28 abril, 2013

Liberdade e Bandeira

Querido diário:

No outro dia (bem aqui e aqui; procurei e não achei outro dia mais recente...), andei sugerindo que o dístico "Ordem e Progresso" atachado à faixa branca (origem dos privilégios chamados de "chapa branca" no Brasil) deveria ser eliminado.

Se fosse para colocar algo lá no pendão da esperança, certamente eu recomendaria aquele "Ordem e Bondade", particularmente inspirado nos próceres do tempo antigo que criaram na Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil a cláusula de que a guerra de conquista é vedada ao país. E que, na constituição de 1946 (?), já com o Brasil com "s", falavam que "todos terão direito a um emprego que lhes possibilite existência digna", o que foi banido por uma daquelas constituições periódicas que eram outorgadas pela aliança entre o congresso nacional e os governantes militares.

E hoje em dia, uma vez que vim a entender (descontada a questão do relativismo cultural, que abomino em termos absolutos, ou seja, aceito-o entusiasticamente em termos relativos) que a liberdade é o valor humano mais elevado (é estratégia dominante, pois quem não quer ser livre que não o seja, mas quem quer sê-lo tem direito, de -diria Jânio- fazê-lo), tenho a noção rawlsiana:

Todos desfrutarão da maior liberdade possível compatível com a dos demais.

Parece óbvio: se quero vender-me como escravo, não sou livre no caso de alguém comprar. E quem compra tampouco é livre, pois sua prerrogativa de ter escravos (mesmo que coincidindo com minha escolha da condição de escravo) não é compatível com a "liberdade dos demais", ou seja, de todos. Como é mesmo que se dois indivíduos, Bina e Dino, decidem um comprar um escravo e o outro vender-se como escravo e, com isto, afetam minha liberdade? Aqui entramos numa das enormes controvérsias que cerca a filosofia política dos últimos 50 (se apenas) anos.

Meus rasos conhecimentos contornariam a questão de permitir a escravatura nos termos de que, quem escolhe abrir mão de sua liberdade pessoal (outro exemplo, deliberadamente contraindo AIDS ou fumando crack a fim de viciar-se) está dando provas de que não merece autonomia decisória completa. Isto é diferente, por exemplo, de meu direito de ser atendido pelo SUS com relação a meus problemas de saúde. Eu prefiro pagar privadamente a enfrentar aquelas filas dobra-quarteirão!

Por fim, deve existir, nesta literatura, algum tipo de reflexão sobre associar as ações livres com a possibilidade de voltar ao status quo ante, o que volta a inviabilizar a escravatura, ainda que - em determinados casos, e apenas neles - o escravo possa (como no caso brasileiro, chamou-me a atenção pela primeira vez o prof. J. R. Sanson) comprar sua própria alforria.

DdAB

Imagem aqui.
P.S.: parece que, naquela linha de Roger Penrose e do espanhol que linquei, temos algo a ver com liberdasde: mesmo sabendo que poderíamos constituir um ser enorme, envolvendo todos os "eus" contemporâneos, pretéritos e pósteros, preferimos nossa individualidade. Preferimos liberdade relativamente aos "demais", preferimos ser nós mesmos, preferimos a solidão cósmica que nos abate à solidariedade absoluta que nos faria um ente único. Como escrevi isto? Não sei.
P.S.S.: e eu ia esquecendo de dizer que eu queria substituir, se fosse o caso, este "Ordem e Progresso" pelo "Informação e Fiscalização", que considero serem os dois guias fundamentais para a ação do governo. Prover e não produzir. (Acrescentei esta profunda reflexão às 13h49min de 30/abr/2013).

3 comentários:

Anônimo disse...

Penso que, sim posso desejar me vender como escravo, mas se assim o fizer deixarei de ser livre. O comprador, por outro lado, não pode comprar a minha propriedade, pois assim fere a ideia da voluntariedade. De todo o modo, em uma hipotética negociação, os dois indivíduos devem concluir por si mesmos sobre tal paradoxo, sem interferência de um terceiro.

Abs.

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Em outras palavras, Daniel, tua filosofia política é mesmo que podemos abrir mão do direito absoluto à liberdade e (no caso de escravos e não de servos) à vida! Eu não. Por isto é que na postagem defendi o relativismo cultural relativo: há apenas um valor absoluto. E este é a liberdade, sendo dever do estado e da comunidade garanti-la absolutamente.
DdAB

Anônimo disse...

Acho que esse é o ponto, não posso conceber esse dever do estado em garantir algo que eu quero abrir mão. A vida certamente é manifestação de liberdade suprema, mas individual. Não cabe ou não deveria caber que outro me obrigue a exercer o meu direito.