29 março, 2021

O Grito de Guerra e a Guerra das Máscaras: um dilema de prisioneiro



Acho que foi lendo "Os Nus e os Mortos", de Norman Mailer, há uns bons 50 anos, que aprendi que o grito do soldado durante a batalha não é emitido para assustar o inimigo, senão que para não ouvir-lhe os urros enregelantes. Nestes inacreditáveis tempos de pandemia e ação governamental escalafobética, fiquei pensando no uso da máscara de proteção das vias aéreas, seu não-uso e os tais berros.

Quando uma pessoa usa máscara ela provavelmente estará dificultando a propagação do vírus covid-19. Digo "provavelmente", pois -em não sabendo estar infectada pelo "bichinho"- seu bafejar dentro da máscara e seus perdigotos na fala podem estar fazendo mal aos circundantes. Por mavioso contraste, essa pessoa que protege os outros ganha como fringe benefit a proteção a si própria: vai lá que a turma esteja bafejando o vírus por já estar infectada.

Associando a decisão de usar ou não máscara com a de gritar ou não no combate  a um jogo de estratégia, fiquei pensando que naturalmente este deveria ser classificado como jogo cooperativo: ninguém quer infectar ou ser infectado. Ergo todo mundo estaria usando máscara. SQN - só que não, tem montes de gente, mais jovens que velhotes que se recusam a fazê-lo. No inverno e no verão, no hemisfério norte e no sul, no leste e no oeste. De aglomeração, nem se fala, levando a crer que a moçada não entendeu o que disse o velho Bota: "muita gente é bom... na guerra", precisamente onde parece que a soldadesca urra, berra e brada por medo puro.

E culminei por pensar o contrário: ser inn é exatamente eximir-se de usar máscara, deixando para os fracotes, os medrosos, seu uso. "Afinal, nada atinge um jovem altaneiro", hão de pensar os jovens que nutrem certo grau de ódio à humanidade. Neste contexto é que imaginei que o dilema de prisioneiro pode estar descrevendo a situação mundial: milhares de pessoas aglomeradas sem máscara e outros milhares circulando em ambientes públicos também dela despidos.

A figura do alto mostra a forma normal desse afamado dilema. Sua origem (mutatis mutandis) é a página 80 do maravilhoso livro

BERNI, Duilio de Avila e FERNANDEZ, Brena Paula Magno (2014) Teoria dos jogos; crenças, desejos, escolhas. São Paulo: Saraiva.

Diferentemente do "Dilema" tradicional, que mostra as "recompensas" em anos de xilindró, aqui vemos recompensas avaliadas em unidades de bem-estar ou dinheiro. Do quadro podemos retirar os principais ingredientes de um jogo de estratégia: 

a) os jogadores: os dois jovens (ou mesmo velhotes) festeiros receberam as alcunhas de Bina e Dino
b) as estratégias disponíveis para cada um deles: usa máscara, não usa máscara
c) as recompensas: as cifras colocadas no quadro da forma normal; por exemplo, o par {5;0} informa que, se Bina -sem conhecer a escolha de Beto- decide usar máscara e, sem sabê-lo, simultaneamente Beto escolhe não a usar (cara limpa), Bina é recompensada com cinco unidades de bem-estar (está fazendo o bem) ou dinheiro (está embolsando a recompensa de D$ 5).

Dois tipos de raciocínio encaminham a solução (de equilíbrio) do jogo dos transeuntes. A primeira se chama de possível identificação de estratégias dominantes. Neste caso, usa-se a técnica familiarmente chamada de ou-ou-ou. No caso de Bina, a ou-ou-ou descreve-se como:

{3 ou 0}
ou
{5 ou 2}

E parece óbvio que, sendo racional, Bina vai preferir a segunda opção: 5 é melhor que 3 e 2 é melhor que zero, dado que estamos falando em unidades de bem-estar ou dinheiro. Tal raciocínio pode ser simetrizado para Beto, permitindo- nos entender que as recompensas do quarto quadrante, nomeadamente, duas unidades de bem-estar ou dinheiro para cada jogador, não oferecerão incentivos a que Bina e Beto mudem de opinião sobre o que é melhor para eles.

Que aconteceu? Se ambos usassem máscara (cooperação universal), cada um sairia do jogo levando 3 unidades. Mas, dado que escolheram a rivalidade universal, eles ganharam 2 unidades, ou seja, saíram "perdendo" uma unidade. E por quê assim procedem? Quem não usa máscara está sendo protegido por aqueles que usam e ainda pode botar banca de valente: comigo ninguém pode.

Como podemos explicar as motivações de ambos, sabedores de suas próprias  recompensas e as do outro jogador? Tratando-se de um dilema de prisioneiro típico, eles sabem que, se derem mole, serão jogados nos dois quadrantes de nomes pouco lisonjeiros. Para Bina, aquele {0 ; 5 } coloca-a na posição de "trouxa", pois entram com a maior boa vontade de usar a máscara para proteger-se e aos outros, mas acabam sendo lograda por Beto, que não está nem aí para o bem-estar público, andando cara limpa. Por contraste, se Bina escolher o quadrante {5 ; 0}, ela é que está explorando as boas intenções de Beto e recebe o nome de caroneira (não paga nem divide o combustível e usufrui da viagem).


O segundo tipo de raciocínio encaminha a solução (de equilíbrio) do jogo dos transeuntes envolve o conceito de equilíbrio de Nash. Trata de analisar qual a melhor resposta que cada jogador dá à ação do outro. Assim, por exemplo, quando Dino escolhe usar máscara, a melhor resposta que Bina pode dar-lhe é não usá-la: ganha 5 no primeiro caso e 3 no segundo. Além disso, se Dino escolhe não usar a máscara, o melhor que pode ocorrer a Bina é tampouco usá-la, quando ganhará 2, ao invés daquele zero que ganharia se ela própria usasse a máscara.

Notate bene: aquele 5 das recompensas assinaladas como {5 ; 0} e aquele dois duplo da situação em que ambos abandonam a máscara estão negritados, mostrando precisamente quais são as melhores respostas para as quatro interações exibidas no quadro que nos encima.

DdAB

Nenhum comentário: