quem o faz é a população: quanto maior a população, tanto maior são o PIB, a renda e a demanda final.
Aquela última frase tem um conteúdo normativo odiento, mas positivamente ela revela apenas desconhecimento da operação aritmética de adição: imagina que um pé-de-chinelo recebe R$ 200 por mês. Se distribuirmos para ele mais oito notas de R$ 100, que acontece com sua situação? Beneficia-se com a distribuição, pois ele prefere R$ 1.000 a R$ 200.
Entendo, para concluir, que as próximas eleições vão testemunhar o maior confronto esquerda-direita dos tempos modernos. Nunca a direita esteve tão articulada. Se a esquerda perder esta eleição, que poderei dizer? Apelarei à explicação da falsa consciência e, num brado ainda mais forte, apelarei por mais education, education, education. Apenas com educação é que poderemos quebrar um tanto a inércia provocada na vida social por uma estrutura moldada com instituições deficientes.
DdAB
P.S. Dei umas editadinhas aqui e ali às 16h00 de 5 de setembro de 2018.
P.S.S. A notícia central inspiradora de meu comentário veio do The Intercept (aqui).
Realmente imagino que nem ele acredita nessa ladainha. Na verdade, sei que há muitos economistas que nela acreditam e até há gente que vai votar nele precisamente por este tipo de visão do desenvolvimento econômico nos países de desenvolvimento institucional precário, como é o caso do Brasil contemporâneo. Quero dizer, tem gente que acha que, em combatendo a pobreza, então a distribuição da renda não carece de políticas públicas voltadas a redistribuições (como é o caso do gasto público em educação e saúde e da tributação progressiva). Por um instante, imaginemos que um governo neo-liberal conseguisse acabar com a pobreza no Brasil e deixasse as demais variáveis, como as que referi e tantas outras que têm esse viés de desigualdade: mais presos pobres que ricos proporcionalmente à população, mais doentes, mais analfabetos, tudo que é mazela é enviesada contra os pobres. Ainda assim, as medidas de desigualdade acusariam, reduzindo-se um tantinho. Claro que isto não iria adiantar absolutamente nada, um juiz seguindo ganhando 50 ou 100 vezes mais que um salário mínimo.
Ainda assim, nada melhor para acabar com a pobreza que a implantação da renda básica da cidadania de que nos fala a lei 10.835/2004, do segundo ano do primeiro governo Lula, que nem começou a ser implementada, pois houve um cochilo da macacada governante de então.
Aquela conversa de que "somos diferentes por natureza" lembra-me aquela manjadíssima comparação entre os sexos, o que modernamente nos permite falar na turma LGTBI+. Obviamente quem é da esquerda moderna adora a diferença, mas não os escandalosos desníveis na distribuição da renda. E qual é a legitimidade de retirar renda daqueles a quem o mercado ou o governo destinaram estipêndios escandalosos? É que, como já mostrei, quem gera renda (valor adicionado) não é o trabalho, nem o capital, nem os insumos. Quem o faz é a população: quanto maior a população, tanto maior são o PIB, a renda e a demanda final.
Aquela última frase tem um conteúdo normativo odiento, mas positivamente ela revela apenas desconhecimento da operação aritmética de adição: imagina que um pé-de-chinelo recebe R$ 200 por mês. Se distribuirmos para ele mais oito notas de R$ 100, que acontece com sua situação? Beneficia-se com a distribuição, pois ele prefere R$ 1.000 a R$ 200.
Entendo, para concluir, que as próximas eleições vão testemunhar o maior confronto esquerda-direita dos tempos modernos. Nunca a direita esteve tão articulada. Se a esquerda perder esta eleição, que poderei dizer? Apelarei à explicação da falsa consciência e, num brado ainda mais forte, apelarei por mais education, education, education. Apenas com educação é que poderemos quebrar um tanto a inércia provocada na vida social por uma estrutura moldada com instituições deficientes.
DdAB
P.S. Dei umas editadinhas aqui e ali às 16h00 de 5 de setembro de 2018.
P.S.S. A notícia central inspiradora de meu comentário veio do The Intercept (aqui).
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