Querido diário:
Há quase 30 anos, li pela primeira vez o livro "Filosofia da ciência; introdução ao jogo e suas regras", de Rubem Alves, da Editora Brasiliense. Era a quinta edição. Bíblico mistério cercaria o ano da primeira edição. Muita coisa fascinou-me na introdução que recebi naquela oportunidade. E talvez a mais iconoclasta é a seguinte:
H.1 Você vai ver agora um exemplo de como se pensava antigamente sobre o universo. Háverá alguma lógica em tal maneira de pensar?
[e cita o livro de S. Warhft (org.) Francis Bacon: a selection of his works. p.17.]:
Há sete janelas dadas aos animais no domicílio da cabeça, através das quais o ar é admitido no tabernáculo do corpo, para aquecê-lo e nutri-lo.
Quais são estas partes do microcosmos? Duas narinas, dois olhos, dois ouvidos e uma boca. Da mesma forma, nos céus, como num macrocosmos, há duas estrelas favoráveis, duas desfavoráveis, dois luminares e Mercúrio, indeciso e indiferente. A partir destas e de muitas outras similaridades na natureza, tais como os sete metais, etc., que seria cansativo enumerar, concluímos que o número dos planetas é necessariamente sete.
Pois bem, digamos que foi em 2011 que li a segunda edição em português do livro "Filosofia da ciência natural", de Carl G. Hempel, da Editora Zahar (a antiga), sinalizado como duas edições, uma de 1966 (USA) e a outra de 1974 (seria a segunda pela Zahar?). Então, que se vê na página 66? Hempel vem já entusiasmado em seu capítulo 5 (começando na página anterior, ou seja, 65):
O astrônomo Francesco Sizi apresentou o seguinte argumento para demonstrar por que, ao contrário do que seu contemporâneo Galileu Galilei afirmava ter visto com uma luneta, não pode haver satélites circulando em torno de Júpiter:
[e dá como fonte: "Transcrito de Holton e Roller, Foundations of Modern Physical Science, p.160]
Existem sete janelas na cabeça: duas ventas, duas orelhas, dois olhos e uma boca. Do mesmo modo, existem no céu duas estrelas propiciadoras, duas desfavoráveis, duas luminosas e uma só indecisa e indiferente, que é Mercúrio. Daí e de muitos outros fenômenos semelhantes da natureza (sete metais, etc.), que seria fatigante enumerar, concluímos que o número dos planetas é necessariamente sete... Além disso, os satélites são invisíveis a olho nu, logo não podem ter influência sobre a Terra, logo são inúteis, logo não existem.
Há muita coisa. Retórica. Quem estava certo, o Warhft ou o Sizi? Erros factuais não podem ser debitados à retórica. Sizi teria copiado Bacon? Um tradutor negligente? Bacon é mais moço que Sizi?
Fui para a Enciclopédia Britânica made in Paraguay (a made in Italy não deu nada relevante):
Francesco Sizzi, an Italian astronomer who lived during the 17th century, is credited with being the first to notice the annual movement of sunspots.[1]
Então é século 17, né? E o Bacon? Tive que olhar, pois achava que também é. Pimba:
Francis Bacon, 1st Viscount St. Alban,[1][a] Kt., KC (22 January 1561 – 9 April 1626) was an English philosopher, statesman, scientist, jurist, and author
Em resumo, havia um erro certo no livro da Zahar: era Sizzi e não Sizi. Brena Fernandez indicou-me Hempel. Pedro Bandeira indicou o Rubem Alves. Claro que Hempel é mais refinado, mas também passaram-se tantos anos e estou certo de que se enxergo mais longe ao ver o texto de Hempel, isto se deve a Alves, que deu-me respaldo há tanto tempo!
DdAB
Imagem: aqui, com dica para compras... Então segue-se necessariamente um hai-kai:
Galileu se deliciaria
Mas ele pouco sabia
Sobre radioastronomia.
2 comentários:
Verdade, Professor, é tudo verdade. E no final das contas, eu acho que o Galileu se deliciaria duplamente. Tive que olhar umas três vezes para acreditar que esse telescópio custa só isso. Que coisa mais barata!
oi, B.P.
nós, humanos (não só americanos), fazemos parte dos povos astronautas do universo. e nada melhor para aquerenciar nossas crianças com o outer world é mesmo considerar o telescópio um bem de mérito e inseri-lo nos iPads (etc.), permitindo que elas viagem pelo espaço desde tenra idade.
DdAB
Epa, agora estou caindo no marcador "Besteirol".
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