17 julho, 2020

Pedantes também Leem Zerro Herra: temperatura elevada

Não sou leitor sempre atento do jornal que, às vezes, mais atilado, chamo de Zerro Herra. A maior foi registrada neste blog: um homem assassinado com três tiros, ..., ou seja, uma facada na barriga. Parece até que tenho esta sentença documentada. Hoje faço uma crítica que não posso chamar de pedante, mas não reclamo se alguém o fizer. Vejamos o caso a ser julgado escrito na página 20 do jornal de hoje:

[...] Porto Alegre pode marcar 27oC amanhã e no domingo, 10 vezes mais que o registrado na quarta-feira, quando a capital teve a menor temperatura do ano.

Ou seja, 10 vezes menos de 27 é 2,7. Mas a operação de divisão ou a de multiplicação, ambas, são proibidas quando se mede a temperatura em escalas sem zero absoluto, ou seja, nossas conhecidas medições em graus centígrados (que grafei como 27oC, pois não sei fazer sobrescrito neste blog).

Claro que não posso esperar isto de um jornalista, embora saiba haver tantos outros que conheçam muito mais sobre escalas de medida que eu próprio, que já li um tanto sobre o assunto. Como assim? Dependendo do mundo em que habitamos, podemos falar em quatro e apenas quatro escalas de medida, diferindo entre si pelo conteúdo informacional. Na ordem em que vou apresentar, elas exibem crescentes intensidades de informação:

Escala nominal - dá um importante conteúdo informacional, associando nomes a números, por exemplo, o nome dx amigx e seu dia de aniversário, ou número do CPF e o nome do beneficiário do auxílio emergencial do mister Guedes.

Escala ordinal - aquela que não foi adequadamente ensinada e ajudou milhares de gerações de esquerdistas a desprezar a teoria ordinal da utilidade. Neste caso e em milhares de outros, podemos dizer, por exemplo, que gostamos mais de igualitarismo que de escalafobetismo (o leque salarial é de centenas de vezes). Posso dizer gostar mais de pêssego que de bolo, ser indiferente entre pêssego e bolo ou ainda preferir bolo a pêssego. Quando digo "gosto mais de mamãe que de papai" estou fazendo uma comparação usando a escala ordinal. E tem escalas ordinais sabidas, como a de Likert, que atribuem valores de 1 a 5 (notate bene que não tem zero absoluto). Claramente, 5 não vale cinco vezes mais que 1, pois estes números, arbitrários, estão apenas dizendo em números algo como: gosto muito, gosto, gosto pouco, desgosto, desgosto muito.

Escala intervalar - pois é ela: a escala com que se mede temperatura. E, tchan, tchan, tchan... a utilidade esperada. Quando falamos que a escala centígrada tem a água gelada com temperatura de 0 graus centígrados como zero e, ao ferver, atribuímos-lhe 100 graus centígrados, estamos atribuindo valores arbitrariamente. Da mesma forma, a temperatura medida em graus Fahrenheit estamos arbitrando um mínimo e outro valor dentro de um intervalo adequado.

Escala racional - como sabemos, esse racio do racional vem de ratio, o próprio conjunto de números racionais é dado por uma fórmula tipo p/q, em que p e q são inteiros e q é diferente de zero (é isto?), ou seja, a razão entre p e q. Claro que esta escala é a mais usada em economia (mas não esqueçamos a intervalar e a utilidade esperada), pois, como disse Deirdre McCloskey e eu usei esta frase como epígrafe de minha tese de doutorado: 

A sentença final diz, na tradução do Google:

Repleta de preços e lucros, acres e mãos, a vida econômica é a mais mensurável das atividades humanas.

Então podemos dizer que o Banco Thief tem um lucro de R$ 1 bilhão (um banco um tanto mirradinho), e usamos a escala nominal, nome e número. Mas podemos acrescentar que esse lucro é maior que os R$ 1.000 que o sr. Ernesto Honest ganha mensalmente para estrucar 44 horas semanais como jardineiro de uma praça privatizada, usando a escala ordinal. Ao mesmo tempo, podemos dizer, agora usando a escala intervalar, que o lucro do Thief é maior que o do Honest em 999.999.000 unidades. Acabamos de usar a escala ordinal. Mas também podemos dizer que Thief fatura 1 milhão de vezes mais que Honest.

E Zero Hora? Leio-a com frequência e sempre que termino de fazê-lo fico a indagar-me: por quê li? E sempre fico pensando em que ela faria se achasse erros neste blog.

DdAB
P.S. Fiz mais lucubrações sobre essa frase de da profa. McCloskey aqui.

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