Querido blog:
Todo mundo sabe chamo de Capital dos Carta a revista que -otherwise- é designada pelos donos como Carta Capital. Não tenho coisa melhor para ler, pois não nego que ela possui alguma extração de esquerda, mas tem lugares comuns ("mídia nativa", "casa grande") que cansam, precisamente por não serem muito analíticos e, nesta linha, desviam o foco de substantivos para locuções adjetivas. Mas meu verdadeiro problema com a revista de que sou assinante há mais de uma década é que seu nacionalismo fere meu internacionalismo, seu projeto de estado nacional fere meu sonho de governo mundial, sua visão de reindustrialização fere minha proposta de reeducação. Ela, a Carta do Mino, dá informação, mas muita interpretação que me parece apontar para um projeto mais ou menos tradicional de conduzir a esquerda ao poder e de -em lá chegando- conduzir-se convencionalmente. Pois não fosse por tudo isso, eu teria lido com isenção a entrevista de Tom Slee (detalhes na nota 1) em que se baixa pau, pau e mais pau no serviço de transporte urbano de passageiros por meio do Uber e outras manifestações do mundo P2P e os serviços por eles viabilizados.
Cheguei a ela por meio de uma publicação feita por Sérgio Kapron no Facebook, de cuja maneira de ver estes aspectos divirjo transversalmente. Mas não vou falar nisto frontalmente. E espero que ele não pense que estou plagiando ou fugindo do debate. Para resumir, minha primeira proposição é que os trabalhadores do Uber são explorados tanto quanto os demais, especialmente se considerarmos que "exploração" não é fenômeno de natureza individual, mas de uma classe relativamente a outra.
Sobre exploração: Marx falava que os trabalhadores são livres em dois sentidos. O primeiro é serem livres para irem onde bem entendem e o segundo é serem livres de qualquer propriedade. Sendo trabalhadores livres, como falar em exploração, se -mantendo-me alinhado com Marx- a transação que levou o trabalhador a vender uma jornada de trabalho ao capitalista foi uma transação justa? Quer dizer, o trabalhador recebeu o valor acordado e o capitalista pagou o valor de mercado. Então tá tudo bem? Claro que não: não acabei de falar que, no capitalismo, sempre uma classe irá explorar a outra? Uma classe comprará uma mercadoria (a força de trabalho) e, ao utilizá-la, verá que esta gera um produto maior que seu próprio valor, a mais-valia.
A primeira questão a considerar quando avaliamos as consequências perversas do funcionamento do modo capitalista de produção sobre a vida em geral e, em particular, a classe trabalhadora (e podíamos, por exemplo, estar falando do meio-ambiente), é sabermos se nossa intenção é fazer reforma ou revolução. Possivelmente a reforma será bem comportada, na medida em que tentará reter o que se consideram virtudes do capitalismo, tentando também por via de políticas públicas, eliminar as principais mazelas. Um sistema não se destrói senão depois de plenamente desenvolvido. O capitalismo financeiro não é mais que uma etapa do modo capitalista de produção e mostra ainda enorme vitalidade, como o demonstra a infiltração das relações capitalistas nas próprias atividades de provisão governamental, como as prisões e os hospitais. Andrew Glyn referiu-se a isto em seu "Capitalism Unleashed". Minha preocupação com a conservação do "capitalismo tradicional anterior à terceira revolução industrial (a da informática) é a profunda crença em uma teleologia específica para o capitalismo. O futuro deste modo de produção é a financeirização, mas com possibilidades de crescimento ilimitado também em outras frentes, como é o caso dos transportes aero-espaciais (percorrendo distâncias interplanetárias) e os cuidados médicos (prolongando a vida).
