Antes dele, contudo, tudo começou quando lecionei pela primeira vez macroeconomia em meados dos anos 1980. Aquela macroeconomia sumiu dos livros texto, mas ficou para mim a herança de forçar-me a estudar profundamente o funcionamento do mercado de trabalho e associar a questão do crescimento com a distribuição da renda.
Crescimento e distribuição da renda são as áreas que a profa. Laura Carvalho referiu em, sempre ela,
Zero Hora, sábado e domingo, 25 e 26 de julho de 2020.
Mas ainda faltava algo para mim. Primeiro andei espalhando ter sido enganado por familiares, amigos e professores (da graduação, concluída em 1972), que me levaram a pensar que em meu horizonte de vida, iria viver em um país rico. Talvez implicitamente se falasse em maior igualdade, mas talvez esses familiares e amigos não tivessem consciência de que aquela pobreza que viam nas ruas ou que batiam-lhes às portas de que tudo aquilo respondia a ações humanas e não a maldições celestiais.
Zero Hora, sábado e domingo, 25 e 26 de julho de 2020.
CADERNO doc
Entrevista com a profa. LAURA CARVALHO
Não me considero desenvolvimentista, no sentido compreendido no Brasil a partir das experiências dos anos 1960 e 1970, essa visão industrialista da economia, com isso não me identifico.
Mas ainda faltava algo para mim. Primeiro andei espalhando ter sido enganado por familiares, amigos e professores (da graduação, concluída em 1972), que me levaram a pensar que em meu horizonte de vida, iria viver em um país rico. Talvez implicitamente se falasse em maior igualdade, mas talvez esses familiares e amigos não tivessem consciência de que aquela pobreza que viam nas ruas ou que batiam-lhes às portas de que tudo aquilo respondia a ações humanas e não a maldições celestiais.
Pois não é que não foi que eu também, depois de certa idade e certo grau de educação, comecei a alardear que o Brasil iria desenvolver-se em nosso horizonte de vida. Era mentira! Hoje sei que era mentira. Hoje sei que estamos condenados a pelo menos duas décadas de continuação do modelo desigual e hoje de crescimento rastejante. Isto se a mudança começar a ocorrer amanhã. Como amanhã não ocorrerá nada relevante, então passamos a 20 anos + 1 dia...
Hoje entendo que o mercado de trabalho não pode ser convocado para ajudar a encaminhar a solução da encrenca. Não haverá, como nunca houve, emprego para todos. Aquela quimera da incorporação de capital humano para resolver o problema também, como alertou-me o prof. Cássio Calvete, é fria, pois se todos incorporam, digamos, 45 graus de capital humano, todos ficam no mesmo patamar relativamente aos demais e o desemprego não é abalado. Provavelmente esse ganho de educação tão generalizado implicará um empuxo na sonolenta economia, com um ganho geral de produtividade, mas isto é outra questão que apenas muito tenuemente tem a ver com a solução do problema distributivo por meio do mercado de trabalho. Por outro lado, o crescimento econômico, mesmo com a relação produto/capital vigente, não terá dinheiro suficiente para encaminhar um investimento que empregue todos os 20 milhões de detentores de empregos precários.
Por isso é que apoio desde que ouvi falar a renda básica universal (com implantação gradativa), os fake jobs, empregos estatais na Comissão Comunitária Municipal. E, no mercado de trabalho formal, menos dias de serviço na semana, começando com quatro e, depois de, digamos, 10 anos, reduzindo para três, e assim por diante, para trás, até um ou meio. Jornadas de trabalho mais curtas. Mais dias de férias por ano. Entrada tardia no mercado de trabalho. Saída precoce do mercado de trabalho.
E tem mais. No início de 2010, quando comecei a ver notícias da "reprimarização" com mais frequência, fiquei bastante incomodado, pois desde sempre entendi que o "novo setor primário brasileiro" -soja, boi, minério, petróleo, e por aí vai- nada tem de "primário". Primeiro, a soja tropical é um produto do setor serviços, laboratórios e escritórios da Embrapa, o minério é extraído com tecnologias de deixar aqueles bandeirantes cheios de inveja. Segundo, aí começa minha peroração contra a indústria como fetiche de certos economistas identificados com a "visão industrialista da economia", tão distante do ideal de política de governo da profa. Laura.
E como vim a entender isto? Foi num paper tentando entender se havia mesmo desindustrialização que constatei que precisamente os setores de serviços configurando bens públicos (saúde, saneamento, segurança, etc.) e bens de mérito (educação, saúde) são os que detêm a chave não apenas de parte do emprego hoje ocioso (professores, enfermeiros, policiais, etc.). Naquele endeavour (uso o inglês para dar caráter científico ao que vou dizer...), vim a entender também que aquela quimera de valorizar a indústria por causa de seus elevados encadeamentos é... quimera. Isto porque um pila gasto em elevação da demanda final da educação gera o mesmo volume de insumos primários, mesmo que com baixos encadeamentos. E a química, com elevadíssimos encadeamentos, também gera o mesmo 1 pila, se sua demanda final se eleva em uma unidade.
Q.Q.D.
DdAB
P.S. Para termos uma ideia de como as quimeras assustam as criancinhas, estou apresentando aquele bicho louco lá em cima: parece a alma de Bolsonaro.
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