Querido diário:
O compromisso que temos, sob o ponto de vista individual, que -aliás- só pode ser o nosso, pois mesmo quando expressamos "pontos de vistas coletivos", como empunhar talheres ou respeitar a faixa de segurança de pedestres na rua, é darmos alguma contribuição (positiva ou negativa) para a vida coletiva, enaltecendo-a ou predando-a.
A questão sobre como organizar a ação coletiva não é tão velha que não pudesse viver mais intensamente nos livros-texto nem tão nova que deles se evadisse por um alegado caráter aventureiro. Hoje a questão sobre os limites da ação coletiva, especialmente esta atomizada por meio da internet, diz respeito a como transformar o caos em ordem, a transformar a atomização em orientação, a boa vontade em boas ações.
A resposta dada pelas civilizações ocidentais residiu na criação de partidos políticos, desde o início do século XIX (talvez o século XVIII, com os Whigs, no Reino Unido, se é que aquele início pode mesmo caracterizar um "partido"). No caso do Brasil, umas espiadas na internet permitiram-me saber que mais de 80% dos brasileiros, consideram que seus partidos políticos são corruptos.
Aparentemente podemos falar que o bom mesmo é eliminar os partidos políticos, mas a essência do que a crítica da crítica da crítica da etc. deve dizer é que odiamos os partidos atuais, mas queremos a criação de partidos decentes. A menos que surja algum tipo de inovação institucional que permita em breve a destruição do estado por cidadãos independentes livremente associados. Acho difícil, e lembro um motto de bibliotecários (Míriam Fernandes, entre eles/as): organizar para desorganizar. Primeiro organiza, talvez apenas por meio dos partidos, e depois pode-se conseguir a destruição do estado.
Na biografia de Arthur Schopenhauer que estou lendo, o autor (Rüdiger Safranski, com uma tradução estranha, pois quase metade das palavras está em alemão entre parênteses) fala-se nos tempos que -digo eu- o prof. Eric Hobsbawm chamada de "Era das Revoluções", pois toda a Europa congestionou-se com uma onda vermelha. E diz o seguinte relativamente aos partidos políticos, que à época do filósofo, eram organizações incipientes :
[...]
Durante a década de quarenta desse século [ou seja, o XIX], a disposição emocional do movimento (Behwegungsgefühl) se condensou até tomar consciência de que formava um partido (Parteibewusstsein). As pessoas começaram a indagar umas das outras sobre qual deveria ser o coração do movimento - um coração que seria inicialmente identificado como 'povo' (Volk) e logo a seguir denominado de 'proletariado' (Proletariat) por Marx. Entrementes, um movimento social realmente começara a dar sinais de vida, na Festa de Hambach, em 1832 e na 'Revolta dos Tecelões' de 1844. [...]
Os ativistas da década de quarenta olhavam com desprezo para os autores de folhetos dos anos trinta, embora fossem seus predecessores: não eram mais que 'tempestades em um copo de água' (Stürme im Wasserglas), escritos de gente vaidosa que se tinha em mais alta conta do que de fato merecia (Selbstüberschätzungen). Freiligrath, um desses panfletistas, havia proclamado [seguem dois versos de um poema]:
'A torre de atalaia do poeta é mais elevada
Que as ameias ocupadas pelo partido.'
A resposta chegou do ativista Herwegh, através de sua poesia intitulada Die Partei (O Partido), nestes termos:
'Partido! Partido!
Quem poderia não considerá-lo
Como a mãe de todas as vitórias?
Como poderia um poeta proscrever tal palavra,
Uma palavra que deu à luz
Tudo quanto é grandioso?
(...)
Até mesmo os deuses desceram do Olimpo,
Para lutar nas ameias do Partido!'
Eu, como sei pouquíssimo da era das revoluções (parece que comprei e li o Hobsbawm ainda em meus tempos de Sussex), lembrei daquilo que Isasc Deutscher ensinou-me sobre a Revolução de 1905 na Rússia ser considerada o treinamento para a de 1917. Temo, claro, pelo Brasil, temo que a política esteja tão corrompida, os partidos tão corrompidos, o controle do estado pagando pay-offs tão elevados, que pode ser que as manifestações daqui de 2013 pouco ou nada resultem em mudanças e tenhamos o que aconteceu em 1848, conforme lemos no livro que estou citando:
Em setembro de 1848, o parlamento alemão, reunido em Frankfurt-am-Main, aprovou o armistício de Malmö, assinado na Suécia. A Prússia havia declarado guerra à Dinamarca em função das pretensões territoriais desta sobre a Silésia: todos achavam que era uma ação patriótica da parte dos prussianos e a retirada da Prússia foi considerada por muitos como uma traição. A aprovação deste armistício pela Assembleia Nacional Alemã foi considerada como prova de impotência e uma desonra nacional. A isto era necessário acrescentar o desgosto geral dos decepcionados, que haviam esperado muito mais da Revolução de Março, tanto no âmbito político como na área social.
Em 18 de setembro, tudo explodiu violentamente. Uma multidão enfurecida assaltou a Assembleia Nacional. Foram erguidas barricadas pelas ruas de Frankfurt-am-Main e ouviu-se o disparo de tiros. Dois proeminentes representantes da contrarrevolução, que eram membros da Assembleia Nacional e tinham sido capturados durante o assalto, o príncipe Lichnowsky e o general Auerswald foram brutalmente assassinados pela multidão. Lichnowsky foi decapitado e Auerswald teve os braços arrancados antes de se ver transformado em alvo para tiros. Ernst Moritz Arndt, que então já era bastante velho, lamentou-se: 'A enchente que nos inunda a todos foi-se acumulando ao longo de toda uma geração, por causa da estupidez, cobiça e despotismo dos governantes; agora os diques se romperam e toda a lama e imundície que estavam no fundo da represa saltaram sobre nossas cabeças."
Basta, não é hora de dar um basta?
DdAB
p.s.: Tudo no original, exceto quase todos os 'ss' que têm aquele beta muito louco reincorporado -imagine só- logo depois da queda do comunismo. Só inseri colchetes e troquei os ["] por [']. Nóis merece!
p.s.s. Os trechos amarronzados que fiz separar-se por minhas observações estão nas páginas 556-7 e 601.
p.s.s.s.: tu viu o que eu falei sobre metade das palavras estarem em alemão entre parênteses? Que tal esta de volk, que qualquer criança brasileira sabe que é precisamente 'povo', o carro do povo, não é? E proletariat? Haverá alguém que desconheça esta palavra, mas saiba ler?
p.s.s.s.s.: de sua parte, esse Ernst Moritz Arndt também era casca grossa (aqui): do bem e do mal. O mal o fazia nacionalista e anti-semita.
Imagem veio daqui. Se ainda lembro a tabuada, como existem quatro linhas e quatro colunas, são 16 partidos políticos, uma amostra de menos de 50% do espantoso montante. Parece que quem incentiva a criação de novas "forças vivas" da corrupção é mesmo o auxílio pecuniário que cada um deles ganha -adivinhe- do governo.
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