Mas tenho outro ponto ainda mais fundamental para impedir-nos de ser contra o progresso. Este deriva-se de minha compreensão da natureza da matriz de contabilidade social (aqui). Ela nos ajuda a entender que "a luta de classes" (no sentido de Ricardo, Marx e Weber) aparece no bloco B21 (venda dos serviços dos fatores aos produtores), ao passo que, no mundo moderno, cada vez mais o que interessa é a luta entre instituições, no bloco B33, como é o caso da ação do governo com a cobrança do imposto de renda sobre as famílias ricas e a transferência, por exemplo, como renda básica da cidadania às famílias pobres.
Na fase atual do desenvolvimento do capitalismo, os ganhos de eficiência produtiva são óbvios, os de eficiência alocativa são meia-boca e os de eficiência distributiva são caóticos. Uma vez que estou no clube dos que preferem reforma a revolução, penso que é mais fácil reformar aqui e ali do que voltar a tentar alcançar o poder por meio de uma revolução. Penso (prefiro) um estilo de governo social-democrata que faça a justiça distributiva por meio das tradicionais políticas públicas, encarregando-se da provisão de bens públicos (justiça, coleta de lixo) e bens de mérito (educação, habitação). Ou seja, imposto progressivo (registrado no bloco B33 da matriz recém referida e redução da participação no bloco B32, deixando de interferir desnecessariamente (deve fazê-lo, claro, com cigarro ou cachaça) na formação dos preços relativos (ou seja, reduzindo ao máximo os impostos distorcivos). E com gasto regressivo, nas áreas que já referi -educação, habitação- e em outras como transportes, cultura, o que deve ser feito pela expansão da demanda de setores selecionados lá no bloco B13.
Veremos abaixo que a apresentadora do artigo publicado na Carta diz: "Slee explora como a bilionária plataforma de "caronas" evita o pagamento de impostos". Que posso dizer sobre este ponto que já não o tenha feito em milhares de oportunidades? Vou apenas repetir-me: quem disse que o setor de transportes individual deve pagar impostos indiretos? Quem o está considerando um bem de demérito? Que concepção de sistema tributário é essa que requer pagamento de impostos indiretos? Por que estes defensores da tributação indireta não mudam o foco e passam a defender a isenção de impostos de outras atividades ou produtos e não a inserção/ampliação de novas fontes.
Penso que todos concordamos com Marx quando ele diz que nenhum sistema econômico-social entra em decadência antes de desenvolver-se plenamente. Minha compreensão é que tal ainda não aconteceu (mas certamente vai acontecer) com o capitalismo, cujo mote central é transformar tudo em mercadoria, "inclusive a honra". Ao contrário, na etapa atual de financeirização crescente de todas as dimensões de nossas vidas, vislumbro (de acordo com certa literatura) ainda possibilidades ilimitadas para, por exemplo, os seguros generalizados ou ainda maior especulação com títulos. Também vejo possibilidades de expansão para a ação capitalista dentro do próprio estado, como é o caso da produção (com provisão governamental) de serviços de educação, saúde e até prisões. Mas também muitas outras, por exemplo, a fiscalização do recolhimento de impostos e mesmo de julgamento de certos processos. Notate bene que não estou revelando preferência, o que farei daqui a pouco.
Por outro lado, os serviços P2P (peer-to-peer, sharing economy ou economia de compartilhamento) surgiram, se bem lembro, do amigável e-mule (amigável? quais os algoritmos dele?) e viraram mercadoria, como é o caso do Uber e Airbnb citados pelo articulista resenhado no site da Carta Capital. E considero que a evasão de impostos indiretos é uma bênção, pois levará -a longo prazo- os governos dos países subdesenvolvidos a começarem a trocar sua matriz tributária, passando a enfatizar os impostos diretos.
DdAB
APÊNDICE: Entrevista - Tom Slee
Por outro lado, os serviços P2P (peer-to-peer, sharing economy ou economia de compartilhamento) surgiram, se bem lembro, do amigável e-mule (amigável? quais os algoritmos dele?) e viraram mercadoria, como é o caso do Uber e Airbnb citados pelo articulista resenhado no site da Carta Capital. E considero que a evasão de impostos indiretos é uma bênção, pois levará -a longo prazo- os governos dos países subdesenvolvidos a começarem a trocar sua matriz tributária, passando a enfatizar os impostos diretos.
