16 maio, 2019

Ontem, Hoje e Amanhã: o voto, a filosofia e o Bolsonaro


Talvez seja a idade (isto que nem fiz aniversário...) que, se não me dá mais sabedoria, brinda-me com mais tolerância. Na verdade, de repente, vim a entender que há duas maneiras irreconciliáveis de pensar a macroeconomia: com estado regulador ou com estado mínimo. Da mesma forma, haverá duas maneiras de classificar as pessoas em termos de sua adesão (consciente ou não) a diferentes filosofias políticas. Neste caso, entendo que estamos falando dos igualitaristas, por oposição aos neo-liberais.

Depois de entender essas divisões perenes no tempo e que também se fazem presentes nos diferentes espaços de nossas vidas profissionais, sociais e familiares, vim a entender -entender, entendeu?- que não sou tão tolerante assim. A verità é que considero que o governo deve implementar políticas econômicas voltadas à promoção do bem comum (empregador de última instância, imposto sobre o cigarro, subsídio à educação, etc.), ou seja, sou um adepto do estado regulador. Da mesma forma, tenho posição clara em favor da sociedade igualitária, considerando ser vital para o futuro da humanidade (obviamente passando pela gestão do meio-ambiente) o rompimento com as posições que defendem o estado mínimo. E vejo dissidências importantes entre colegas de trabalho, nossos vizinhos de rua e nossos familiares.

Nos dias que correm, temo que a posição dominante no Brasil, no Menino Deus e no mundo seja mais favorável àquilo que uns falam em liberalismo na economia e conservadorismo nos costumes. Dada a intolerância a que o que expus anteriormente me lançou, só posso dizer que condeno veementemente essas pessoas, as pessoas que esposam este tipo de posição John Rawls e eu (!) consideramos que o mais importante valor humano é a liberdade ("Todos têm igual direito à mais ampla liberdade compatível com a dos demais indivíduos."). Chego mesmo a esposar a ojeriza ao totalitarismo anunciada por Karl Popper (ver aqui): não podemos transigir com os intolerantes que usam a democracia precisamente para acabar com ela.

Tá na cara que estou falando em geral e especialmente no Brasil contemporâneo e seu bolsonarismo. Ilustro o absurdo da situação com duas referências ao jornal Zero Hora:

No exemplar de ontem, 16 de maio de 2019, li uma carta de leitor na página 4:

VERBAS PARA INSTITUIÇÕES
   Concordo com o corte de verbas para as universidades (ZH, 7/5) [sic], pois as instituições, ao contrário do que afirmam, estão mais preocupadas com suas agendas corporativas do que com a sociedade.
Luiz Serpa
Aposentado - Novo Hamburgo

Gelei, degelei e tornei a gelar. Então o senhor Luiz Serpa pensa mesmo isso? E fiquei imaginando o que ocorrerá se os cortes de verbas forem confirmados. Talvez ele espere mesmo que as preocupações corporativas venham a se desvanecer, em resposta à futura penúria. Por simetria, poderíamos pensar que, se as verbas forem aumentadas, acaba-se a agenda corporativa. Naturalmente, esta visão ácida que confiro à filosofia política (talvez praticada apenas no nível inconsciente) não é nada coerente com minha tolerância com relação à opinião de outrem. Gelei...

Pois a própria capa da Zero Hora de hoje, 16 de maio de 2019, não precisou de mais de 12 palavras para fazer-me degelar e, rapidamente, gelar de novo:

'São uns idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra.'
JAIR BOLSONARO
Presidente, sobre a manifestação

Pero que si, pero que no. As manifestações de ontem foram, claramente contra o governo, "tudo isso que aí está" com atropelos de vários naipes e, lamento dizer, com o apoio de gente do feitio do sr. Luiz Serpa. E, eu que sou lá daquele grupo de filosofia política e economia política, fiquei feliz em ver que a sociedade tem um segmento, o mais promissor, o mais interessado num futuro luzidio, que diz "não", "Ele não!". E que fazer com um cara que venceu as eleições com o voto de 57 milhões de brasileiros? Sou contra o impeachment, esculacho da ordem institucional de que o Brasil é tão carente. E se há esperança de criação de instituições inclusivas mais afeitas à modernidade, esta reside apenas e exclusivamente na educação do povo.

E até lembrei de minha biografia antiga: andei sendo chamado de inocente útil, o que hoje representa um elogio, comparado com a condição de idiota útil, que me parece precisamente o caso do presidente da república: que pensarão as elites pensantes dos países amigos quando essa figura medíocre e mal-assessorada expressa tal opinião sobre a geração futura que hoje está em formação?

Gelei, degelei, tornei a gelar!

DdAB
Peguei a imagem que nos encima do corpo de uma postagem que fiz aqui.

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