05 julho, 2020

Gaia é Gaúcha


Título da postagem: homenagem àquele coro de 40 anos atrás rugindo "ucho, ucho, ucho, o papa é gaúcho".

Ilustração da postagem: o quinteto para clarinete e cordas em si menor de Johannes Brahms. Homenagem a Érico Veríssimo, por razões que rapidamente se tornarão óbvias, pois este concerto inspirou nosso autor a assim nomear sua autobiografia "Solo de Clarineta".

Conteúdo da postagem:
Será que, ao escrever "Música ao Longe", publicado no ano de 1935, Érico já tinha em mente homenagear o quinteto para clarinete? E, ao escrever o que cito da página 104, Érico já sabia que aquela encrenca originária da fusão da ciência e da tecnologia herdadas do século XIX iria engripar o planeta?

Então, pois então. Nestes tempos de óbvia mudança climática planetária e a praga do Covid-19, fiquei confinado, mas não ao ponto de ser impedido de ler. Li que te li, li daqui, li dali e cheguei à quarta leitura (não tudo chundo...) de... "Música ao Longe", em sua página... 104. A história mostra o final da decadência da família de Clarissa, exercendo papel lateral de primeira ordem o sr. Leocádio, um mitômano interiorano (parece-me que o primeiro que notei foi lá no fim da obra de Érico, no livro "Incidente em Antares", mas parece agora, sem os livros por perto, que também tinha mitômanos no "O Tempo e o Vento"). Agora, ao transcrever, fico em dúvida se Leocádio lera ou não lera Bento Espinosa e seu panteísmo:

-Mas você não acredita em Deus, Leocádio... - observa tia Zezé, rematando as palavras com sua risadinha afônica.
-Claro! Nesse Deus barbudo de vocês não acredito. Quando falo em Altíssimo, refiro-me a essa força misteriosa que rege o Universo. A propósito: vocês sabem que o mundo é um grande, um enorme bicho de que nós fazemos parte, assim... assim, como cabelinhos, pequenas partículas?
Expressões de surpresa. Leocádio continua, satisfeito consigo mesmo:
-A teoria é minha. A Terra é um enorme bicho. Vejam os vulcões. São tumores por onde jorra o pus das lavas. E esse passeio maravilhoso que o bicho faz através do infinito? Formidável! Os demais planetas e sóis são outros bichos. Se um dia eles inventares de guerrear, estamos bem aviados. Vai ser um cataclismo nunca visto. Pois é isso mesmo, o mundo é um bicho. Agora descubro uma definição melhor para o homem. O homem é um parasita do grande bicho. Alimenta-se dele, assim como o carrapato se alimenta do gado. Mas um belo dia o bicho come o parasita. É quando o homem morre e vai para baixo da terra...

Gaia, Espinosa, Érico. Este, em 1935 tinha lá seus 30 anos de idade, talvez ainda não maduro o suficiente para saber de Espinosa. E a "hipótese Gaia" ainda não ganhara mundo, não em 1935. Naturalmente em 1935 era impossível a Érico ou a qualquer outro terráqueo ter notícia da hipótese, em vias de formulação pelo duo James Ephraim Lovelock e Lyn Margulis, por volta de 1972. Que ela andou afirmando? Que a Terra é... um bicho.

Por falar em bicho, na pandemia, também li/reli as "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de que falarei em breve. E lembro, desde já, sua epígrafe:

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas

Pois então. Volta e meia cito nestas paragens minha médica clínica, a doutora Carmen Daudt. E um dia falei para ela na cadeia alimentar, conceito antropomórfico de acordo com o qual o homem ocupa o lugar superior na cadeia alimentar. Ela, com modéstia, disse que o homem não é mais que a matéria orgânica que vai nutrir aquele verme machadiano, ou melhor, brás-cubano.

DdAB

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