O peer-to-peer é mais liberdade. O imposto indireto é distorcivo. Quanto menos emprego, melhor, pois isto significa maior produtividade do trabalho. O que é pior é aquela legenda de que "quem não trabalha não come", pois muito menos que discriminar os capitalistas auferidores de pro labore, ela toca em cheio no orçamento das famílias de gente desempregada. O que é o problema é que precisamos entender que o capitalismo não tem problemas nas esferas da geração ou da apropriação do valor adicionado, mas apenas em sua absorção. Com isto estou fazendo ligeira modificação na compreensão ricardiana de que a economia política é a ciência que estuda a distribuição da renda, passando a dizer que interessa-nos o consumo (absorção) e quem o determina é a receita da família e não a renda apropriada por ela. A receita pode bem contemplar valores suficientes da renda básica da cidadania de que nos fala a lei federal 10.835/2004, governo Lula (que não saiu do papel.
DdAB
APÊNDICE: Entrevista - Tom Slee
É possível resistir à "uberização"?
por Tory Oliveira — publicado 31/10/2017 00h30, última modificação 30/10/2017 15h19
Crítico da chamada economia do compartilhamento, autor britânico-canadense destrincha em livro o lado ruim de empresas como Uber e Airbnb
No recém-publicado no Brasil Uberização: a nova onda do trabalho precarizado (Editora Elefante), Slee explora como a bilionária plataforma de "caronas" evita o pagamento de impostos e sua contraparte de aluguéis de temporada atua na gentrificação de algumas cidades, tornando mais rentável para os proprietários cederem casas e quartos para turistas do que para residentes, encarecendo o aluguel de forma geral. [...]
P.S. Aquela imagem lá de cima é uma "brown bag" com que o Uber entrega alimentos a domicílio na China.
por Tory Oliveira — publicado 31/10/2017 00h30, última modificação 30/10/2017 15h19
Crítico da chamada economia do compartilhamento, autor britânico-canadense destrincha em livro o lado ruim de empresas como Uber e Airbnb
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/e-possivel-resistir-a-uberizacao
Acesso em 1o. de novembro de 2017.
Acesso em 1o. de novembro de 2017.
O livro que deu origem à entrevista de seu autor é:
SLEE, Tom (2017) Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. SLI: Elefante. [SLI é "sem local identificável].
Não li e não lerei. Mas li atentamente a entrevista. Seu pródromo, de autoria de Tory Oliveira, é:
Um dos maiores estudiosos (e críticos) dos problemas causados por empresas baseadas no Vale do Silício, o britânico-canadense Tom Slee tem dedicado especial atenção àquelas da chamada "economia do compartilhamento", como Uber e Airbnb. No Brasil, após protagonizarem diversos duelos jurídicos e retóricos contra taxistas, a atuação da Uber e da Cabify serão analisadas pelo Senado Federal, cujo objetivo é regulamentar os polêmicos aplicativos de transporte individual pago. Entre as mudanças propostas estão o estabelecimento de vistorias periódicas nos veículos e a adoção de uma licença específica para o veículo rodar.
No Brasil, estima-se que existam 500 mil motoristas de Uber em atividade, dez vezes mais do que o número registrado em outubro do ano passado. Ao menos 17 milhões de brasileiros utilizam o app mensalmente. No recém-publicado no Brasil Uberização: a nova onda do trabalho precarizado (Editora Elefante), Slee explora como a bilionária plataforma de "caronas" evita o pagamento de impostos e sua contraparte de aluguéis de temporada atua na gentrificação de algumas cidades, tornando mais rentável para os proprietários cederem casas e quartos para turistas do que para residentes, encarecendo o aluguel de forma geral. [...]
P.S. Aquela imagem lá de cima é uma "brown bag" com que o Uber entrega alimentos a domicílio na China.
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