12 março, 2021

 


Nosso querido amigo e professor Conrado Chagas, gramático, literato e músico, também fala em política. Superinformado e articulado, hoje lá em seu mural do Facebook (aqui), escreveu um formidável balanço da dualidade Lula-Bolsonaro. Reproduzo aqui para auxiliar minha memória em futuras reflexões sobre o futuro do Brasil. Agradeço-lhe pela autorização para aqui publicar e por ter tido a oportunidade de lê-lo:

No cenário político nacional hoje, Bolsonaro e Lula são aqueles que, ao mesmo tempo em que contam com uma base de apoio bastante expressiva, enfrentam acirrada rejeição. É assim que dizemos que ambos polarizam as opiniões, e, caso as eleições fossem hoje, não seria improvável que a escolha no segundo turno se desse entre eles. Aqui ocorre algo interessante. A escolha de um deles pode dar-se menos pelos méritos do escolhido que pela rejeição ao outro. Quero crer que isso é mais perceptível no caso do Bolsonaro. Em 2018 conheci pessoas que, em razão da forte campanha antipetista (e essa campanha, digam o que disserem, ocorreu), optaram por Bolsonaro apertando o nariz, como escreveu a Martha Medeiros (aliás, não saberia dizer se ela própria não terá feito isso). No caso de Lula, seus bons governos falam por si; ou seja, tivesse em 2018 sido ele o candidato, o resultado do pleito teria sido outro. Com efeito, conheci pessoas que votaram em Bolsonaro que me disseram que teriam votado em Lula. É como se Lula estivesse, para essas pessoas, acima da onda antipetista, que, suponho eu, foi o que as fez escolherem Bolsonaro e não Haddad. Alguém pode, claro, arguir que Bolsonaro nunca tinha sido presidente e que, portanto, esse tipo de comparação não faz muito sentido. Correto. Porém, Bolsonaro esteve décadas na Câmara Federal, era político conhecido, como eram bem conhecidas suas opiniões e posições políticas. Nunca foi um lobo em pele de cordeiro; sempre se apresentou como o lobo que é lobo e continua sendo. Aliás, se algo pode ser dito em seu favor, é que a esse respeito nunca enganou ninguém: quem o comprou sabia muito bem qual produto levava para casa (com o perdão das surradas metáforas). Mas falemos das rejeições. Num cenário em que a escolha tivesse hoje que dar-se entre Lula e Bolsonaro, desconsiderando de momento o voto nulo ou em branco, que elementos de rejeição há num e noutro para que, talvez apertando o nariz (vá lá), pudéssemos escolher o adversário? Comecemos com Bolsonaro. O que há nele para rejeitar-se? Ele ofende as mulheres (o caso da deputada Maria do Rosário é emblemático, como o foi a brincadeira de mau gosto da "fraquejada", ao referir-se a sua única filha); ele ofende os povos originários, os indígenas, opondo-se inclusive ao que estabelece a Constituição Federal, pois já afirmou ser contrário à preservação de suas terras e, portanto, de sua cultura; ele já homenageou em cadeia nacional notório torturador, o qual teria inclusive torturado a jovem que viria a ser nossa primeira presidenta da República; ele já afirmou que com democracia não se resolveriam os problemas do país; ele é grande admirador dos generais da ditadura, a ponto de ter em seu gabinete as fotos enquadradas dessas personagens; ele não demonstra respeito algum por homossexuais, conforme as palavras depreciativas e mesmo de baixo calão que já usou contra Jean Willys, David Miranda e Glenn Greenwald; ele se opõe ao que recomendam cientistas, sobretudo epidemiologistas, como vimos (e estamos por incrível que pareça ainda agora vendo) no combate à COVID-19; ele defende o armamento da população, quando estatísticas demonstram que mais armas só trarão mais violência e mortes (países, como o Japão e a Inglaterra, por exemplo, onde mesmo o policiamento ostensivo se faz sem armas de fogo, estão entre os que onde menos violência e mortes ocorrem); ele já ofendeu negros, quilombolas e nordestinos de forma geral, numa demonstração de total desconhecimento acerca do povo brasileiro e da formação socioeconômica do país; etc. Eu poderia seguir, mas o amigo ou amiga que porventura me lê pode com certeza não apenas acrescentar mais elementos a essa listagem sumária de razões para rejeitá-lo, como também possivelmente precisar e mesmo corrigir o que vai acima listado. (A propósito, vejam que sequer mencionei os equívocos dos seus já dois anos de governo, com uma inflação galopante e uma taxa de desemprego assombrosa: cerca de 14 milhões de desempregados, em dados oficiais). Passemos agora a Lula. O que temos para rejeitá-lo? O que ouço e leio é que, no poder, teria sido corrupto, teria, dizem até, chefiado uma quadrilha de corrupção. Será isso verdade? Admitamos a possibilidade de que seja. Nesse caso, será preciso condená-lo. Porém, para que isso seja feito, é necessário, é fundamental haver o devido processo legal. Não estamos no velho oeste. Na verdade, mesmo no velho oeste havia julgamento, ainda que às vezes se pendurassem alguns meio às pressas. Lula foi virado do avesso, teve seus telefones grampeados, inclusive em conversas com a presidenta e com seus advogados. Vasculharam suas contas, sua residência e a de seus filhos. A força tarefa da Lava Jato contou até com uma mãozinha da polícia federal estadunidense (o FBI). Nunca puderam encontrar joias ou dólares escondidos. Nunca puderam encontrar nenhuma conta em algum paraíso fiscal. Nunca puderam encontrar, sublinhe-se isto, documento fidedigno e comprobatório de que ele fosse o legítimo proprietário do triplex ou do sítio de Atibaia. Lula nunca se opôs a que o processassem. Não poderia fazer isso. Não está acima da lei. O que sempre exigiu foi um julgamento justo. Não teve esse julgamento e foi condenado. Esperemos que agora o tenha. Assim, e só assim, sua inocência será demonstrada. Sim, demonstrada, porque, no caso de Lula, e contra o que determina a própria Constituição, parece estar com a defesa a tarefa, no final das contas, de demonstrar a inocência do réu, e não com a procuradoria aquela de provar sua culpabilidade. Concluo este texto, fazendo uma sugestão a todo aquele e aquela que escreve ou passa adiante em suas redes sociais uma mensagem acusando Lula de ladrão. Amigo, amiga, ajude os procuradores, ajude seu país, seja um verdadeiro "patriota", entregue ao ministério público hoje mesmo as tão procuradas provas contra Lula. Faça isso. Ajude o FBI, aquele bando de incompetentes. Não guarde mais essas provas que o país e o mundo esperam tão ansiosamente. Acabe com esse sofrimento!



Então, pois então! É o professor Conrado!

DdAB

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